A CULPA NÃO É DA CUNHA!

A kriptonita de deus e o povo do caos invertido

*Por Antônio F. Bispo

No capítulo 7 do livro de Josué conta-se que “deus mandou o seu povo” tomar em assalto uma cidade pequena chamada Ai.

Batedores foram enviados, fizeram aferição do perímetro e ao perceberam que a população era pequena e indefesa, reportaram que com apenas 2 ou 3 mil homens a conquistariam.

“Deus” havia-lhes dito que a vitória era certa e eles foram para subjugá-la, só que ao invés disso, 36 dos seus soldados foram mortos dentro do raio de ação e o restante deles fugiram desesperados, sendo alguns dizimados pelo caminho e outros esconderam-se nos arredores como animais indefesos.

Ao relatarem os fatos, os sobreviventes desestimularam o “povo escolhido”, que agora temiam morrer nas mãos da minúscula e brava gente.

Por essa derrota o moral do povo estava baixo e um culpado deveria ser encontrado às pressas para que a confiança em deus fosse reerguida e eles pudessem seguir confiando naquilo que lhes fora prometido.

“Deus” revelou-se então outra vez, agora por meio de um profeta que dissera que a batalha só fora perdida por que entre eles havia alguém em pecado e por isso ele (deus) não pudera operar seus grandiosos feitos. Era como se houvesse alguma tipo de kriptonita no meio do arraial sugando os poderes divinos, deixando-o inapto para defender seus “escolhidos”.

Uma reunião foi marcada com urgência para o alvorecer do dia seguinte e tribo por tribo, pessoa por pessoa, bem como seus pertences deveriam ser entrevistados para ver se por ventura achariam o motivo de tal maldição.

Alguém tinha de assumir a culpa pelo fiasco. Deus não deveria ser responsabilizado, nem o seu profeta e nem tão pouco o ilustre comandante militar por ele escolhido.

Como a corda só arrebenta nas costas do mais fracos, o “pecado” fora encontrado com Acã, filho de Zabdi, membro da tribo de Judá, um reles mortal sem renome algum.

Localizado o alvo, agora era só fazer o ritual de demonização pública, expiar o pecado do povo e devolver a deus outra vez suas forças, minadas por tão hediondo delito.

Por causa do pecado de Acã, “constatou-se” que toda aquela gente (as 12 tribos de Israel) fora amaldiçoada no dia do combate e seria que ele, os seus pertences e toda sua família mortos para que deus pudesse outra vez revigorar seu poder.

Que lástima!

O que vocês acham que Acã tinha feito de tão grave para trazer tamanha maldição? Teria ele matado, estuprado, roubado ou destruído a vida de pessoas inocentes?

Não, claro que não! Isso provavelmente eles faziam quase todos os dias. Era comum àquela época. Era quase que um mandamento tocar terror aos “inimigos de deus” da pior forma possível. Chacinas, estupros e “confecção” de escravas sexuais era um símbolo de poder, não de vergonha! Deus jamais se irritaria com isso, até por que ele mesmo ordenara anteriormente tais permissividade.

Segundo o relato, Acã pecou pois reteve em sua cabana 3 “objetos malditos”: uma cunha de ouro, uma capa e duzentas peças de prata. Só isso!

Esses pertences haviam sido subtraídos secretamente de um massacre anterior que eles tinham realizado em outra cidade inimiga. Acã os havia tomado para si, mesmo tendo deus dito para que nada fosse retido daquele local. Era pra matar todo mundo, tocar fogo em tudo e vir embora. Não trazer nada, essa era a ordem!

Acã vendo aqueles objetos de valor, pensou que seria um desperdícios deixá-los ali e resolveu apossar-se em segredo. Esse foi o fim da picada para ele (ou da cunhada).

Assim como o super homem enfraquece com a kriptonita, o deus desse povo parecia enfraquecer mediante aquisição ou veneração de objetos pagãos. Há vários outros relatos de pragas e mortes no meio do povo por causa de ídolos estrangeiros. Deus “descia o cacete” sem piedade não apenas no infrator, mas em todo o povo mediante tal constatação.

Nesse caso em questão, por causa do “pecado” de uma única pessoa, ele ficou impedido de abençoar toda aquela gente (que já somava mais de 2 milhões àquela altura).

Com o “erro” descoberto e a confissão pública feita, a sentença de morte estava assinada. Acã e toda sua família foram tirados para fora do arraial e apedrejados até a morte. Os seus pertencentes foram incinerados, e de forma mágica deus recuperou os seus poderes anteriormente perdidos, podendo assim fazer outra vez, “milagres” para o seu povo.

Que maravilha!

....

O “Caso da Cunha” ou o “pecado de Acã” se repete todos os dias em todos os lugares do mundo em que decisões importantes precisam ser tomadas quando uma falha da direção vem à tona. Gestão pessoal, estratégia, marketing, política, finanças e economia são as áreas onde esse “pecado” mais ocorre.

