A SOCIEDADE DIZ
A sociedade diz às caras tristinhas: "você não sorri? então está doente!". E se dito pela sociedade, se achou-a assim, a opinião virou um fato. Você aí, em seus vestidos de chita, os dentes precários, mesa farta de poeira, repete: "estou doente, pois não sorrio!". Está mesmo, enfeitiçada, inclusive, e de suspiro enamorado, abobalhada por toda essa cartilha de autoajuda. E o eco ao longe da massa:"sorria, sorria que tudo passa!". Também a fome? Meu Deus, que sandice! Vão subindo a passos mancos, e o cérebro sempre fora da cabeça, matizados, miliciados pela mídia, encomendados desde que nasceram à memória do que jamais foram, nem serão (livres!).
Sorria, a sociedade enviou-lhe um convite! Saia desse tempo triste, olha que à beira está a palestra dos títeres. Alunos aplicados nos jogos de cordas. Emprestados nessa imensa teia social, alçados por mãos desconhecidas, tosquiados e obedientes, pois se não entra, em ti, nada dessa fúnebre estocada, vem o cancelamento.
Sorria, pois não te podes chamar diferente. Triste? Menos ainda! Mesmo que mal agasalhado e faminto, sorria! Um quase Jesus menino diante do chicote e da cruz. Vai que o povo sabe o que é melhor para você! Ganhaste vida naquela calçada, na indigência, mas sorria, ôh, amarga criatura! O sol nasceu, sorria! A morte maculou a sua saúde, mas sorria! Febril e apaixonada pela vida, sorria que o bem propaga até mesmo para a maioria que não se importa com suas lágrimas, mas pelo sagrado afeto do sorriso, sorria! Faz bem, mesmo que aos soluços de uma vida ausente de afeto, ai te di!, com os pés descalços, se a vida não sorrir para você, dura e sem cores, sob a pisada transeunte que te afunda na realidade, sorria! Mesmo assim...
Eu a vejo brotar, em sorrisos, pelas raízes, Criatura! Em todas as avenidas, esse sorriso que te fere como adaga envenenda, na alma.
"SMILE", Nat King Cole .