“PARTE DO NAVIO, PARTE DA TRIPULAÇÃO...”

Que a verdade que tu defendes não se torne o seu próprio cárcere e túmulo!

*Por Antônio F. Bispo

Quanto mais tempo alguém passa mergulhado em algo, mais o cheiro e a essência daquele algo ficará impregnado na pessoa sem que ela perceba, até o ponto desta se tornar (inconscientemente) parte da própria coisa que defende, frequenta ou está inserida.

Nesse ponto o indivíduo subvertido chegar a dizer: “não há vida fora daqui (deste círculo, ambiente, ideologia...)” e toda a realidade que o cerca terá de passar pelo prisma de sua ótica degenerada. Em sua própria concepção ele estará sempre certo e o resto do mundo errado, mesmo quando as evidencias e crenças mostram o contrário.

Como uma “verme braba”, essa simbiose de utopia e falsas narrativas irão consumir a paz e a vida do hospedeiro sem que este perceba tornando-o iracundo ou abobalhado em suas citações, dependendo à quem se dirige.

“Parte do navio, parte da tripulação” ...

Essa fala em uma das cenas do filme Piratas do Caribe é sem dúvida a melhor conotação que já encontrei para descrever o que alguém pode se tornar após defender cegamente por anos à fio, algo cuja paixão se tornou maior que a razão e a própria existência do mesmo.

Na cena citada, o filho do marinheiro escravizado, após tentar resgatar sem sucesso o próprio pai, tenta então escapar do navio de almas penadas deixando para trás o seu velho. Seu genitor por sua vez tenta impedi-lo, insistindo que ele também fique, citando a frase acima. Ele, assim como os outros tripulantes estavam lá há tanto tempo que seus corpos estavam se fundindo com a madeira, o casco e outros objetos pertencentes ao navio, como se todos fossem uma peça única, indissolúvel e portanto deveriam permanecer juntos e afundar juntos se necessário.

Assim enxergo a situação de muitos ao se fundirem às suas “certezas incontestáveis”.

Chega a um ponto em que fica impossível dissociar a pessoa do seu grupo ou do local que frequenta sem retroceder de suas “verdades” mesmo depois de muito apanhar e sofrer no local em que está.

Pior ainda é quando o tal se habitua a ver o sofrimento alheio causado pelo meio ou suas “verdades” como parte natural de um processo divino (político, esportivo, sectário).

Quem chegou nesse ponto do abismo do caráter humano reduz a humanidade ao seguinte estado de polarização: aos que fazem parte do seu time ou dos seus ideais, eles retribuem com aclamação pública e ocultação de erros, ainda que estes sejam crimes hediondos. Quanto aos “do contra” eles preparam todo o tipo de exposição pejorativa, desnecessária e duvidosa. Sentar-se à mesa para “comer a carne do inimigo” é o que mais se faz nesses círculos de verdades enlatadas. Um estado depreciativo de moralidade cujo conceito de verdade e justiça dependem apenas de quem narra os fatos e não de quem vive a vida ou faz as coisas acontecerem.

A política e a religião tem sido ao longo dos séculos as duas fontes principais na fabricação de gente alienada, que esquecendo-se do sentido principal das palavras ou dos intuitos por trás destas, passaram a idolatrar seus representantes (ou a sigla em si), esquecendo-se do proposito pelo qual o grupo fora criado.

Um partido cuja sigla seja o trabalho e honestidade por exemplo, poderá ter como representante principal uma pessoa desocupada e corrupta, sem gerar desconforto algum aos membros do agrupamento, pois nesse ponto, ovacionar a popularidade do líder e o orgulho que este traz aos liderados (apenas pelas narrativas), valerá mais que viver os ideais previamente propagados pela legenda.

Uma religião que prega a não violência, a reciprocidade, o respeito e a compaixão (a exemplo do cristianismo primitivo), poderá ter (terá, tem tido, etc.) membros e representantes que usará da ganancia, do abuso do poder, da intolerância, da invasão de privacidade, da manipulação e da violência física e verbal para propagarem justamente essa mesma religião que é contra tudo isso.

