Enlouqueci
pope parte#
Enlouqueci. Só pode ser. Talvez por isso não me reconheça. Tenho vivido angústias que antes não me habitariam. Tenho sofrido por um amor que não chega. Parece coisa de novela. Escuto boleros. Soo como algo brega. A paixão pode enlouquecer mais do que a carência. Sou uma ficção. Invento fatos. Sou um silêncio cheios de palavras. Acreditei no enredo. Gostei tanto da protagonista que a confundi com a realidade. Comecei a imaginar seu cheiro na casa. Comprei um guarda roupas maior. Escolhi até o enxoval. Já sei o nome dos filhos. Quando percebi era uma trama com muita fantasia. Sim, enlouqueci. Tenho convicção. Li a conversa que escrevi. Projeção de um louco armado. Mudei o fim, só para dizer que um louco amado e amando não é perigo algum. Fim sem dor. Saber o final da história, desde o começo, não diminui a dor de se viver o fim. Saber não resolve nada. A dor adoece a tragédia já humana. Morrer é uma certeza. Dor é dor, seja em quem for. Sou um poço de afeto. Vivo das moedas daqueles que lançam seus desejos. Não jogo a sorte ao destino do fundo do poço na espera de que o afeto seja só um sonho que não se alcança. A minha angústia é a tua escuridão. Fim indolor. Há quem devo satisfação? A mim ou aos outros? Devo satisfação a mim mesmo. Dos outros nada adianta, só esperar. Prego. Pego. Peno. De qualquer modo, pago o preço de ser um papa. Durmo sozinho, às vezes.