Sobre o Caos ( ou, quem joga dados)

Outro dia ouvi alguém discorrer sobre o caos. Há muitas explicações, todavia, duas se destacam. Uma, de que o caos é o resultado descontrolado dos eventos. É a perda de controle em lugar, e sem negociação, com o imprevisto. Nesse aspecto, sem possibilidade de reação, o caos, como uma entidade autônoma, se impõe e avança sem resistência. Outra, se resume a dizer que o caos não existe. Que atribuir existência ao caos é sinônimo da perda da razão. Da razão como mediadora dos fatos. E nesse sentido, a perda da razão, em si, realiza o caos na mesma proporção quando as ações se dão sem saber porque se deram. Aconteceu sem que um mínimo de consciência se fez presente. Todavia, penso que tanto a primeira como a segunda explicações, ambas, me parecem, surgir, e incorrer, no mesmo maniqueísmo: o de que se apoiam em análises imediatas. Não consideram, daí imaginar serem maniqueístas ambas considerações, que para qualquer análise se impõe a busca -como se despíssemos a cebola de suas camadas - por ligamento, finas linhas, que conectam o fato e o discurso que apresenta o evento. Ou seja, a discussão sobre o Caos, mais que se apoiar em opiniões, dogmáticas ou filosóficas, requer mover cada camada para que, já em posse do objeto desnudado de opiniões e preconceitos, se possa apresentá-lo ao público como um novo momento de discussão.

Na filosofia grega o caos era o deus do universo. Era o vazio que preenchia o espaço entre a Terra e o Éter, o céu superior. Noutras palavras, o caos era o elemento que dava existência ao universo. Se entendermos que o Universo é tudo que dele e nele sub-existe, deveremos dizer que o caos é a existência. Força criadora.

A força criadora não entendida como algo que alguém, racionalmente, criou o Universo em 6 dias e descansou no 7, como aprendemos que o Deus ocidental criou. Mas como resultado, como apresentação de algo novo, em lugar de explicações, ou interesses, que escondem, porque temem, o por vir como inauguração do Novo Homem. O universo, e tudo que dele, e por ele, sub existem, seria resultado do embate (daí a ideia de descontrole) dos eventos e que, como resultado desse embate, surgiu o universo, como um novo "Fato". Notemos que essa visão, ao contrário da ideia ocidental de um deus engenheiro, sugere que Dos contrários surge o Novo, o ignorado. O ignorado que, tão logo surge o choque, já não o é mais. A partir do choque dos contrários, surge o novo; o novo como resultado da equação antes desconhecida. A mesma ideia está na teoria dos átomos. Elétrons, Prótons e Nêutrons não são a explicação que a Física utiliza para a Energia ? Ou, dito de outra maneira: não são os constantes choques dessas partículas que resulta na Energia, na força criadora que Newton e Eisntein revolucionaram a ciência? E a Dialética, tão apreciada por Marx, ou seja, das relações entre Capital x Trabalho, não nos apresentou o conflito de classes como a razão das desigualdades e infelicidades humanas?

Então, o que é o caos, e ao contrário do que alguns dizem ser o total descontrole dos fatos/eventos, de um lado. Ou assegurar sua inexistência, pura e simples, de outro. Penso que ambas partem de pressupostos que colocam o tema apenas na mesa, da aí terem a virtude de colocar o debate. Não consideram o choque como elemento de possibilidade de surgimento de algo novo. Assim considerado, o caos se apresenta (existe) para que avancemos.

Dizer que o caos não existe ou que é a perda do controle, não é a melhor maneira de buscar uma resposta sã e racional. Ao contrário, é diluir a possibilidade de debate em nome de alguma certeza que - da mesma maneira que dogmas e suas rasas "explicações"- não contribuem para que nos conhecemos como seres racionais. Aceitar essas "explicações" passiva e docilmente, só favorece àqueles que, por temerem as consequências de suas intenções, se apegam nessas verdades "absolutas" . É certo, e conhecido, o que aconteceu com quem se dispôs a expressar suas vozes. Joana D'arc foi queimada. Giordano Bruno, igualmente queimado por contestar a Igreja. Galileu Galiléia, para não ter o mesmo destino, se arrependeu, negou sua teoria, da centralidade do Sol e que eram os planetas que orbitavam em volta do astro rei. Posição diametralmente oposta ao Teocentrismo, que colocava Deus como o centro do universo.

Em oposição a essas explicações reducionistas (que o caos não existe ou que é a perda do controle) , debater suas implicações, e consequências, é sinal que fundamenta a existência humana e suas contradições. É isso que explica nossa capacidade de fazer do caos um novo por vir. É isso que são as boas novas.