terapia para
só parte#
Amanhã vou encarar a terapia. É confortável dizer que tenho um tempo para dizer que é meu. Tenho o privilégio burguês de pagar análise. Semanal. Lacaniana. Divã. Sou uma contradição ambulante. Passo o dia todo traumatizando para depois exorcizar meus traumas. Os demônios que o digam. Amanhã vou fazer uma pergunta que não tem resposta. Certo de que acertei sem saber por onde seguir. Essa pergunta tão boa será um mantra. Cântico. Palavra. Oração. Depois de um tempo pode até virar pesadelo. Trauma. Medo. Colapso. Mas amanhã vou para terapia por tudo no ouvido do analista. Ele que aguente o vômito quente no ouvido. Eu não aguentaria. Deve até fazer mal para a cabeça do analista. Como chegar em casa sem lembrar de algum vômito morno? A cabeça de um analista deve ser um sótão com subsolo lotado. Não tinha percebido que pago para alguém me ajudar a me cuidar. Estranho pensar assim: alguém precisa me lembrar que preciso de cuidado. Acredito que virei um desconhecido que se olha no espelho e enxerga um vulto. Amanhã quero ver gaguejar sentido essa dor. A dor de não se compreendido. Sou um ser em mudança como tudo que tem movimento. Caso contrário estaria parado e morto. Mas amanhã na terapia vou ficar quieto e provavelmente desviar de qualquer assunto que faça me olhar melhor. Acho que vou ter que desviar de mim para me esquecer do tempo. Assim seja, pelo menos um mês. Depois avalio se consigo seguir sem saber por onde ando ou porque sigo andando. Amanhã é aquela velha dobra que direciona o hoje. Uma terapia para costurar os remendos do tempo. Um momento para reparar o que se pretende sentado nas nuvens.