“O DEFEITO ESTÁ NAS VISTAS MEU COMPRADE, O DEFEITO ESTÁ NAS VISTAS...”
*Por Antônio F. Bispo
Não sei se em outros cantos do nosso país essa expressão é muito citada, porém aqui no Nordeste do Brasil era muita usada no fechamento de negócios entre duas ou mais pessoas.
Comumente dita por feirantes e negociantes diversos que ao serem indagados por clientes se a mercadoria era de boa qualidade, respondiam de forma firme, simples e com o linguajar da roça: “o defeito tá nas vistas meu cumpadi, o defeito está nas vistas”!
A princípio, essa fala era uma resposta afirmativa, uma garantia que selava um acordo de confiança. Era quase uma ofensa perguntar de forma direta a um “caba da peste” se o que ele vendia não tinha “maracutáia” (defeito ou procedência duvidosa). Então perguntava-se: “isso é bom, não é?” E a garantia era dada nas palavras acima citada.
Nossos pais e avós diziam sempre: “a palavra de um homem deve ser como um tiro certeiro, sem desvios e sem arrudeios. Um homem que não honra o que fala é um homem que desrespeita a si mesmo e a própria família. Não merece nem as calças que veste...”
...Coisa boa é quando alguém não precisa de uma ação judicial, uma arma apontada na cara ou outro tipo de intimidação para reparar um dano causado ou respeitar os limites alheios...
Com o tempo o termo “o defeito está nas vistas” passou a ter um sentido ambíguo, podendo significar que o produto era bom ou que tinha sim algum defeito, tão minúsculo que o cliente nem sequer seria capaz de nota-lo. Em outras palavras, o defeito apresentado não comprometeria a função principal do produto.
Porém...malandro é malandro e a malandragem nas relações adoece qualquer sociedade, tirando a paz de uns e trazendo prejuízos irreparáveis a outros.
Desse modo, com o passar dos anos, a depender de quem usasse tal expressão, era preciso ir além das palavras, fazendo uma rápida leitura gestual e no tom de sua voz para evitar algum tipo de golpe. Era possível identificar uma fraude mesmo quando alguém queria parecer honesto atentando a esses detalhes.
Nesses caso, o malandro que fosse pego enganando alguém valendo-se dessa “expressão sagrada” tentava se justificar dizendo: “eu tentei lhe dizer que havia defeito, mas tu tava com tanta “sucura” (desejo profundo e irracional de obter algo) que não prestou atenção no que eu disse. Desse modo não me culpe pelo seu erro. Não aceito devolução!”
Era como se o comprador assumisse uma meia culpa por ter sido tão ingênuo, por ter atentado apenas às aparências, ao linguajar do vendedor e não ao produto em si.
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Costumo dizer que se o diabo existe, ele mora nas palavras e intenções de uma pessoa caloteira, mal intencionada, oportunista, que distorce os fatos e põe em polvorosa todos os ao redor para satisfazer seus desejos egoístas, de maioria infames.
Diversos problemas sociais e coletivos poderiam ser evitados se o loroteiro fosse “homem” ou “mulher” o bastante para assumir as consequências de seus atos e palavras.
Caso esses também tivessem coragem de trabalhar duro na vida como qualquer um outro para conseguir seus desejos, certos males sociais não existiriam já que a existência de um está atrelado a do outro.
Eles querem ter o que você tem ou ser o que você é sem fazer o mínimo esforço possível. Pra isso (em certo casos e sem perceber), acabam fazendo um esforço bem maior mais complexo caso estivessem trabalhando de verdade. Mas o prazer de causar a dor e o sofrimento alheio, de nutrirem a falsa ideia de que levaram vantagem sobre alguém, é o combustível que alimenta seus egos fracos.
O diabo mora mais perto do que se pode imaginar e há diversos meios de evita-lo, mas o problema é que muitos de nós fomos ensinados desde a infância a procurá-lo ou enxergá-lo nos lugares errado.
Por causa disso, ele deita e rola bem debaixo do seu nariz e você nunca o perceberá.
Alguns dos seus principais servos usam nome de pompa e são venerados pelo público. Outros usam vestes de santidade.
Outros ainda são mais sagazes e nem sequer os notamos, pois trata-se dos nossos sentidos distorcido, nossa inercia, nosso conformismos e o nosso prazer em ver “um burro se ferrar” enquanto assistimos, como se a desgraça alheia viessem respingar em nós ou em nossos filhos no futuro. A distopia é um mal que fomos ensinados a consumir e aceitar, um tropeço a todo desenvolvimento pessoal e coletivo, pois quem a possuiu nunca o saberá.
O defeito estará sempre nas vistas e não seremos capazes de enxerga-lo.
A religião de certa forma tem nos ensinado a ver trapaça, a opressão e desvio de conduta onde nem de longe poderia existir, enquanto faz passar a boiada (nossos pertences, tempo e vida útil) por debaixo da cerca direto para os currais daqueles que dizem ser os vigias e guardiões da moralidade humana (a igreja e seus líderes).
Como grandes ilusionistas, eles chamam a atenção do povo para aquilo que nada importam, enquanto tomam para si parte do que as pessoas produzem usando palavras doces, prometendo sempre uma recompensa para o mais fiel (subserviente, incapaz de reagir).
Eles invadem nossas casas usando sapatinhos de algodão e mesmo quando estamos dormindo, por meio de suas palavras nossos sonhos serão invadidos por demônios e fantasias fabricadas justamente para que a submissão social aos seus comandos fossem garantida pelo medo irracional. Pois mais fiel que alguém possa ser terá sempre deus e o diabo vigiando-o 24 horas por dia para condená-lo assim que errar. Um crédulo realmente fiel jamais terá um minuto de paz em toda sua vida se seguir ao pé da letra tais conceitos.
