O ESOTERISMO NA POESIA
(Focado em Fernando Pessoa)
O que é esoterismo e o que é poesia?
Segundo H. P. Blavatsky, criadora da moderna Teosofia, o termo “esotérico” refere-se ao que está “dentro”, em oposição ao que está “fora” e que é designado como “exotérico”. Logo esoterismo é tudo o que se refere ao que é esotérico, ou seja: que não está exposto.
No entanto, sobre a poesia a única coisa que consigo dizer é que ela é uma atitude humana capaz de permitir experimentar um universo de sentimentos finitos nesse plano dual e material, além de nos permitir adentrar a um universo perene e infinito, o universo sutil da alma humana.
Mas como delimitar algo aparentemente sem limites como é o caso da nossa alma em seus diversos níveis espirituais? Não é sem razão que vários dos mais complexos livros sagrados tenham sido escritos em forma de poemas.
E, talvez, pelo mesmo motivo, desde os tempos mais remotos o esoterismo na poesia venha sendo utilizado por pensadores, escritores e poetas na tentativa de lançar alguma luz à nossa mente dualista sobre a unidade do universo espiritual que está além do nosso conhecido mundo material.
A efemeridade da vida, a finalidade da morte, a razão da existência, são temas ontológicos que têm preocupado e angustiado o ser humano através dos tempos. Tanto no Ocidente quanto no Oriente, existem pessoas que ansiosamente buscam compreender essas questões, procurando um caminho pelo qual consiga desvendar a imortalidade.
Insatisfeitos com os sistemas teológicos existentes, muitos tentam aprofundar especulações sobre a realidade e o nosso lugar neste mundo, elaborando teorias de salvação para o ser humano.
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Os saberes místicos ocidentais, apesar de terem se tornados ocultos devido ao domínio da Igreja Católica, em sua institucionalização constantiniana e em sua doutrinação exotérica, não deixaram de inspirar movimentos espirituais, religiosos e correntes estético-literárias, legando-nos um rico patrimônio de mitos e alegorias.
Gerações de poetas, escritores e pensadores, entre os quais, após Dante, se destacam vultos como Bacon e Goethe, foram fascinados e influenciados pelas doutrinas místicas.
Em função do grande número de poetas e a extensão de suas obras, seria necessário vários e vários livros para esgotar o assunto. Em sendo assim, esse artigo será focado apenas na obra do grande poeta Fernando Pessoa e sua clara abordagem esotérica. E mesmo assim nos será impossível abordar, nesse pequeno texto, mais que uma pequena fração do que esse gênio produziu sobre o assunto.
Seguindo, principalmente, a linhagem dos grandes escritores do Renascimento e do Alto Romantismo que citamos acima, foi que Fernando Pessoa produziu sua grandiosa obra.
Desde cedo o esoterismo esteve presente na vida dele e sua inovação estético-literária, na procura da verdade, na meditação sobre os mistérios e na tentativa de compreender o destino, tanto o seu quanto o do seu país. Tudo isto é um fato que não pode ser ignorado quando adentramos o universo literário desse escritor.
Ele sempre meditou sobre o “Além-mundo” e deixa isso claro no poema
NO FIM DO MUNDO DE TUDO
No fim do mundo de tudo
Há grandes montes que têm
Ainda além para além —
Um grande além mago e mudo.
São paisagens escondidas
Que são o que a alma quer.
Ali ser, ali viver
Vale por vidas e vidas.
Todos nós, que aqui cansamos
A alma com a negar,
Nesse momento de sonhar
Ali somos, ali estamos.
Mas, depois, volvidos onde
Há só a vida que há
Vemos que ante nós está
Só o que vela e que esconde.
Só dormindo, os horizontes
Se alargam e há a visão
Dos montes que ao fundo estão
E o saber do além dos montes [...]
Ele esteve envolvido com várias ordens ocultas, estudou astrologia, Cabalah e alquimia. Produziu inúmeros mapas astrológicos sobre si mesmo, familiares e amigos, incluindo seus heterônimos, o que atraiu a atenção de Aleister Crowley, com quem trocou várias correspondências. Em uma de suas correspondências com esse ocultista ele diz o seguinte:
“A criação de Caeiro e do discipulado de Reis e Campos, parece à primeira vista, uma elaborada brincadeira da imaginação. Mas não é. É um grande ato de magia intelectual, uma magnum opus do poder criativo impessoal”.
Pessoa, além de ter uma clara consciência de uma existência posterior a essa, acreditava em graus de existência e na possibilidade de se comunicar com outros entes como fica claro na carta ao critico Adolfo Casais Monteiro em 13 de janeiro de 1935 no último ano de sua vida, onde fala sobre suas posições frente ao ocultismo:
“Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subutilizando-se até chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo.
Pode ser que haja outros entes, igualmente supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não... Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação direta com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos.
Há três caminhos para o oculto:
O caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo, intelectualmente ao nível de bruxaria, que é magia também), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos.
O caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento.
E, finalmente, o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara antes, sem grandes riscos, com defesas que os outros caminhos não têm.
Quanto a “iniciação” ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde à sua pergunta: não pertenço a Ordem iniciática nenhuma. A citação, epígrafe do meu poema “Eros e Psique”, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em Latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente – o que é fato – que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o texto do Ritual, pois não se deve citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho.
A despeito da negação nessa carta em pertencer a alguma Ordem, pouco tempo depois em 30 de março de 1935 na sua nota Biográfica ele escreveu na “posição iniciática”:
“Iniciado, por comunicação direta de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal”.
Não podemos esquecer que nessa época Portugal estava sob o regime ditatorial de Salazar, onde as Ordens iniciáticas estavam sendo perseguidas, e admitir abertamente fazer parte de alguma delas não era algo sensato. Seria esse o motivo da contradição?
No entanto essa índole “flutuante” permeia toda a vida de Fernando Pessoa, e ao mesmo tempo que constitui um enorme desafio, não deixa de ser um fascinante estímulo, tentar entende-lo.
Para Pessoa a gnose é uma junção da Cabalah judaica com neoplatonismo e nesse seu contexto está incluso a Ordem Rosa-Cruz fundamentada em matéria alquímica paracélsica hermética oriunda do Corpus Hermeticum. A primazia da alma, que está contida nessa tradição, segundo Platão, não está no mundo material, mas no mundo espiritual.
Platão também diz que a alma tem uma pré-existência antes de entrar num corpo e como prisioneira desse corpo, anseia sempre voltar a sua origem. Assim, para os platonistas, a alma humana sofre uma “queda” quando entra num corpo. Segundo os filósofos platonistas a ascensão da alma humana é um processo extremamente difícil e cheio de sofrimentos. Tudo isso era de conhecimento de Pessoa como deixa claro seu poema
No Túmulo de Christian Rosenkreutz
I
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até corpo, essa descida
Até à noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois, toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui
Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De Além o Abismo, Sprito Seu, Lha véda;
Aquém não há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.
III
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.
Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?
…………………………………
Calmo na falsa morte e a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosaecruz conhece e cala.”
Está revelada nessa verdade que a vida e esse plano é uma sombra do mundo espiritual; nossa realidade é uma ilusão e a morte apenas uma passagem, diz o poeta.
Porém, como no poema acima em que até o primeiro mestre Rosa-Cruz “conhece e cala”, ele nos diz no poema
NATAL
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
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Segundo Fernando Pessoa o significado real da iniciação é, para este mundo em que vivemos, um símbolo e uma sombra, e essa vida que conhecemos pelos sentidos é uma morte e um sono, em outras palavras, o que vemos é uma ilusão. Esse conceito de iniciação é expresso no poema
INICIAÇÃO
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo,
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O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
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A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não ‘stás morto, entre ciprestes.
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Neófito, não há morte.
Esse maravilhoso poema, que como o nome diz, é um caminho iniciático, merece que nos aprofundemos um pouco mais:
O poeta fala sobre o não dormir de um iniciante sob o cipreste pois no mundo não há sono, o mundo não dorme, ele está em constante movimento, e como parte integrante desse mundo dinâmico também possui sua essência e nunca dorme, pois o sono é uma espécie de morte.
O cipreste é uma árvore símbolo da vida e representa as virtudes. É considerado símbolo de imortalidade. Por ela representar a vida, o iniciante não pode dormir sob ela, já que dormir é uma morte simbólica.
As vestes são símbolo exterior da atividade espiritual, a forma externa visível do homem interior. Muitas ordens usam as vestes ritualisticamente, mas também para se apresentarem externamente.
