consulta

só parte#

Marquei consulta no médico. Queria consultar um especialista. Saber se a ideia toda era cefálica ou ser fálica. Para ser ele teria que deixar de ser inteira. Cabeça. Tronco. Membro. Ceder tudo, de corpo inteiro. Qual médico deveriam procurar? Atônito olhei o índice de especialidades médicas. Nem sabia o que consertar. Um pênis normal de um homem inexistente, sem nome. Queria ver um médico.

Sem consenso do novo corpo-mulher, por hábito ou repetição, marquei consulta no ambulatório de ginecologia obstetrícia. Mais precisamente, consulta pré-natal. Afinal, estou engravido de mim mesmo comigo própria.

Nome da mãe: Domenico. Endereço e profissão: as mesmas da Catarina. Peso e medidas: os mesmos. Os alunos de medicina começaram estranhar a conversa toda: havia falos, medo de perder penises, gravidez; mas não havia data da última menstruação. Até porque até há pouco, Domenico não menstruava. Amenorreico e sem útero, coitado. Chamaram o professor. Vieram vários. Especialistas especializados em casos complexos não temem histórias bizarras, comentavam entredentes, entre si. Assombraram-se. Tenho tido pesadelos vívidos. Sinto a dor da perda. A senhora (senhor?) quer dizer que teme a hora do parto? As dores futuras do parto? A hora de dar a luz? Nem havia passado pela cabeça a, abre aspas, luz, fecha aspas. Ainda estou na queda, nas trevas, sem ele. Não permiti a realização de exame físico. Não estava pronto para o diagnóstico definitivo. E se nada disso fosse real? Nem homem. Nem mulher. Nem criança. Quem teve a ideia de procurar médicos? Precisava rapidamente sair do ambulatório. Imediatamente. Já havia comoção nos corredores. Luzes de alerta piscando. Barulho de macas ao longe. Sirenes. Em disparada corrida, pelas ruas laterais menos concorridas, pude divisar ao longe os enfermeiros parrudos com as camisas de força pronta para encaçapar os loucos do dia. Ufa. Já em casa respiro aliviada. Desta vez foi por pouco. Precisamos controlar nossos demônios. Afinal de contas logo seremos mais um. Olha. Sente. O Francisco acaba de chutar nossa barriga.

Severo Garcia
Enviado por Severo Garcia em 10/11/2021
Reeditado em 10/11/2021
Código do texto: T7382892
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.