Identidade, por favor...

 

Sermos seres humanos é óbvio demais. Afinal, como podemos definir nossa identidade pessoal usando as características de um ser humano? Como responder à pergunta: “quem é você" se a única resposta possível for algo como: “sou um ser humano, tenho um corpo físico, uma personalidade, e um potencial espiritual em desenvolvimento”.  Isto é óbvio demais. Seremos apenas mais um na multidão. Seremos “todo mundo” e “ninguém” ao mesmo tempo.

 

A mídia se preocupa com este problema e sempre coloca uma identificação pessoal, geralmente de cunho profissional, precedendo as notícias sobre pessoas desconhecidas: “o médico... “, “a atriz...”, “a dona de casa...”, “o aposentado...”, “o advogado...” Quando a pessoa não tem uma profissão ou um status social é identificada como “o morador de rua...’ “o indigente...”, “o estelionatário...”, o serial killer...”, o “presidiário...”

 

Na sociedade também nos identificamos com atributos incorporados, para superar o lugar comum de sermos apenas seres humanos: “quem é você? ” “Sou designer de produtos digitais”; “sou gerente de vendas na empresa tal”; “sou o marido da Wilma, pai do Maurício “.

 

Assim, quanto mais atributos pudermos incorporar à nossa personalidade, mais integrados, participativos, engajados e admirados seremos nos meios sociais. Para isso, a fórmula é simples:

 

Seja defensor de uma ideologia política; professe convictamente uma religião ou diga-se ateu assertivamente; filie-se a um partido político; identifique-se com um gênero e o assuma ostensivamente, qualquer que seja; defenda uma causa; tenha uma profissão respeitada; tenha um hobby pouco popular; pertença a movimentos culturais; seja sócio de um clube; seja fã de um artista famoso; tenha um estilo de música preferido; seja torcedor convicto de um time de futebol; escreva um livro;  esteja sempre atualizado com as últimas notícias e defenda enfaticamente sua opinião formada sobre os temas que circulam na mídia convencional e nas redes sociais.

 

Quanto mais atributos você conferir a si próprio, maior o respeito e a notoriedade que lhe serão atribuídos. Quanto mais diversificada e pronunciada for a sua identificação, maior será seu destaque no meio social e seu potencial de conquistas pessoais.

 

Poder, carisma, e dinheiro, geralmente são obtidos a partir desta diversidade de atributos pessoais e também pela submissão espontânea e admiração de quem almeja ser possuidor dos mesmos atributos e vê neste ator sócio-político-econômico de destaque, um exemplo a ser exaltado e seguido.

 

Este é um retrato da superficialidade dos valores sociais. Toda a energia gasta pelo “ator social” e toda a submissão anuladora de seus seguidores não garantem sequer um pequeno salto qualitativo no perfil evolutivo destes protagonistas.

 

A definição diferenciada da personalidade humana não deixa de ser uma característica importante nos relacionamentos, pois permite a identificação das ofertas e carências individuais, facilitando as relações de troca das dádivas diferenciadas que o Universo concede a cada um. Um empresário pode precisar de um advogado. Um artista pode precisar de um engenheiro.

 

No entanto, mais importante é a busca das semelhanças entre indivíduos, pois é nelas que reside a identificação entre indivíduos, diferente da identificação pessoal de um indivíduo. Eu identifico a mim mesmo pelas minhas diferenças com os demais; mas eu me identifico com os demais pelas minhas semelhanças com eles.

 

Pragmaticamente, um grupo de trabalho composto por especialistas em diversas áreas diferentes pode produzir resultados surpreendentes, pela sinergia do efeito conjunto e coordenado dos talentos de seus membros. Mas não obrigatoriamente as pessoas do grupo identificam-se entre si. Por isso mesmo, é mais comum termos amigos que conhecemos aleatoriamente que entre os colegas de trabalho.

 

Ocorre que toda a dinâmica do sistema econômico vigente, foco da atenção da humanidade pouco consciente, valoriza muito mais a identificação individual que a identificação entre pessoas. Identificar-se com alguém implica em evolver-se emocionalmente. Simpatia, empatia e compaixão são sentimentos. São sentimentos derivados do amor.

 

No contexto do pragmatismo exacerbado dos processos socioeconômicos, o envolvimento emocional é uma fraqueza e um obstáculo à conquista de metas objetivas ligadas à produção e distribuição de riqueza, à efetividade da relação profissional / cliente, e à manutenção da liberdade e privacidade individual. Nesta conjuntura, o amor é algo que pertence à intimidade de cada um, e só é natural quando dirigido a parceiros, irmãos, progenitores, filhos e netos. O amor não tem espaço nas situações sociais ou econômicas onde o Homem é produtor, consumidor, profissional, paciente, legislador, fiel seguidor ou transgressor do que rezam as normas de conduta. O amor atrapalha!

 

Então, as relações entre pessoas não são orientadas pelo tipo de identificação entre elas, mas pelas regras de conduta social que visam exatamente contornar a falta de afinidade e identificação entre indivíduos. Um sorriso pode significar gentileza, mas não empatia. Uma obra caritativa pode significar engajamento social, mas não compaixão.  Uma relação entre um casal pode significar entretenimento e prazer, mas não amor.

 

Se a busca das semelhanças entre pessoas fosse a prioridade nos relacionamentos sociais, como o são nos relacionamentos espontâneos e autênticos, as diferenças, importantes para a sinergia do processo de desenvolvimento socioeconômico e cultural, seriam espontaneamente afloradas, como uma vontade individual de colaboração com as pessoas entre as quais existe identificação e afinidade.

 

Quando há identificação entre pessoas, elas estão espontaneamente disponíveis para colaborar entre si, disponibilizando o que há de melhor no cardápio de seus dons pessoais, como, por exemplo, no trabalho voluntário.

 

A humanidade é infeliz porque fez do trabalho um sacrifício e do Amor um pecado!

Prof. Henrique José de Souza