Malha Semântica - Mínimo Semântico Comum - Todo Incognoscível 46

1. O INFINITO É INACESSÍVEL

2. NOS COMUNICAMOS ATRAVÉS DE ALGO FINITO (OS SÍMBOLOS)

3. MÍNIMO SEMÂNTICO COMUM

4. SÍMBOLOS COMO REDES QUE CAPTURARAM UM ASPECTO DA INFINITUDE (DO TODO INCOGNOSCÍVEL)

5. SÍMBOLOS COMO NÓS EM REDES MAIORES

6. A LIGAÇÃO ENTRE SÍMBOLOS SE DÁ NA MEDIDA EM QUE SÃO USADOS

7. O FLUXO ENTRE OS SÍMBOLOS É COMO UM RIO, QUANTO MAIS USADOS, MAIS PROFUNDO É SEU LEITO

8. A LIGAÇÃO ENTRE SÍMBOLOS É MÚTUA

9. DISSONÂNCIA COGNITIVA (CRENÇA EM TEORIAS INCOMPATÍVEIS)

10. MALABARISMO INTELECTUAL: A COMPLICAÇÃO DE TEORIAS É SINAL DE QUE HÁ MUITOS REMENDOS ENTRE TEORIAS INCOMPATÍVEIS

INÍCIO

Quando começa uma vida, quando termina? Seria aquilo que experimentamos desde a concepção até a morte? Minha primeira lembrança foi aprendendo a descer um degrau de escada, antes destas lembranças quem eu era? Já era eu quando um espermatozoide encontrou um óvulo e o fecundou? Eu sou eu sem minhas inseguranças, que só foram construídas a partir da minha infância? Ou sem meus interesses, que só foram aperfeiçoados depois que me tornei adulto? E para além desta linha do tempo, o que sou para meu amigo que não vejo há anos? Ainda sou eu, com meu corpo frágil cujos joelhos já não sustentam meus dribles no futebol? Ou para aquela pessoa com quem tive uma conversa incrível enquanto estávamos bêbados em uma festa e nunca mais vi? Ou para as pessoas com quem confraternizei ontem? Quem sou eu para a amiga de uma mulher que se apaixonou por mim e que só me conhece através de palavras? O que serei eu para as pessoas que falarem de mim após a minha morte? Quem era eu para minha mãe quando conversou com minha família antes de me ter 1*? Este ensaio não é a respeito de mim, nem tampouco do conceito de ‘eu’ (tema que já desenvolvi em outros ensaios 2*). Qualquer coisa, inclusive uma pessoa, na medida em que se torna sujeito de comunicação (seja de si mesma, em sua própria narrativa, seja por parte de outras) é um conceito. Para fins deste ensaio ‘conceito’ é sinônimo de ‘símbolo’ ou mesmo de ‘teoria’ (o que vou justificar no fim do ensaio). Este ensaio admite a infinitude (que é impossível de ser contemplada) e apresenta a maneira com que atribuímos sentidos aos conceitos (a partir do qual pensamos e nos comunicamos).

O que é o conceito ‘mãe’? Podemos recorrer à definição insípida encontrada em um dicionário 3*, “um ser do sexo feminino que gera vida em seu útero”. Precisamos recorrer a outros conceitos para entender o conceito de mãe, a saber ‘ser do sexo feminino’, ‘gerar’, ‘vida’, ‘útero’. Cada um destes conceitos, para ser explicado (ou entendido), chama a outros conceitos. De maneira que formamos uma regressão ao infinito (cada conceito chamando mais conceitos para explicar o conceito em que estamos). Entretanto, não existem infinitos conceitos em um dicionário. Desta maneira os conceitos, para serem explicados, precisarão recorrer a conceitos que já foram explicados. 4*. Ou seja, vamos explicar conceitos em termos de outros conceitos que já estão no sistema 5*. Mas isto é ‘mãe’ para você, tudo o que você entende por ‘mãe’ está nesta definição?