Vem a noite, que é símbolo da morte, aquela que toda a luz do Sol engole, mas que também gera o dia seguinte.
E a sombra acabou sem ser porque na noite a sombra não existe, ela só existe enquanto há luz, à noite ela morre.
Seguindo o percurso o iniciante chega à Estalagem do Assombro, o lugar onde ocorrerá o primeiro passo da iniciação. Nesse local sagrado os anjos tiram a sua capa e com esse gesto ele doa a si mesmo e, segue com o pouco que tapa seu corpo e sem capa no ombro.
Então na estrada, aquela que leva ao lugar sagrado, os arcanjos deixam-no completamente nu, sem vestes, somente com o seu corpo que, supostamente, é ele.
A nudez é símbolo da pureza física, moral, intelectual e espiritual; é uma espécie de retorno ao estado primordial, é a abolição dos limites entre o homem e o mundo que o cerca, em função do qual energias naturais passam de um a outro sem barreiras, daí a nudez ritual dos guerreiros celtas em combate, por exemplo.
Por fim, ele chega à funda caverna, e são os Deuses que o despem; tiram seu corpo e externalizam sua alma tornando-o igual a eles, sutis e etéreos. Todo o exterior se foi, no entanto, o eu interior ficará entre os Deuses.
Não está morto entre os ciprestes porque para o neófito não há morte espiritual, a morte somente atinge o corpo, jamais a alma. A iniciação é o reinício de outra etapa da vida, geralmente mais elevada.
Todo esse processo ocorre à noite, culminando com o fim na caverna. A iniciação ou morte simbólica é um retorno ao ventre da terra, e é no escuro que todo mistério é realizado, tudo é gerado e tudo é findado. É no ventre escuro que somos gerados e é no interior escuro da terra que somos enterrados.
Note também que nesse poema há a presença do número 3 de três diferentes formas (3X3).
Há 3 ambientes em que ocorre as etapas do percurso iniciático:
O primeiro é a Estalagem do Assombro, o segundo a Estrada e o terceiro a caverna.
Há três potências postas em ordem crescente de poder espiritual:
A primeira são os anjos, a segunda são os arcanjos e a terceira os deuses.
E há três estágios da iniciação ou três mortes simbólicas partindo do exterior para o interior do ser humano:
Primeiro retiram se as vestes (o mais externo possível), depois o pouco que o tapa, deixando-o nu, bem próximo da natureza e finalmente tira-se o corpo e permanece apenas a alma, a parte mais oculta e profunda do ser humano.
O homem aqui é visto como o microcosmo que é um reflexo do macrocosmo, o universo. “O que está em cima é como está embaixo”. Todos os mistérios do universo estão guardados na alma do ser humano, então, para descobrir os mistérios do cosmo há que se descobrir os mistérios da alma. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”.
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A seguir em ”Eros e Psique” poderemos ver o interesse e paixão do poeta na “união dos contrários” e no conceito de androginia, tão relevante na sua ideia sobre a ascensão do espírito.
A doutrina rosicruciana afirma uma dualidade ativa de Deus – a sua emissão ou emanação que é a Força, e a sua retirada ou imanação que é a matéria. A primeira parte do ato divino, está representada nesse nosso mundo pelo Homem e a segunda, pela mulher. Primitivamente, Homem e Mulher eram um só, na perfeita imagem e semelhança de Deus.
O objetivo é, portanto, recuperar a androginia primitiva e divina.
Essa é uma das maneiras possíveis de se compreender o poema
EROS E PSIQUE
“E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que
vos foram dadas no Grau de Neophito, e aquelas
que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor,
são, ainda que opostas, a mesma Verdade.”
(Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio
Da Ordem Templaria De Portugal)
Conta a lenda que dormia
uma Princesa encantada
a quem só despertaria
um Infante, que viria
de além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
vencer o mal e o bem,
antes que, já libertado,
deixasse o caminho errado
por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
e orna-lhe a fronte esquecida,
verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
sem saber que intuito tem,
rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino –
ela dormindo encantada,
ele buscando-a sem tino
pelo processo divino
que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
tudo pela estrada fora,
e falso, ele vem seguro,
e, vencendo estrada e muro,
chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
à cabeça, em maresia,
ergue a mão, e encontra hera,
e vê que ele mesmo era
a Princesa que dormia.
