SOMOS ORIGINAIS?
- Respondendo às questões de Jonas Cassete:
a) É possível formarmos ideias e conceitos sem os segundos e terceiros?
b) Existe a autenticidade plena?
c) Quando nos servimos das ideias dos outros, ela permanece intacta ou moldamos o significado?
Se a “Originalidade” tem a mesma acepção que estritamente o termo “Criação” tem, este no sentido de fazer surgir algo do vazio, como característica essencial atribuída a Deus judaico-cristão, e aquele, desse modo, como invenção sem precedente (no sentido mesmo de ser uma produção puramente exclusiva, sem conter elementos familiares a qualquer outro que exista), estaremos diante de uma INVERDADE descomunal. Porque, mais uma vez, estaremos diante, verdadeiramente, de um objecto extra-humano, e quiçá extraterrestre. O fundamento disso é simples: ambos os termos (originalidade e criação) só podem ser usados no sentido mais amplo, humanamente falando; pois todas as nossas criações são reflexo do que os nossos órgãos sensoriais captam e apreendem do mundo empírico, mesmo as nossas ideias mais distanciadas da realidade visível e tangível, encontram sempre, de alguma forma, respaldo no mundo sensível.
A leitura, amplamente falando, é a decodificação da complexidade dos símbolos. Complexidade no sentido de algo conter vários elementos, susceptíveis de interpretação; símbolo abrangendo todas as linguagens, naturais ou projectadas, e tudo que possui algum padrão de linguagem. Mas vamos aqui resumir a leitura em dois grupos: Leitura da natureza e leitura dos livros. A primeira se processa pelo contacto directo com o meio circundante, e muito dessa leitura já se fez nos primórdios da história; a segunda é mais presente nos dias actuais. A leitura da natureza, por exemplo, Newton fez quando formulou a lei da gravidade. A leitura dos livros, eu fiz (e faço), por exemplo, a fim de alicerçar meu comentário-argumento aqui. Formar ideias e conceitos parte sempre, ou de um segundo, ou de um terceiro. O segundo é a natureza; o terceiro são os livros. Pois os livros são registros que um leitor faz directamente da natureza (só os livros dessa natureza). Não há quem crie ideia a partir de nenhuma fonte, mesmo que a ideia se origine do seu mundo de ideias (como diria Platão), você estaria a colectar essa ideia da natureza, pois enquanto “ente”, você faz parte dela. Logo, não existe autenticidade plena, no sentido em que colocamos em análise os termos “originalidade” e “criação”.
Servindo-nos dos pensamentos dos outros, eles podem tanto permanecer intactos, quanto moldados.Permanecem intactos quando apenas corroboramos com o autor. Moldamos quando ampliamos seu sentido. A título de exemplo, o conceito de paródia, inicialmente, ou seja, antes do século XX, concebia-se como imitação ridicularizadora, mas, segundo Linda Hutcheon (1989, p, 17), não apenas se restringe a um sentido risível, pois abrange a inversão irónica tendencialmente satírica da repetição (com distância crítica). Como vemos, quando se observava este fenómeno nos textos, olhavam-no com a primeira acepção; mas na visão de um posterior observador, a acepção foi alargada.
Em modo de conclusão, a originalidade é tipo a perfeição: é IDEAL. Ninguém a(s) alcança puramente.