ensaio
ESTRUTURAS PARALELAS
O paralelismo é o nome que se dá a uma construção sintática em que se coordenam segmentos de mesma estrutura ou de estrutura semelhante. Em outras palavras, o princípio do paralelismo é o de que só se podem coordenar segmentos homólogos. Por exemplo: abaixo (frase 1), não se respeitou o paralelismo porque se coordenou um adjetivo (viajado) e uma oração (que tem muita experiência). Para que haja paralelismo, ou se coordenam as duas orações de estrutura semelhante (frase 2) ou se coordenam dois adjetivos (frase 3). Uma terceira correção consistiria em eliminar a coordenação interoracional e, portanto, em manter apenas a coordenação entre adjetivos (frase 3). Vamos às frases: 1. É um homem muito viajado e que tem experiência. 2. É um homem que viajou muito e que tem experiência. 3. É um homem muito viajado e experiente.
Na minha gramática e em artigos publicados tenho afirmado que o paralelismo não é obrigatório e que, portanto, pode ser ignorado por quem escreve. Foi lendo o artigo “A segunda morte de Mário de Andrade”, de Lira Neto, publicado no caderno 6 (“Ilustrada”), do jornal Folha de São Paulo, de domingo, 30 de abril de 2017, que resolvi rever meu ponto de vista, ao deparar com um período que prova que a ausência de paralelismo ou o falso paralelismo podem prejudicar a compreensão ou fazer claudicar a sintaxe. Eis o período em que o falso paralelismo torna a sintaxe truncada: “Para o homem que está no comando da biblioteca fundada em 1925 e que desde 1960 passou a se chamar Mário de Andrade, lugar de samba – e de sambista – é no boteco.”
As duas orações iniciadas pelo “que” são: “que está no comando da biblioteca fundada em 1925” e “que desde 1960 passou a se chamar Mário de Andrade”. São duas orações adjetivas, duas construções paralelas. Como só se coordenam elementos de mesma função, o texto diz que é o homem que está no comando da biblioteca que passou a se chamar Mário de Andrade. Na verdade, o que o autor do texto pretendeu dizer é que é a biblioteca que passou a se chamar Mário de Andrade e não o homem que está no seu comando (ele coordenou indevidamente um adjetivo – “fundada” – com uma oração adjetiva – “que desde 1960 passou a se chamar Mário de Andrade”). O equívoco pode ser eliminado com a eliminação da coordenação, isto é, com a eliminação do falso paralelismo: “Para o homem que está no comando da biblioteca fundada em 1925, que desde 1960 passou a se chamar Mário de Andrade, lugar de samba – e de sambista – é no boteco.” Se o autor quisesse manter o verdadeiro paralelismo, o período seria o seguinte: “Para o homem que está no comando da biblioteca, que foi fundada em 1925 e que desde 1960 passou a se chamar Mário de Andrade, lugar de samba – e de sambista – é no boteco.”
A ausência de paralelismo levou Carlos Heitor Cony, na crônica “Esquina errada”, 1º §, linhas iniciais, publicada na Folha de São Paulo de 1º de novembro de 2015, A2, p. 2, a usar dois sujeitos lexicalmente distintos representando um único sujeito semântico: “Acontece com qualquer um: de repente, dobra-se uma esquina errada e nunca chegamos ao destino desejado.” Se utilizasse nas duas orações coordenadas o pronome SE, sem subjetivismo, embora sintaticamente distintos, a frase seria assim: “Acontece com qualquer um: de repente dobra-se uma esquina errada e nunca se chega ao destino desejado” ou: “Acontece com qualquer um: de repente dobramos uma esquina errada e nunca chegamos ao destino desejado.”
A ausência de paralelismo também pode tornar a frase ambígua: “A moça, num rompante, abraça a cega que soluça e a beija.” Como os elementos coordenados são “abraça e beija” e não “soluça e beija”, porque não há a repetição do pronome relativo para estabelecer o paralelismo das subordinadas, a ideia que a frase sugere é que a moça abraça e beija a cega. Mas, pelo contexto do qual se extraiu a frase, é a cega que beija a moça. A correção seria a seguinte: “A moça, num rompante, abraça a cega que soluça e que a beija.” As duas orações subordinadas estão coordenadas entre si, num perfeito paralelismo.
Como se vê, ainda que, às vezes, se possa evitar o paralelismo, mantê-lo é sempre bom para a sintaxe e para a compreensão do texto.