CONHECI-A

     Quando em meus 10 anos, o perfume forte e o passo sossegado. Encontrei-a, nada modesta e de fala rouca. O rosto nada gentil, tínhamos medo dela. Avó de uma amiga. Estremecíamos cada vez que éramos chamadas. O olhar que parecia à beia de despencar do rosto, a ondulação do vestido e o corpo magro. O cabelo preso num pequeno coque, e a mão tão veludosa! Ela contava histórias maravilhosas de quando era jovem e que esplêndido era viver naquela época. Ela parecia talhada, inteira, em pó de arroz. Aos poucos fomos perdendo o medo sob aquelas pálpebras brancas e de veias azuladas. Ela fazia um bolo de chocolate que não tinha outro igual em todo planeta. Depois das tardes com ela, dormíamos cada vez mais assazonadas.  Eu amava as suas histórias! E suspeitava que algumas não eram verdadeiras, mas de tão fascinantes, isso não importava. 

     Hoje os avós definham na preocupação de parecerem modernas e na casa dos vinte. Ela não! Ah! Ela tinha a alma em luto mas a fala ignorava qualquer preocupação com a idade, dizia na cara dura a idade que tinha, o que  era para ela motivo de orgulho. Vaidosa ela era! Mas era uma vaidade que blasfemava contra o suicídio da existência, e só. Tinha a alma forte como a floresta embora os ossos parecessem frágeis galhos. Dormia em paz, ela dizia, sem medo da morte. Coisa de quem aproveitou bem a vida e o acaso é sempre lucro.

     Ela me ensinou a tão cobiçada calma, embora só a tenha compreendido hoje. E quando a soube, aninhou-se ela em mim outra vez. E a ouço sorrir em coro com as outras meninas. Um dia, quedou-se de cansaço, dormindo em sua noite mais profunda. Aquele dia não teve história, nem cheiro forte de perfume ou bolo de chocolate... Saudade da intuição que ela tinha e que foi desabrochando aos poucos diante de nós até perdermos o medo. A mim deu-me o gosto pela paz e o entendimento que o afeto nasce com o tempo contra a imensa pressa do mundo ( e os seus julgamentos).