Sou extremamente ligado à minha mãe, certamente ela é a pessoa mais próxima da minha vida, também sou muito ligado à minha avó. Toda semana as vejo, bem como vejo minha tia (mãe dos meus primos). Para mim, o amor de tê-las na minha vida está incluído no conceito de ‘mãe’. Tenho um amigo que já me chamou para socorrê-lo quando ele levou uma surra de sua mãe (ele já era adulto e certamente a surra que levou foi por não ter reagido), neste mesmo dia sua mãe quebrou a casa dele toda, além disso sua avó (que o ama muito) não aceita que ele seja gay. Talvez meu amigo também aceitar a definição ‘mãe’ como “um ser do sexo feminino que gera vida em seu útero”, mas tenho certeza de que o conceito ‘mãe’ para ele e para mim são extremamente diferentes.

Nem entro no mérito de uma outra amiga minha, extremamente ligada ao filho, mas que não o gerou em seu útero (ela o adotou).... Pois o ponto aqui não é a pertinência do conceito que se encontra no dicionário, o objetivo é mostrar que a definição, qualquer que seja, é apenas um mínimo inteligível por diversas pessoas. Cada conceito é tão rico quanto a maneira que cada pessoa o vive e isto é muito mais do que o dicionário pode captar: cada conceito é necessariamente subjetivo 6*. Por mais que consigamos conversar usando o conceito ‘mãe’ e que cada um de nós entenda com bastante precisão determinado uso deste conceito em uma frase (nas palavras do Popper, por mais que um conceito seja intersubjetivo), ainda assim o conceito ‘mãe’ não é exatamente igual para cada um de nós 7*. E isto não se dá apenas porque o experimentamos diretamente de maneira diferente. Todas as pessoas já tiveram contato com alguma mãe, mas diversos conceitos experimentamos apenas de maneira indireta.

Por exemplo, ‘presidente’ é um conceito muito presente para mim, mas nunca trabalhei ao lado de nenhuma presidente nem tampouco fui presidente de nada. O que é ‘vírus’? Já fiquei doente algumas vezes, mas nunca segurei um vírus nas minhas mãos. Determinados conceitos experimentamos apenas de maneira indireta, a partir de outros conceitos relacionados. O conceito ‘político’ não é necessário para descrever o conceito ‘presidente’. Ainda assim, a maneira como entendo ‘político’ afeta o meu conceito ‘presidente’. Acima descrevi o conceito ‘mãe’ sem recorrer aos conceitos ‘filha’, ‘filho’, ‘prole’, ‘filhote’, ‘avó’, ‘tia’, ‘avó’, ‘avô’, ‘lar’, ‘amiga’, ‘parente’, ‘vida’, ‘comunidade’, ‘professora’, ‘cuidado’, ‘atenção’, ‘erro’, ‘bronca’, ‘medo’... mas a maneira com que entendo cada um destes conceitos se relaciona de maneira recíproca à maneira que entendo ‘mãe’. Tanto o meu conceito ‘mãe’ faz parte do conceito ‘avó’ como o conceito de ‘avó’ faz parte do conceito de ‘mãe’. De maneira mais fraca o conceito de ‘ensino’ faz parte de ‘mãe’, assim como ‘mãe’ faz parte de ‘ensino’. Quando experimento um em relação ao outro experimento ambos os conceitos simultaneamente.

Quando eu entendo que minha mãe cometeu um erro, estou acessando ambos os conceitos, o de ‘mãe’ e o de ‘erro’ e ao, ao fazê-lo, constituo o sentido de algum pensamento. Mas não é só isto, eu também aprimoro o sentido que dou a cada um destes conceitos e reforço a ligação entre eles. O sentido de um conceito não tem fronteiras como a Asa Sul (bairro planejado de Brasília em que as fronteiras são precisas). O sentido é mais como a malha de uma rede de pescar, cada nó é ligado a outros nós que, por sua vez, são ligados a outros nós. Ao encurtar a distância entre dois nós, todos os outros são afetados. Entretanto, diferentemente do que acontece em uma rede, ao puxar um nó, o nó seguinte não é puxado simultaneamente. Só nos damos conta de que um conceito se relaciona com outro ao usá-lo. O fluxo semântico corre como um rio entre os nós da malha (na medida em que pensamos em um em relação com o outro). Com anos de uso o leito do rio se torna tão profundo que se torna extremamente difícil redirecioná-lo 8*.

