No quinta do meu Avô !
No quintal do meu Avô Jovino !
Na década de 60 costumávamos passar alguns dias de férias, às vezes com nossos pais, às vezes somente os quatro irmãos, na casa do meu avô materno Manoel Jovino Filho, na cidade de São Romão às margens do Rio São Francisco. Meu avô era baiano de Glória. Por isto minha mãe levou este nome.
Manoel Jovino chegou em São Romão e se apaixonou por Júlia Caxito, de conhecida família da cidade ribeirinha. Casaram-se e tiveram três filhos. José Reinaldo, Cristóvão e Glorinha Mameluque, minha mãe. Meu Avô tinha apenas o curso primário, se é que tinha. Mesmo assim foi Delegado de Polícia, Vereador e Presidente da Câmara Municipal de São Romão. Naquela cidade recebeu o título de Cidadão honorário e de cidadão Benemérito em uma mesma sessão, já com a presença dos 12 netos.
Lembro-me com saudades do quintal do meu avô. Pois foi lá, pela primeira vez, que conheci a palavra autoridade e redescobri a palavra amor. Meu avô era um homem forte, sisudo, franco mas extremamente carinhoso com os filhos e com os netos. Era daqueles que “ não levava desaforo pra casa” e sempre muito “ super sincero”. Certa vez estávamos em São Romão , eu , meus três irmãos, meu pai já falecido e minha mãe Glorinha. Eis que pedi um prato de mingau. A casa não tinha forro e de um cômodo se ouvia muito bem o que se falava ou murmurava no outro cômodo. Na frente da casa havia o armazém do meu avô. Secos e Molhados. Voltando ao prato de mingau: Minha mãe levantou-se e meu avô também. Fizeram o mingau de maisena, colocaram no prato e levaram para este que vos escreve. Eu simplesmente, depois da primeira colherada, emborquei o prato de mingau no chão do quarto alegando que o mingau estava frio. Detestava alimento frio. Minha mãe pacientemente esquentou mais um pouco o mingau no fogão de lenha; meu avô foi buscar lenha no quintal. E depois de uma hora chegou o novo prato de mingau. Após a segunda colherada eu tornei a jogar o prato de mingau no chão. Meu avô observando aquela cena não se conteve e exclamou: Mas que freguês desobediente ! Eu vou dar um jeito nisto!!! Vai ter que comer tudo!!! Mais que depressa eu comecei a chorar, gritar, espernear e simular que estava passando mal ou coisa parecida. Eu me contorcia como se estivesse “ recebendo um espírito” para que meu severo avô não se aproximasse de mim. Minha mãe atônita assistia sem entender bem aquela cena. Meu pai Pedro levantou-se e questionou que “ batedor era aquele com o quarto sujo de mingau”. Foi quando meu avô, com seus braços fortes, me pegou nos braços e começou a caminhar em direção ao quintal escuro. Quanto mais ele caminhava mais eu gritava, me contorcia e esperneava. E ele mais me apertava sobre o seu peito. Eu avistei a lua Cheia na soleira da porta, o cheiro dos pés de manga e ouvi ao longe o barulho das canoas que desciam o São Francisco. Fiquei apavorado com o que podia acontecer quando meu avô sentenciou: SE ESTE MENINO NÃO PARAR DE CALUNDÚ EU VOU JOGAR ELE DENTRO DA CAIXA D’ ÁGUA!!! Olhei para trás e observei que meus pais, Pedro e Glorinha, acompanhavam os passos apressados de Manoel Jovino. Pensei : Será que Pedro e Glorinha vão me abandonar ? Vão me deixar ser lançado na Caixa d’ água em um noite fria e escura. Será que vovô vai me matar ? Pelo sim pelo não comecei a gritar : EU COMO VÔVÔ!!! EU COMO TODO O MINGAU VOVÔ!!! Aprendi naquele dia o conceito de respeito e autoridade. De amor e carinho. E guardo até hoje com saudades e melancolia a minha curta viagem naqueles braços fortes e amorosos que já não me carregam mais... O Quintal do meu avô é parte marcante da minha vida; do que sou; e muito do que algum dia ainda poderei ser. Fico a refletir : Como tudo antes era mais simples e maravilhoso!!! Vale a pena contar!!!
Gustavo Mameluque. Jornalista. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.