grama
demônios#
Uma certa época morei em uma casa afastada. Um afastamento a partir de um ponto de vista. Um fora do centro. Nessa casa havia um enorme gramado. Por certo momento mantive a grama cortada. Com o tempo rendi os esforços. Deixei tudo crescer. Mato. Formiga. Roseta. Tinha apenas um vizinho. Um senhor solitário. Responsável por cortar a grama com pontualidade. Nunca era visitado. Caseiro da casa inabitada. Recebia o salário de um salariado mesmo sendo aposentado. A grama era linda. Bem aparada. Nos cumprimentávamos com acenos invisíveis. De caseiro para caseiro. Lembro do gramado. Um dia, entreditos, ele contou que perdeu a filha. Câncer de boca. 34 anos. Sua filhinha. Ele disse. Chorou calado. Dois anos de tratamento. Família destruída. Silêncio total. Filha única. Ficou a filha da filha. Outra filhinha. Começou de caixa no supermercado. Ele disse. Sonha fazer faculdade. Ele segue cortando a grama mesmo sem pisar em nada.