TEORIA

Uma teoria é uma relação de símbolos com a indicação de como eles se relacionam. Quanto mais rígida suas conexões, mais se assemelha a um sistema formal. Quanto mais fluidas suas relações, mais se assemelha à arte. Me explico: quanto mais formal, mais intersubjetivo se tornam os símbolos usados (menos margem para divergência de entendimento). No polo oposto, quanto menos precisas são as ligações entre os conceitos (quanto mais mais margem há para interpretação) mais se assemelha a arte (em que a interpretação, de no mínimo de um símbolo, é livre 9*). Uma teoria é como qualquer outro símbolo: pode ser considerada um nó em uma rede maior, como também ela mesma é uma rede.

Algumas teorias podem ser usadas para descrever o mundo, alguns símbolos também, algumas teorias podem ser usadas para fazer previsões, símbolos também 10*. Neste sentido, me parece que a grande distinção entre uma teoria e um símbolo é que a teoria é um pouco mais próxima a um sistema formal (no sentido que a relação entre os símbolos é definida de maneira mais explícita). Ao passo que os símbolos do dia a dia costumam ser apresentados, testados e aprimorados a partir do uso. Assim é perfeitamente aceitável no dia a dia usar um conceito de maneira que transgrida a definição. Conheço duas pessoas que chamam de ‘mãe’ a pessoa que em termos da definição do dicionário seriam suas avós.

NÓ - REDE - NÓ - REDE - NÓ…

Um conceito é um nó em uma rede, ‘mãe’ é um nó na rede ‘família’ - entendemos o conceito ‘família’ através de sua relação com diversos outros conceitos, inclusive através do conceito ‘mãe’. Mas mãe também é uma rede composta em sua relação entre diversos conceitos, inclusive em sua relação com o conceito ‘família’ (o que Douglas Hofstadter chama de ‘strange loop’). Experimentar os conceitos é mútua - cada um dos conceitos usados para experimentar (para atribuir sentido) a mãe também atribui sentido ao outro conceito: quando penso em ‘mãe’ em termos de ‘família’, reciprocamente penso em ‘família’ em termos de ‘mãe’.

CAPTURANDO AQUILO QUE É REFERIDO

Cada conceito pode ser entendido como uma rede que pode ser usada para capturar da infinitude (do Todo Incognoscível) aquilo que pode ser referido. Mas, o conceito também é um nó (que pode ser referido). No dia a dia as ligações entre os nós que capturam aquilo que pode pode ser referido são constituídos na medida em que os usamos. Eu sou infinito, mas o ‘eu’ referido ou pensado é finito: aquilo que eu sou quando minha mãe fala ‘meu filhinho’ é algo finito (que inclui o amor que ela sente por mim), da mesma maneira quando o Estado se refere a mim pelo meu CPF (o número do meu cadastro para o Estado) aquilo é algo bem específico (tem minha idade, meu endereço, possivelmente alguma restrição por conta de alguma infração que eu sequer sei que cometi…). O símbolo recorta um pedaço do infinito (que é impossível ser referido, o Todo Incognoscível) e o expressa através de um símbolo, cuja compreensão e extensão (para usar os termos de Aristóteles) são finitos.

