Domínio público x Ordem do Discurso

Em que domínio público, enquanto dispositivo comunicacional, como uma flecha disparada a um alvo específico, o discurso chega?

Checar essa tentativa, em si, parece fácil porque só depende da observação. Mas não é assim tão fácil. Checar se a flecha atingiu o alvo, mais que confirmar o acerto no alvo, checar significa ir até o disparador, seguir a trajetória da flecha e, imbuído dessas informações, ir ao alvo.

É tentar acompanhar a flecha no seu percurso, junto, como se fosse um agregado dela. E dessa maneira, tentar entender as relações de atrito com o ar, a velocidade com que a flecha percorre. E mais, em que posição se encontra o alvo?

Entenda-se as relações de atrito com o ar, os obstáculos, até invisíveis, mas que influem no modo como a flecha avança. Um percurso com ar mais denso, certamente exercerá maior atrito sobre a trajetória da flecha.

Antes, porém, de se atentar para o percurso da flecha, é preciso se debruçar sobre o disparador, o atirador, o lançador da flecha.

O disparador, logicamente, não é destituído de ação humana. Determinado isso, não se ignora que o disparador, humano que é, está, ainda que não se tenha dado conta, o disparador age movido por interesses, ideologias e intenções. Portanto, enquanto tal, o disparador é sujeito da ação. E sujeito que é, age segundo suas visões de mundo, portanto, alguém que, ainda que se queria neutro, nunca o será, posto que, se reivindicar sujeito já se constitui tomado de interesses e ideologias.

Não há ação neutra, como não há neutralidade na vida em sociedade ou mesmo isolada. Viver em sociedade é uma premissa para nossa condição e condução humanas. Não seríamos o que somos se vivêssemos apartados uns dos outros.

Mesmo aquele que vive "isolado", a escolha se deu por algo ou alguma coisa que lhe indicou essa possibilidade, ou seja, tomar a decisão que tomou, se possibilitou por uma vontade ou desejo, por interesse.

Assim, tentar entender as intenções do disparador da flecha, em si, e sem necessidade de muita dedicação analítica, já indica que o disparo não se deu maneira neutra, muito menos isolada. Optar por aquele disparo, mirar um determinado alvo, fez da fecha e do disparador, elementos sócios da mesma ação. Um, como sujeito, o outro, como instrumento da ação, como meio para que a ação se efetive e se apresente instituída de sentido. E nisso que se deve se debruçar: buscar o sentido, a intenção do disparador quando esticou a corda e mirou no alvo.

Todavia, de nada adianta se a análise ficar somente no entendimento das intenções do disparador. Nem, tampouco, se se dedicar a perscrutar o caminho da flecha. A flecha, em si, nada mais é senão um objeto que, a depender de quem e por quê a dispara, a flecha se reconfigura, se desloca da sua condição de simples objeto, para se transmutar numa nova ferramenta ou arma.

Para que a análise se desenvolva, um outro elemento surge. Ignorar, ou, amenizar a importância desse outro fator, mais que elucidar, contribuirá para que o entendimento se obscureça. Contribuirá para que o entendimento turve.

E assim, facilitará para que as sombras, como a caixa preta do mágico, esconda o que se quer ocultar.

Não considerar o próprio alvo como outro elemento da análise, será destituí-lo da relação disparador/flecha/alvo.

Sim, porque desconsiderar a importância do alvo, mais do que facilitar a emergência de opiniões baseadas em impressões, o que por si já contamina a análise, abre caminho para preconceitos.

Assim, a flecha, aqui como substitutivo do Discurso, o disparador, performando-se em sujeito, isto é, autor do Discurso e o alvo, aqui fazendo a vez de Destinatário do Discurso, são elementos performáticos. São elementos que se tomados separadamente, serão interpretados nas suas particularidades. Todavia, todos os elementos, sem nenhuma modéstia, cumprem funções próprias. Funções que, no transcurso do discurso, como se cada elemento, como um autômato, tivesse vida independente, porém, se se deslocadas das demais, não serão, senão palavras soltas.

Então, em que domínio público, enquanto dispositivo comunicacional, como uma flecha disparada a um alvo específico, o discurso chega?

Eis uma resposta difícil, pois, tal qual não se conhece o que significa domínio público, na medida em que domínio pode ser a disputa e a conquista do espaço comum. Mas, o que vem a ser esse Comum? Comum no sentido de pertencer a todos sem exceção? Comum, no sentido de ser ocupado por determinado grupo, comunidade?

Com se vê, responder o que significa domínio público, significa recorrer a mecanismos em que a disputa pelo espaço, ao contrário do que parece sugerir (algo sem controle ou aberto indistintamente a qualquer um que chega), a disputa se dá no campo do discurso. Noutras palavras: dominar o discurso, é ter domínio público; é ter poder.