contraste

#parte dela

Eu já vivi uma vida que não sentia ser minha. Sentia-me presa. Não sabia exatamente ao quê estava presa. Mas algo sufocava. Apertava o peito. Corria para sentir ar entrando nos pulmões, mas ainda não seria isso a liberdade. Precisava de outras libertações. Procurei mapas em pessoas que via na rua. Desconhecidos. Como são tão donos de si? Assim, como um dia qualquer, em lugar qualquer. Lá estava eu em uma inércia rodeada de pessoas que falavam muito, mas diziam pouco. Esperava para entrar em uma boate. Aquele dia seria para diversão (inerte). Acompanhada, sentia o braço de alguém pesar sobre meus ombros. Como quem carrega um peso. Peso de estar presa. Ali estava o meu corpo. Enquanto os meus sentidos ocupavam um outro espaço. Outra dimensão. Um universo próprio. Já não ouvia as conversas ao redor. Silêncio no caos. Olhava para frente. Fixei o olhar na moça do caixa, que cadastrava habilmente cada pessoa que entrava no local. Cabelos longos e pretos, ondulados, um topete Winehouse-like (aliás que falta faz). Uma fina cintura e blusa preta. Abaixo da cintura o balcão não permitia ver. A pele clara dos braços contrastava com as tatuagens várias que carregava. Não pareciam lhe pesar. Essa mulher tinha atitude, pensei. Quantos babacas enfrenta por noite sem se abalar? Será que chora quando chega em casa? Será fica por muito tempo ouvindo o ruído surdo de fim de festa? Será que tem alguém com quem se importar? Senti estar tão perto e tão distante daquela mulher. Um contraste grande do que vi no fora de nós duas. Por um momento quis ser aquela mulher. Transmutar-se para outra vida. E, em seguida, a fila andou.

Severo Garcia
Enviado por Severo Garcia em 10/02/2022
Código do texto: T7449428
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.