DESCOBERTA INVENTADA

A metáfora da rede sugere que os conceitos são descobertos, da mesma maneira que ao levantar o cobertor da cama da minha mãe eu descubro que aquele volume que lá está é o Nane (o gatinho que mora lá). Como se cada conceito fosse algo necessário, como se possuísse existência metafísica. Neste sentido, a comparação mais apropriada é com a pintura. Quem pinta pega as tintas e as dispõe para formar o quadro daquilo que ela quer representar, digamos, uma ponte. Quem elabora uma teoria pega as tintas (seus conceitos) para formar um quadro (uma teoria) daquilo que ela quer representar, digamos, a origem das espécies. Tanto a pintura quanto a teoria podem ser excelentes ou ruinzinhas, mas nenhuma delas é um recorte necessário do Todo Incognoscível.

COERÊNCIA INTERNA DE UMA TEORIA

Entretanto, às vezes, aquilo que queremos nos referir não pode ser capturado pela rede que possuímos e o ajuste de apenas um nó desfaz a rede toda. Neste caso é possível a constituição de uma nova rede (uma nova teoria). Embora talvez as redes se pareçam e os nós (os conceitos) tenham os mesmos nomes, os nós são ligados a outros pontos. Assim, uma teoria é a constituição de diversos conceitos, uns definidos em relação aos outros. Usar o nó de uma teoria em outra torna a teoria completamente incoerente 11*. Os conceitos de uma teoria são articulados uns em relação aos outros, há pouca margem para alterar o sentido de cada um deles (em um sistema formal não há margem para alterar os sentidos dos conceitos). Para alterar um nó (um conceito) é necessário alterar todos os outros nós, o que acaba por originar uma outra teoria.

MÍNIMO SEM NTICO COMUM: INTERSUBJETIVIDADE 12*

Os conceitos tem seus sentidos atribuídos por cada pessoa (subjetivamente) de acordo com a maneira que cada uma delas os experimenta. É possível definir sistemas formais, sistemas em que cada conceito se relaciona com outros é explicitada. Assim, ainda que de maneira íntima aqueles conceitos sejam diferentes para cada pessoa, não há margem para divergências (os conceitos são intersubjetivos). Em conceitos do dia a dia também é possível defini-los de maneira que quase todas as pessoas aceitem (de maneira intersubjetiva); entretanto tal definição abarca um mínimo do que é aquele conceito (semelhante ao conceito de mínimo múltiplo comum entre números na matemática). As definições do dicionário abarcam o mínimo semântico para que o conceito seja entendido intersubjetivamente. Caso um dicionário ambicionasse contemplar o máximo semântico de cada conceito, pouquíssimas pessoas aceitariam cada definição (e o próprio dicionário perderia o sentido de existir).

CONCLUSÃO

No começo do ensaio quis mostrar que eu, Chico, sou infinito. Mas isto não é uma exclusividade minha. Qualquer um de nós é infinito, aliás, qualquer coisa a que nos referimos é infinita (pois faz parte do Todo Incognoscível). Em sua infinitude ela é impossível de ser experimentada, comunicada ou mesmo pensada 13*. Na impossibilidade de comunicar a infinitude, nos comunicamos através de conceitos. Os conceitos, quando estão dentro de sistemas formais, se relacionam com outros conceitos através de regras fixas e explícitas. Desta maneira tais conceitos são intersubjetivos. Assim, mesmo que as pessoas em seu íntimo atribuam um sentido peculiar a eles, tal sentido íntimo (subjetivo) nem sequer chega a ser comunicado. O que confere uma sensação (errônea) de que o sentido é objetivo.