Claro que um poema como esse pode ter várias interpretações, esotéricas e também exotéricas.
Pode simplesmente ser lido como um poema lírico com um fundo mítico lendário medieval greco-romano.
Por outro lado, pode ser um poema sobre o processo iniciático.
A sua epígrafe, retirada do Ritual do Grau de Mestre do Átrio da Ordem Templária de Portugal, é obviamente uma sugestão esotérica:
“E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neophito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma Verdade”. (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio Da Ordem Templaria De Portugal)
Esta sugestão é precisamente a “união dos contrários” que acabamos de dizer acima, tal como preconizava Hermes Trismegisto:
“O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está em cima”.
Nesse caso a simbologia iniciática principal nesse poema seria a união dos contrários, preconizada pela teoria hermética, mística cabalista rosacruciana exposta no ritual da Ordem Templária de Portugal.
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Pessoa tinha um especial interesse pela tradição cavalheiresca. São vários os documentos que comprovam o seu envolvimento com a Ordem do Templo. Dizia que ela se encontrava em dormência desde 1888 e chegou a afirmar que era um iniciado dessa Ordem.
O poema “Na sombra do Monte Abienho pode ser interpretado à luz do simbolismo templário.
Monte Abiegno, é outro nome para a montanha sagrada referida em todas as tradições, cujo topo liga este mundo às esferas superiores. O poema fala desse lugar inalcançável. Os adormecidos, os esquecidos e os presos à sua sombra não podem subir sozinhos. O poeta inclui-se entre eles e sonha, portanto, com uma ajuda que a maioria considera inacreditável.
NA SOMBRA DO MONTE ABIEGNO
Na sombra do Monte Abiegno
Repousei de meditar.
Vi no alto o alto Castelo
Onde sonhei de chegar.
Mas repousei de pensar
Na sombra do Monte Abiegno.
Quando fora amor ou vida,
Atrás de mim o deixei,
Quando fora desejá-los,
Porque esqueci não lembrei.
À sombra do Monte Abiegno
Repousei porque abdiquei.
Talvez um dia, mais forte
Da força ou da abdicação,
Tentarei o alto caminho
Por onde ao Castelo vão.
Na sombra do Monte Abiegno
Por ora repouso, e não.
Quem pode sentir descanso
Com o Castelo a chamar?
Está no alto, sem caminho
Senão o que há por achar.
Na sombra do Monte Abiegno
Meu sonho é de o encontrar.
Mas por ora estou dormindo,
Porque é sono o não saber.
Olho o Castelo de longe,
Mas não olho o meu querer.
Da sombra do Monte Abiegno
Que me virá desprender?
Outro poema que pode ser interpretado a luz do simbolismo templário é
DO VALE À MONTANHA
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por Quinta e por fonte,
Caminhais aliados.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por plainos desertos,
Sem ter horizontes,
Caminhais libertos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por ínvios caminhos,
Por rios sem ponte,
Caminhais sozinhos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.
O ideal esotérico templário reside no desejo de reconstruir o templo e criar o espaço adequado à Jerusalém Celeste, onde perenemente se ficará a serviço do Espírito”. Os templários protegem o Templo, contra qualquer tipo de degradação.
Não resta nenhuma dúvida que a ideia da cavalaria em Fernando Pessoa é sobretudo espiritual. “Caminhais em mim”, é o que ele afirma no final do poema “Do Vale a Montanha”.
Concluindo:
Esse pequeno ensaio está longe de esgotar a riqueza do simbolismo e esoterismo presentes no universo poético de Fernando Pessoa. Espero que esse humilde texto tenha contribuído para lançar um pouquinho mais de luz sobre a maravilhosa obra desse gênio. Agradeço a todos pela atenção.
(Francisco de Assis Góis)
05/03/2022
Bibliografia:
Rogério Mathias Ribeiro: Fernando Pessoa - Relações Entre Literatura E Ocultismo Tese de Doutorado Universidade Federal Fluminense Instituto de Letras Niterói.
Zhou Miao: Mundividência Esotérica e Poética Iniciática de Fernando Pessoa Dissertação de Mestrado em Literatura de Língua Portuguesa (Investigação e Ensino), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Consultado também sites diversos na WEB sobre a vida e obra de Fernando Pessoa.
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