Dá pra entender? Isso acontece sem resistência, pois ao invés de se aprofundar e viver um ideal, os membros (e líderes) preferem criar ritos devocionais inúteis aos deuses, tentando corromper aquele que dizem ser incorruptível, achando que receberá destes um tratamento diferenciado (de luxo) no aqui e no além.

No conceito cristão original, o homem só se conectaria com deus se conseguisse conviver de forma honrosa, respeitosa e reciproca com os seus semelhantes. No conceito cristão comercial (mundialmente conhecido e propagado), a veneração (louvor e ritos abobalhados) é o que une o homem ao seu criador.

Sendo assim, pode-se matar, roubar, estuprar, extorquir, manipular, explorar e trazer danos irreversíveis a psique ou ao corpo dos indivíduos (ou à toda sociedade) e nem por isso deus (jesus) deixará de ter amar e te abençoar se você frequentar uma igreja qualquer, cantar um hino tosco ao seu nome ou citar algum versículo bíblico que afirme ele é santo e o maioral entre todos os deuses.

Pronto! Tendo dito e feito isto, ele (deus) fecha os olhos à tudo de maligno que fizestes aos teus semelhantes, te abençoarás aqui na terra e na morte tu terás um lugar especial ao lado dele (gente hipócrita do caralho!).

O Louvor é tudo na concepção (vagabunda) do cristianismo moderno! Se todos os males acima citado fores feito com o intuito de construir uma igreja, um altar, montar um culto, um show gospel ou um canal de TV para “louvar ao nome do senhor e falar do seus santo nome...! Meu irmão!!!!! Se fizeres isso, tu serás aclamado santo ainda em vida! Seu suor, suas roupas, sua saliva e até os excrementos que saem do seu corpo serão disputados por um montão de gente abobalhada que julgam estar cumprindo um mandamento divino. Mui rico e poderosos serás se assim o fizeres em qualquer lugar ou nação “cujo deus é o senhor”!

Matar não pode! Porém, se matares para silenciar os “inimigos de deus”, para que o louvor ao seu nome não seja interferido, isso pode sim! Qualquer outro ato malignamente hediondo que você pensar (ou fizer) poderá ser tolerável ou visto como necessário se tu disseres que o intuito era para louvar a deus, defender a integridade de sua memória.

Louvor e torpor são duas palavras que caracterizam o estilo de vida de um religioso comum. Eles louvam para se entorpecer (criar sensações alucinógenas) e se entorpecem para louvar (mergulhar mentalmente em uma fantasia em que são protagonistas e heróis da própria narrativa).

Quando não estão entorpecidos pela mentira, falsidade, utopia, ignorância e apatia, estão mergulhados em suas próprias verdades macabras. Estas por sua vez lhe servirão de âncora, travando o seu próprio estado evolutivo num terreno pantanoso e imundo, que em suas narrativas folclóricas, dirão à todos que estão desfrutando das águas límpidas do Caribe.

Pior que uma “pessoa comum” cheia de dúvidas é um tolo cheio de razão que se acha sábio...

Quanto a idolatria na política, podemos ser “salvos pelo gongo” de 4 em quatro anos (ou mais). Nas religiões elas podem durar séculos ou milênios, e quanto mais velha esta for, mais credibilidade esta passará aos fiéis, não pelos serviços úteis prestados, mas por estar enraizada na cultura de um povo.

Nas democracias ocidentais, por meio das urnas podemos nos “desfazer” de um político, de sua sigla ou de um ajuntamento de babacas em um curtos períodos de tempo (ainda que sua estadia pareça ser eterna). As sequelas ficarão de fato, mas dá pra reverter na maioria dos casos.

Quando necessário, o poder de um governo poderá ser dissolvido (impeachment) a qualquer instante ou alcançar no máximo até duas décadas de existência até substituído por outro. Nesses casos, os alienados do grupo viverão picos de adrenalina, hora “por cima da carne seca” e em outros instantes rastejando na lama, sendo humilhados por seus algozes, que em grande maioria são igualmente idolatras, movidos por paixões funestas e desejos egocêntricos, nunca pelo intuito de construir as bases para o alvorecer de uma sociedade mais justa para todos.