No cotidiano as pessoas também atribuem o sentido aos conceitos a partir de suas experiências íntimas. Entretanto, como as relações entre os conceitos não são discriminadas em regras explícitas, a constituição dos conceitos se dá de maneira mais livre. Pensamos os conceitos em relações com outros conceitos, quanto mais pensamos mais tais relações se reforçam (mesmo que às vezes tal reforço seja de uma ligação negativa 14*). A ligação entre conceitos é como o leito de um rio, quanto mais usada mais se desgasta e mais fluxo de água ele permite. O pensamento (a ligação entre os símbolos) é uma ação como levantar dirigir. Quanto mais aquele pensamento (aquela ligação entre símbolos) é usada, mais facilmente ela será acionada no futuro. Tal qual em um rio, quanto mais água corre, maior e mais profundo se torna seu leito. Mas, diferentemente de um rio, a água não corre em um único sentido (para onde é mais baixo, quem sabe, em direção ao mar). A água corre entre conceitos, de maneira mútua, assim a metáfora mais adequada é com uma rede, em que puxar um nó afeta a todos os nós de acordo com a proximidade em que este puxão se dá. Mas o efeito de um nó sobre os outros (diferentemente do que ocorre em uma rede) não se dá simultaneamente. A tensão entre nós (ou a tensão semântica entre os sentidos) se dá na medida em que cada pessoa pensa nas ligações entre os conceitos (na medida em que o fluxo semântico corre). Caso alguém nunca pense em como os nós são ligados é possível que ela viva em mundos incoerentes, inconsistentes um com o outro. Tal pessoa vive em redes conceituais mal remendadas ou separadas. Conciliar ambas as redes dá um trabalho danado! Não nos damos conta destas incoerências nem quando alguma informação se dá a respeito delas (dissonância cognitiva). Mas quando se torna impossível negar a incoerência duas soluções se apresentam: costurar um monte de remendos (aquilo que chamo de malabarismo intelectual) ou desfazer uma das redes. Daí porque considero a complicação de teorias uma evidência de que elas são ruins 13* - a complicação são os remendos entre duas redes incompatíveis. Desfazer uma rede, especialmente se é uma rede muito usada, nos deixa com buracos em nosso ser. Buracos que são extremamente difíceis de serem preenchidos (pois os sulcos dos rios dos conceitos anteriores são profundos).

Por fim gostaria de dizer que as principais metáforas do ensaio foram influenciadas por dois autores que admito muito. A metáfora da rede é a minha interpretação de um capítulo de GEB de Douglas Hofstadter, a metáfora do rio é a minha interpretação do livro ‘Rápido e devagar’ de Daniel Kahneman.

OBSERVAÇÕES

1* Aquilo a que nos referimos é o recorte de algo que é infinito, ‘minha mãe’ é infinita, ‘apagador’ é infinito, ‘eu’ é infinito… Sou um número de CPF para o estado, sou uma matrícula no meu emprego, sou uma arcada dentária para minha dentista, sou um algoritmo para o Google e sou um algoritmo completamente diferente para o facebook, sou um amigo negligente para algumas pessoas, um amigo atencioso para outras… ‘eu’, como qualquer coisa a que nos referimos é infinito. Mas é impossível contemplar a infinitude, por isto dei exemplos de muitas faces do que sou, na esperança de que você, que me lê perceba que é possível continuar infinitamente (o limite do que qualquer coisa é não é imposta pela coisa, mas pela nossa limitada capacidade de investigação).

2* Ensaio da autocomunicação. Nele é possível perceber como o conceito de ‘eu’ (como alguém que existe ininterruptamente e de maneira consistente entre o nascimento e a morte é um noção possível) mas não é uma noção necessária (o conceito de ‘eu’ não possui amarras metafísicas com o Real).

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6613389

3* No caso usei a definição da wikipedia https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3e

4* Além de recorrer à cada conceito e ao conceito que o define, devemos recorrer às próprias regras que nos fazem entender o que cada conceito é, como por exemplo, a sintaxe.

Ensaio sobre regressão ao infinito:

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7062763

5* Esta situação que acabei de descrever é análoga ao teorema da incompletude de Gödel, mas aplicado a sistemas simbólicos (prova de Gödel é para sistemas formais). Se um sistema simbólico for completo, ele necessariamente tem que ter uma inconsistência (no caso a inconsistência é a circularidade, definir um conceito nos termos deles mesmos).

6* Nenhuma pessoa tem um entendimento exatamente igual a outra. Este é um dos motivos pelo qual sou cético.

Entender e significar

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7217916

7* Os sistemas formais são elaborados para que não haja margem para que imprecisão do que é cada conceito se manifeste na comunicação. Isto não impede a subjetividade do conceito, apenas impede que ela se manifeste dentro daquele sistema formal. Ainda neste ensaio me aprofundo no tema.