Não se combate esse tipo de opressão orando ou “entregando tudo nas mãos de deus”. É agindo, falando, criticando, sendo à princípio ridicularizado para depois ser compreendido (ou morto, quem sabe).
Não importa se você seja um crente ou não, se faça ou não parte de uma igreja ou se tem ou não um curso de formação teológica. Se você souber o resultado da soma de 2+2 e tiver um pouquinho de honestidade e vergonha na cara, poderá assumir sem pestanejar que HÁ UM DEFEITO NAS VISTAS de quem que foi iludido a buscar a solução dos seus problemas na “casa de deus”, nos “ungidos do senhor”, ou na “palavra de deus”. Na maioria dos casos é justamente nesse tipo de lugar que nasce boa parte das perturbações individuais e coletiva, não suas respectivas soluções...
Ao “se encher de deus” ou “se tornar parte de sua casa” mesmo sem assumir ou perceber, um crente se torna alguém com sérios problemas de vistas. Ao ter sua visão embaçada, sua audição, paladar e tato também serão comprometidos. Seu cérebro terá mau funcionamento, sua lógica será quase nula, bem como a capacidade de pensar e raciocinar por conta própria. Este ser pode ser tornar um deficiente físico e mental, atrofiado, reduzindo a complexidade de seu corpo e cérebro a observação de simples comando dados pelos seus líderes a exemplo de crer, obedecer, adorar, não questionar, perseguir os “infiéis” e acima de tudo doar eternamente parte ou todo faturamentos e rendas para a igreja.
Nesse ponto a frase mais comum que eles usam é: “oh senhor jesus me libertou”!
A vontade é de dizer: “e o teu líder religioso te emburreceu...”
Melhor ficar apenas no pensamento.
A liberdade de expressão religiosa em nosso país ainda permite esse tipo de exploração e em certos casos até as incentiva.
Falta um pouco mais de detalhe descritivo quanto a esse artigo na constituição, ou pelo menos o bom senso de fazer valer outros do código civil e penal, a exemplo de se constituir crime coagir outros a fazer algo contra sua própria vontade e recursos ou sob ameaça física ou psicológica.
Apontar uma arma na cabeça de alguém (por exemplo) e exigir desta seus pertences ou sexo, em nossa lei é considerado um crime e deve ser severamente punido. Em alguns casos, o infrator é lixado pela população, sem que a polícia tenha tido tempo de averiguar a denúncia.
Porém, subtrair os pertences de alguém usando uma bíblia é considerado um ato de fé, tanto para quem roubou quanto para quem foi roubado, mesmo a pessoa tendo sido coagida ou iludida a isso. Nesse quesito, a lei de defesa dos direitos do consumidor obriga ao fornecedor entregar um produto ou serviço conforme anunciado sob pensa de multa ou fechamento do comércio. Quando a igreja faz o mesmo, ganha é incentivo fiscal do próprio estado!
Usar a bíblia para conseguir serviços forçados (a exemplo de sexo) ou gratuitos (análogos a escravidão) também não é visto como crime (pelo menos ao que parece). De tão normal que é, os milhares de casos que diariamente ocorrem em nosso pais, são televisionados e expostos e ninguém se incomoda com isso, ou pelo menos finge não ligar.
Não há diferença alguma entre apontar uma arma na cabeça de alguém e dizer: “se não me der dinheiro eu te mato” e apontar uma bíblia e dizer “senão me der dinheiro deus te mata”! em ambos os casos ouve coação psicológica mas no modo cristão de entender, somente o primeiro será punido.
O DEFEITO ESTÁ NAS VISTAS...
Como resultado de um embuste, o sujeito que hoje perde seus bens para um pastor, amanhã será o mesmo que irá disputar vagas de empregos contigo no mercado de trabalho, ameaçando sua própria posição (confortável). Ele poderá ser um futuro mendigo (morador de rua) que vai mijar e fazer cocô nos mais diversos pontos de seu bairro, vivendo de modo insalubre, colocando em risco a própria saúde e a de que deles se aproximam, existindo de modo indigno e desumano, às margem da sociedade, tornando-se invisível aos olhos de quase todos, principalmente aos de seus “irmãos em cristo”. Quem perde tudo o que tem em um jogo de azar pelo menos sabia onde estava pisando, diferente de quem vai uma igreja...
A pessoa que hoje doa o que tem a um líder religioso na promessa de uma falsa cura, será a mesma que disputará contigo (ou sua mãe, pai, filho) uma vaga numa UTI do SUS, e se ela tinha recursos os bastante para apostar numa cura de uma igreja, tenha certeza que ela terá uma grande chance de passar na sua frente e ocupar sua vaga na fila de um hospital.
Como os recursos para um convênio particular fora gastos com um salafrário vestido de terno, a medicina (publica) lhe será o último recurso e tu, “criatura inteligente” que antes ria do “crente bobo”, vai perder a única vaga disponível para ele. Mesmo um crédulo dizendo durante toda vida que é deus quem cura, na hora do aperto todos deixam suas fantasias de lado e correm para o que realmente funciona.
Enquanto os lúcidos ficam em silencio assistindo tudo e até se alegram pela “punição” que um iludido recebera ao cair numa “arapuca da fé”, os vigaristas se fortalecem com os bens, os temores e os votos destes (e dos silenciosos coniventes) à ponto de interferirem no destino político de um de um país tão grande e poderoso quanto o nosso.
O texto, a música, o teatro, a dança e o humor sempre foram as principais armas usadas em tempos como esses, quando os poderosos (cumplices ou cegos) silenciavam outros tipos de movimento.
CONTINUA....
Texto escrito em 23/1/22 por Antônio F. Bispo.