A elipse
A ELIPSE
Tradicionalmente, a elipse se definia como a omissão de um termo depreensível do contexto ou da situação. Por extensão, nomes como tangerina ou pêssego ilustariam a elipse das palavras fruta (de Tânger) ou fruto (da Pérsia), respectivamente. Pela definição tradicional, haveria elipse situacional na resposta “Escrevi”, que um cronista desse à pergunta “O que você fez hoje?” Haveria aí a elipse do objeto direto “crônicas”. Também haveria elipse do sujeito em frases como “Andamos” ou “Corri”. A definição tradicional da elipse levou o estudioso de língua ao exagero de ver subentendimentos em quase tudo. Assim, alguns gramáticos, contrariando os dicionários, acham que xerox é substantivo feminino, sob a alegação de que se subentende a palavra cópia. A pretensa elipse de cópia não resiste a uma análise mais profunda. Pelo mesmo raciocínio, pirex teria dois gêneros: um na “elipse” de prato (um pirex) e outro na “elipse” de travessa (uma pirex). Na verdade, em cópia xerox, xerox é aposto especificativo, e não adjetivo, isto é, xerox é sempre masculino, ainda que, pretensamente, se subentenda a palavra cópia.
Atualmente, graças aos estudos de análise do discurso e à obra pioneira de M. A. K. Halliday e Ruqaiya Hasan, Cohesion in English (London: Longman, 1976), a elipse é entendida como a omissão de algo já anteriormente expresso, num enunciado. Em outras palavras, só ocorre a elipse quando algum item precedente, estruturalmente necessário, deixou de ser dito. isso significa que não existe elipse na supressão de termos oracionais ou relacionais que não possam ser anaforicamente recuperados. Se não há a pressuposição de um item precedente, não há elipse: “Pediram a Simon que tocasse Chopin. Quando ele começou a tocar, era Liszt.” (Exemplo da p. 204 do livro Cohesion in English). Assim, não devem ser considerados casos de elipse:
a) A omissão de preposição ou de conjunção: “Tenho a certeza que ele vem” (= de que ele vem). “Acudiram três cavaleiros / Todos três chapéu na mão” (= com o chapéu na mão). “Ele pede a V. Exa. se digne recebê-lo” (= que se digne recebê-lo).
b) A omissão de verbos em frases nominais de natureza proverbial: “Cada cabeça, uma sentença.” “Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.” “Casa de ferreiro, espeto de amieiro.” “Dia de muito, véspera de pouco.” “Cada macaco no seu galho.” Etc.
c) A omissão de verbos dicendi em diálogos escritos: “Perguntei-lhe se queria ir comigo ao cinema. E ela me olhou com um sorriso maroto: -- Você promete que vai ver o filme?” (A omissão de “disse”, “replicou” ou outro semelhante não é caso de elipse.)
d) A omissão do sujeito pronominal: “Sairemos hoje.” “Estou cansado.” etc.
Há três tipos de elipse: a nominal, a verbal e a clausal (ou frasal).
A elipse nominal ocorre quando um nome comum, substantivo, deixa de ser dito e um dos modificadores assume a posição de núcleo no sintagma nominal: “Indiquei duas camisas pretas, mas ele escolheu uma branca.” (A elipse da palavra camisa elevou o adjetivo branca à função de núcleo do sintagma nominal.) “Aquelas duas senhoras são viúvas. A de blusa verde é minha tia.” (= A senhora de blusa verde.) Por este último exemplo, vê-se que o a, na segunda oração, na elipse, não é demonstrativo, mas artigo, já que o adjunto de blusa verde passou a exercer a função de núcleo, típica do substantivo.
A informação a respeito da omissão de um termo, na elipse, é dada pelo grupo ou sintagma nominal precedente, no texto. Em outras palavras, a elipse nominal é sempre anafórica. A elipse nominal pode ocorrer situacionalmente, isto é, exoforicamente, nos casos em que o elemento omitido está no campo visual dos interlocutores: a mulher, ao gritar para o leiteiro: “Dois, por favor!” (Exemplo da p. 144 de Cohesion in English).
Na elipse nominal, um modificador exclui ou elimina outro da mesma função ou categoria: “Os três primeiros botões de rosa caíram. Teremos de esperar os próximos.” O termo “os próximos” exclui “três”, porque ambos aí são numerativos. Em “Perdi um lápis. Você me empresta o seu?”, “o seu” exclui “o meu”, porque um dêitico, na elipse, elimina outro. (Exemplos adaptados da p. 151 do livro de Halliday e Hasan.)
Na elipse verbal, a seleção é global, não envolve a palavra isoladamente, como ocorre na elipse nominal: “Você pôde continuar a fazer o trabalho? – Pude.”
Qualquer grupo verbal que não contenha um verbo lexical é elíptico. O verbo lexical é o que contém a ideia central, diferentemente dos auxiliares e dos modais. Quando se omite o verbo principal, tem-se a elipse verbal lexical: “Uso roupas velhas, e ele só roupas novas.” (Elipse do verbo lexical usa.) A frase acima poderia apresentar uma elipse nominal, além da verbal: “Uso roupas velhas; e ele, só novas.”
A elipse verbal se diz operadora quando se omite um verbo auxiliar ou modal: “Eu posso trabalhar; e ele, estudar.” (Os operadores modais mais comuns são: poder, dever e precisar.)
Na elipse clausal, há omissão de verbos e de sintagmas nominais:
“__ Em quantas horas por dia vocês fizeram as lições – perguntou Alice, na pressa de mudar de assunto.
__ Em dez no primeiro dia – disse a Falsa Tartaruga – em nove no outro, e assim por diante.” (Exemplo da p. 144 de Cohesion in English.)
“Em nove no outro” pressupõe “em nove horas no outro dia”. A resposta da Falsa Tartaruga omite “Nós fizemos as lições”.
Há dois tipos de elipse clausal: a modal e a proposicional. Na elipse clausal modal, elimina-se primeiro o elemento modal (o sujeito e o verbo auxiliar):
“__ O que estava o Duque fazendo naquele lugar do parque?
“__ Plantando uma fileira de álamos.” (Exemplo da p. 197 de Cohesion in English.)
Entenda-se: o Duque estava plantando uma fileira de álamos naquele lugar do parque.
A elipse clausal modal típica é a que se observa nas respostas lacônicas às perguntas nucleares: que, quem, quando, onde, como, por que..., em que se omite o verbo operador:
“__ O que eles estão fazendo?
__ Greve.”
Na elipse clausal proposicional, o verbo operador não é omitido: “Ninguém estava trabalhando naquele dia no escritório, mas eu estava.”
A elipse clausal afeta outros elementos da estrutura frasal, e não apenas o verbo.
Alguns gramáticos mencionam um tipo especial de elipse, a zeugma, em que um elemento omitido numa construção de duas ou mais partes se reporta ao conjunto inteiro. Em outras palavras, zeugma é a elipse de um termo que, estruturalmente, deveria estar em várias partes sucessivas de um enunciado: “’um estudou francês; outro, inglês; outro, espanhol; e o último, alemão.” A omissão do verbo estudar ocorre em todas as orações coordenadas, exceto, obviamente, na primeira. A zeugma, portanto, é um tipo de elipse verbal múltipla.
Em esquema, temos:
Nominal
operadora
ELIPSE Verbal
lexical
modal
Clausal
proposicional