8* Tenho um amigo extremamente inteligente que é capaz de pensamentos complexos demais para mim em física e em computação. Ele foi um comunista militante de um partido radical (o PCO) por décadas. Aos poucos, após debates (comigo e com outros amigos) ele abandonou o comunismo. Ainda assim, pensar em conceitos de economia (que para mim são banais) é extremamente difícil para ele. O leito do rio de pensamentos dele sempre caminhou entre conceitos comunistas, é extremamente difícil para ele fazer o fluxo de pensamento correr por outro leito. Da mesma maneira é difícil para mim relacionar alguns conceitos de física cuja relação, para ele, é trivial.

9* Em um poema cada uma das letras é um símbolo cuja interpretação não é livre (é intersubjetiva). Entretanto, o poema de alguma maneira atinge cada pessoa de maneira muito particular (é subjetivo). Em um sistema formal o valor de alguma afirmação pode ser aferido por verdadeiro ou falso (e a sentença é julgada apenas em termos definidos pelas regras daquele sistema formal). Sendo que ‘verdadeiro’ ou ‘falso’ se referem ao uso do sistema formal em relação a algo externo ao sistema (e externo a quem quem processa a informação). Já dentro da lógica de uma obra artística, um símbolo é julgado como ‘gostei’ ou ‘não gostei’ - sendo que o gostar se dá a partir de algo de fora do símbolo (a obra de arte), mas a partir de algo interno a quem processa a arte (no caso quem aprecia a obra).

10* ‘Hoje vai chover’ é uma previsão e tanto ‘hoje’ como ‘chover’ são símbolos. Logo, estou usando símbolos para fazer uma previsão.

11* É o caso, por exemplo, em relação à teoria de Marx e à teoria de Mises, é por isto que o uso dos mesmos nomes quando se conversa a respeito de cada uma das teorias leva a confusão. Usar o conceito ‘valor’ em Mises para se referir à produção de algum bem é completamente disparatado - é usar um conceito de Marx! O conceito de valor em Mises, embora importantíssimo para a compreensão da teoria da ação humana, é de uso restrito. Em mises é impossível falar em ‘valor de uma caneta’, pois o valor de cada caneta é atribuído por cada pessoa. Eu valorizo canetas, gosto de desenhar e ainda escrevo no papel. Outra pessoa pode não valorizar canetas, pois só escreve em aparelhos eletrônicos. É impossível usar os conceitos de Marx para entender Mises, é impossível usar os conceitos de Mises para entender Marx. Embora seja possível usar os conceitos de um autor para criticar o outro (caso em que assumimos que o autor usado para fazer a crítica é mais pertinente do que aquele que é criticado).

12* Como cético defendo que não existem conceitos objetivos, pois para um conceito ser objetivo, ou seja, ser o mesmo para todas as pessoas independentemente de contexto, seria necessário alguma amarra metafísica com ‘O’ Real. Em diversos ensaios venho defendendo que a percepção realista é inadequada, leva a preconceitos e intolerância.

Armadilha Realista: Dicotomias e Intolerância

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7330906

13* É impossível experimentar o infinito, aquilo que chega à nossa cognição passa por diversos filtros, sejam órgãos sensoriais, sejam limitações cognitivas. O pensamento pode ser entendido como uma conversa entre você e você mesmo. Ensaio da auto comunicação.

14* O que é claro, por exemplo, quando pensamos em antônimos. Dentro de como entendo ‘escuro’ há o conceito de ‘claro’. Embora a relação entre um e outra seja de “ausência de”. Dentro daquilo que entendo por ‘saúde’ existe ‘doença’, também eu uma relação negativa (quanto mais saúde, menos doença).

13* Ensaios em que defendo a simplicidade no posicionamento político:

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6972036

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6964259

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 09/12/2021
Reeditado em 09/12/2021
Código do texto: T7403254
Classificação de conteúdo: seguro
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