De forma inconsciente e não constitucional, criou-se em nosso povo a ideia de que o grupo que “venceu nas urnas” terá o direito de perseguir, humilhar e explorar o grupo que “fora vencido”.

Tem sido até tolerável as citações que muitos gestores fazem quando procurados por aliados do seu opositor no que diz respeito às “sentenças condenatórias pelo voto errado”. Alguns tem a cara de pau dizer abertamente: “Você não votou em mim. Vou favorecer primeiro (ou somente) à quem ajudou a me eleger!”

Falas como essas são usadas não apenas na petição necessária de um emprego público, mas também quando tiranos (imbecis) negam o mínimo (saneamento básico, segurança, saúde, educação) a uma população ou bairro inteiro por ter tido poucos votos naquele setor, beneficiando apenas (ou em maior parte) seu próprio curral eleitoral.

Nesses casos, o idolatra “vencedor” e o conformado “perdedor”, ambos foram dominados pelo mesmo sentimento, o de bolha, o de seita e o de castigo-recompensa semelhante aos de uma igreja qualquer, sem levar em conta que um gestor público deve administrar para todos e que depois das eleições não há ganhadores ou perdedores, nem tão pouco eleitores: todos devem ser tratados como munícipes, cidadãos, residentes e contribuintes, vivendo sob um mesmo estado e constituição. Desse modo todos deverão ter seus direitos resguardados, bem como deverão cumprir suas obrigações civis.

Direitos e deveres devem sempre andar juntos independentes de quem esteja no grupo “perdedor” ou “vencedor”. Quando um ou outro está em demasia, a desigualdade, a opressão ou anarquia serão dadas como resposta à curto ou longo prazo.

Uma sociedade de idolatras será sempre uma sociedade destinada ao fracasso, independente de quem esteja no poder. A idolatria cega os homens, fazendo com que estes vejam defeitos (no outro) que não existem (ou onde há qualidades) e que ocultem os erros do seu próprio objeto de culto.

“Trinta segundos de prazer e uma vida inteira de agonia...”

Essa foi a descrição que um portador de AIDS fez de si mesmo em uma palestra em minha escola quando eu ainda adolescente. Naquela época a doença estava recém descoberta e os recursos para a cura ainda eram improváveis. O moço devia ter uns 25 anos de idade, mas parecia alguém de 70, destruído pela enfermidade, porém usando os seus últimos dias de vida palestrando gratuitamente, no intuito de alertar a outros jovens que não fizessem a besteira que ele fez, quando em uma rodinha de “amigos” que o obrigaram a provar publicamente sua masculinidade, trouxeram (conscientemente) uma moça contaminada para servir de expiação. Ele o fez, e o seu ato de estupidez lhe custou a própria vida.

De modo semelhante vejo os que se apegam às coisas, pessoas, ideologias e partidos como se estes fossem seu porto seguro de uma vida toda, e não como parte de um processo evolutivo ou como trampolim para um estado melhor de ser. Não quero dizer que certas coisas devam ser descartadas, muito menos as pessoas, mas sim suas ideias ou tudo aquilo que poderá nos custar caro no futuro.

Os que tentam construir os fundamentos de suas existências ou achar que toda sociedade deve se dobrar à suas paixões doentias, a uma sigla, doutrina ou de um mito qualquer, poderão ter seus meros 30 segundos de triunfos (depois da contagem dos votos ou após aceitarem jesus em uma igreja qualquer) e ter uma vida inteira de tormento defendendo a podridão e o antagonismo do grupo ou pessoa que idolatraram. Não acho que isso valha tanto a pena

O mundo, a vida e as verdades que construímos (absolvemos) podem ser bem maiores que a percepção de um idolatra possam retratar.

REVEJAM SEUS CONCEITOS. Saúde e Sanidade à Todos

Texto escrito em 6/2/22.

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

*Contatos, sugestões, elogios ou outras solicitações podem ser feitas pelo e-mail: revejaseusconceitos@outlook.com

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 06/02/2022
Código do texto: T7446117
Classificação de conteúdo: seguro