Tarcísio Pereira um nome vinculado a arte, a cultura e a democracia
Tarcísio Pereira: um nome vinculado a arte, a cultura e a democracia
Alexandre Santos *
Eventualmente, a referência a um nome é suficiente para descrever estatura cultural, preferências políticas, modas e estilos de vida, modos de pensar, etc. É o que ocorre, por exemplo, com o nome 'Tarcísio Pereira' - nome convertido em verbete que, pela história do seu dono, passou a evocar a efervescência política e cultural vivida no Recife nos anos 70/80 do século passado. Na realidade, pela intensidade como tatuou sua época, além de dar alma e substância a episódios associados a marcas mundialmente conhecidas e reconhecidas como 'Livro Sete', a livraria apontada pelo Guiness como 'a maior das Américas', e 'Nóis sofre, mas nóis goza', o bloco de carnaval que preenchia o quarteirão mágico da Rua Sete de Setembro do Recife nas tardes do Sábado de Zé Pereira, o nome 'Tarcísio Pereira' arrastou e projetou muito do seu charme e energia por onde quer que [ele] tenha passado. Aliás, o território de Tarcísio Pereira - cujas fronteiras, para além da 'Livro Sete', percorriam o Casarão-bar da livraria e, seguindo pela passarela do 'Nóis sofre, mas nóis goza', se estendia até a livraria Síntese (pertencente a sua irmã Suely), formando um lugar de magia, no qual ecoava o burburinho de conversas travadas por algumas das principais mentes do mundo cultural pernambucano, de gente que queria mudar o País, de gente que queria mudar o mundo. Para desgosto de reacionários e conservadores, o território de Tarcísio Pereira era o local preferencial para o encontro de artistas, intelectuais e políticos, constituindo uma espécie de caldeirão de ideias, festa da cultura e 'antro' da resistência, oferecendo palco para consultas, conversas, troca de opiniões, confabulações, conspirações e tudo o mais que costuma animar a cabeça borbulhante dos revolucionários.
Percorrer os corredores da Livro Sete era certeza de algum aprendizado, pois, além da boa conversa de Tarcísio Pereira, que, com sua boina e roupa azul, estava sempre pronto para dois dedos de prosa com todos, e do conhecimento naturalmente exalado pela montanha de livros arrumados nas estantes, havia a possibilidade de se esbarrar nalguma das personalidades que ali acorriam, fosse para beber da cultura própria do lugar, fosse para firmar um jeito de ser.
Na Livro Sete havia lugar para todos. Tarcísio Pereira cuidava disto. Lembro do lançamento de 'A inevitável primavera'. Eu estava muito tenso e havia razões para isto, pois, além de sérios problemas de edição e de impressão, apesar de aquele não ser o meu primeiro livro ('Os retirantes' havia sido publicado alguns anos antes), 'A inevitável primavera' era o primeiro [livro] que eu lançava. Pois bem. Logo cedo, a voz ao telefone perguntou: "você já viu o jornal de hoje?". Corri os olhos pelo Jornal do Commércio, de trás para frente (como faço sempre) e fiquei muito alegre e orgulhoso com a pequena nota [sobre o lançamento] na coluna social José de Souza Alencar Alex. Isto seria suficiente para me deixar feliz, mas, como vi mais adiante, não era isso a que a voz se referia: no rodapé de uma das páginas centrais do primeiro caderno, bem no miolo reservado ao noticiário político, ocupando a barra inferior, de canto à canto, estava o anúncio da Livro Sete, convidando para o lançamento do meu livro. Aquele era o tipo de tratamento dispensado por Tarcísio Pereira aos jovens autores. Por gestos como este e tantos outros, Tarcísio Pereira firmou reputação e ocupou espaço na carreira de muitos artistas.
Além do convívio na Livro Sete, tive a chance de protagonizar muitos episódios importantes em companhia de Tarcísio Pereira, inclusive viagens para representar círculos culturais pernambucanos em jornadas regionais e entrevistas a programas de televisão. Lembro de ter, ao lado de Lailson de Holanda Cavalcanti, integrado o juri de concursos de fantasias do 'Nóis sofre, mas nóis goza', de ter sido por ele investido na presidência da União Brasileira de Escritores e de, tempos mais tarde, [de ter] coordenado as festividades que consagraram 2017 como o 'Ano Tarcísio Pereira' no âmbito da entidade. A verdade é que, por ser como era, Tarcísio Pereira deixou sua marca por onde passou e naqueles que conheceu. Quantas boas recordações terão vivido Manoel Corrêa de Andrade, Nagib Jorge Neto, João Cabral de Melo Neto, Alberto da Cunha Melo, Lucila Nogueira, Marcus Accioly, Gilvan Lemos, os Irmãos Datz e tantos outros que frequentavam a Livro Sete com assiduidade e aqueles com os quais [Tarcísio Pereira] trabalhou anos depois na editora Livro Rápido e na Companhia Editora de Pernambuco (CEPE).
Por tudo o que fez e auspiciou, Tarcísio Pereira passou a simbolizar o mais puro comprometimento dos intelectuais e artistas com a resistência ao autoritarismo e com a busca de um tempo melhor para todos. Isto permite muitas inferências, inclusive porque, embora sejam outros, a essência dos males de hoje não é diversa daquela que animou mazelas do passado. Aliás, é voz corrente que, se estivesse aberta, refletindo a índole de Tarcísio Pereira, a Livro Sete seria simpática ao sentimento geral de rejeição ao obscurantismo atualmente em curso no País e, tal como ocorreu nos anos de chumbo, serviria de ponto de encontro para aqueles que sonham e lutam pela retomada do desenvolvimento e restabelecimento do humanismo no Brasil. Assim, confirmando aquilo que todos sabem, além de charme cultural, Tarcísio Pereira também significa resistência democrática e luta pelo bem para todos. Viva Tarcísio Pereira!!!
Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural