Estrangeira

Uma moça, vinda de outro lugar, parou por ali. Ninguém a conhecia, nunca tinha surgido antes naquelas bandas. Ela era linda, mas não como as coisas bonitas que você vê por aí. Era diferente, transcendental. Parecia um prêmio de um concurso difícil, algo a se colocar numa prateleira e se admirar para sempre. E ela tentou ser simples, passar como nativa, usou até o idioma local. Não adiantou, ela brilhava na escuridão, era como um peixe perdido no Deserto do Saara, um escorpião debaixo d'água. Ela se incomodava com essa sensação, era perceptível. Ao mesmo tempo, era inusitado como toda a rotina da cidade ficou balançada com a sua presença. Parecia que as ruas haviam se inclinado uns quinze graus em seus próprios eixos, todos andavam meio tortos, querendo cair no chão, defeituosos. O dia se tornou único. O local que representava o máximo significado da palavra repetição, se perdeu naquela surpreendente originalidade. Não se soube mais como continuar os afazeres importantes ou supérfluos do dia, porque uma lanterna que tinha a luz de mil sóis brilhava no meio da praça. E, então, como se tudo fosse continuar paralisado, a estrangeira também não aguentando a pressão que colocaram sobre si, algo ainda mais sobrenatural aconteceu. Ela se deitou no chão. E dormiu. Dormiu cansada, cansada da atenção do mundo, e o sono foi aquele profundo, que atinge as pessoas de semblante calmo. Com ele, tudo mais se anestesiou. Não houve mais surpresas, nem mesmo pelo fato dela ter se deitado no chão sujo e público. Parecia que a ordem estava novamente restaurada. E as pessoas puderam continuar com suas obrigações mais mundanas.

João das Flores
Enviado por João das Flores em 26/03/2022
Código do texto: T7481453
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