três luas
dele parte#
A finitude é trabalhosa. Ninguém morre sem deixar um sopro. Um corpo imóvel. Levantei o morno braço para as lâmpadas da sala. Notei às três luas imóveis. Vivo somente a noite. Amo a luz escura que ela resplandece. Aqui dentro sinto as manchas da parede se movimentarem como uma constelação móvel no meu corpo. Embora eu enjoe ao ver meus pés quietos. Não sei como resisto, Catarina. Você lembra que descansei no teu peito. Não tenho culpa de ser isso que sou. Não vomito coelhinhos. Não sou magia. Acho que sou as coisas que podem mudar de repente. A tua chegada veio como uma bofetada à direita. Assim, Catarina, ou de outra maneira, mas assim. Escrevo bilhetes noturnos. A cada palavra me esvazio e esvaio-me. De dia durmo. Você acorda. Que alívio não estar no escritório com gritos, máquinas, ordens. Que alívio, às vezes, viver neste bestiário. Embora não tenha amigos que me chamam ao telefone. Catarina, você é minha única invenção. O resto é atrevimento. Quando retorno sem nunca ter saído é para ti irremediavelmente a esperança de que seja verdade. Faço o possível para não te esquecer. Tenho medo que minha memória te apague. Sinto a minha memória sendo roída. Entro em uma passagem secreta. Arrepiam-se os pelos pensar que posso te ler.