À grosso modo, quando há pessoas adultas envolvidas em tais ocorrência, deus, o diabo ou qualquer força mística costumam ficar de lado. O culpado manifesta-se e os seus erros são registrados de forma pedagógica, para que outros evitem o mesmo caminho.

No campo das pesquisas cientificas é onde mais se fazem anotações e é em cima desses registros que o tempo, dinheiro e material (humano ou físico) serão poupados.

Errar é humano, atribuir nossos erros aos deuses é burrice! Procurar um bode expiatório para livrar-se de uma responsabilidade pessoal é ainda mais vergonhoso, mas é o que mais se faz quando “deus falou”, “deus está guiando” ou “deus está no controle de tudo” ...

Nunca confie em ninguém que usa esses termos com frequência.

Se tudo der certo eles querem o mérito para si, desejam tua submissão eterna ou querem 10% de tudo o que ganhares pelo resto de sua vida.

Se o que eles disserem não funcionar, eles dirão que foi por sua falta de fé ou por que havia algum pecado impedindo. Se preciso for, esse tipo de gente sacrifica até a própria mãe para preservar a “moral de deus” ou tirar o deles da reta.

Afirmar que nada pode interferir os majestosos planos de deus e mediante um resultado negativo dizer que os planos de deus foram frustrados por algo tão simplório é de uma controvérsia tão grande que até um louco poderia observar.

No “mundo onde deus governa”, terceirar responsabilidades não é opção, é a regra prática da sobrevivência da própria religião.

Se sem fé é impossível agradar a deus, sem a terceirização do erro, o processo religioso perderia o seu sentido e a vida do fiel se tornaria vazia. Assumir que o homem é o responsável por aquilo que faz de bom ou mal para si e para os outros é o mesmo que tirar o lastro que sustenta as base da fé.

Como provar o poderio bélico de um deus sem a existência um antagonista? Ao contrário do que os crentes afirmam, é o diabo e suas artimanhas que “fortalecem o poder de deus” e sem esse antagonismo a própria fé seria vaga. Seria como apostar corrida com você mesmo e chegar em segundo lugar. Sem o pecado, o diabo ou as “pessoas sem deus” para culpar, os crentes morreriam de tédio.

Quem por experiência própria já liderou ou esteve presente em grandes corporações públicas ou particulares, sabe muito bem que quando uma grande “cagada” é feita, um culpado tem de ser encontrado com urgência. A moral do líder ou da empresa não podem ser comprometidas.

O bode expiatório nesses casos podem ser o estagiário, o zelador, o engraxate ou o cara que mora do outro lado do planeta que não tem nada a ver com o assunto, mas alguém precisa ser responsabilizado.

Em casos assim, para não perder o emprego ou posição social, uma má pessoa na posição de liderança é capaz de penalizar quem quer seja para se manter o status e o poder. Jamais assumir a culpa! Esse é o lema, principalmente se houver o risco de uma pena capital ou do apedrejamento público como foi o caso de Acã.

No caso da estória acima citada, deus falou e não cumpriu. Disse que a vitória seria certa mas não foi. O estrategista calculou mal e um batalhão inteiro sucumbiu. Algo precisava ser encontrado para levar a culpa, eles não sabiam o quê.

Para ganhar tempo foram entrevistando as pessoas e revisando seus pertences à fim de encontrar uma desculpa que convencesse o povo de que deus não era o culpado pelo fracasso. Qualquer coisa serviria.

Depois de muito pensar e muito procurar, pertences estrangeiros foram encontrados na cabana daquele “miseraví” e não apenas ele, mas toda sua família pagaram com suas vidas por um erro de estratégia.

Ato típico de qualquer líder religioso, vagabundo e pilantra do passado e do presente.

Muda-se apenas o nome, mas o modus operandis é o mesmo! Não importam se estão sendo antagônicos, se estão indo de encontro à própria fé ou se estão descaracterizando o próprio ser qual dizem ser onipotente: eles sabem que mediante um fracasso pessoal, um boi de piranhas precisa ser jogado ao rio para que os outros crentes digam que a justiça de deus foi feita e o pecador pagou pelos seus erros.

Fosse deus verdadeiro e realmente onisciente, ele saberia de antemão da existência daquele objeto e ordenaria que o objeto fosse retirado do meio do povo antes da batalha e não depois.

Caso o seu poder tivesse realmente alguma serventia, seria desnecessário uma revista pessoal cansativa e humilhante para todos. Ele daria o nome, endereço, telefone e até o CPF do indivíduo (como os atuais charlatães dizem). Não precisaria constranger ninguém.

Mas não...era evidente que o responsável pela derrota não queria assumir a culpa e precisava de alguém para culpar. O pobre Acã foi quem se ferrou. Essa é apenas uma das inúmeras “recompensas” que alguém pode levar na vida por seguir fielmente a um líder religioso e fazer “aquilo que deus manda”. Na hora do aperto, eles nunca assumem a culpa e você se lasca (literalmente).

...

Não quero aqui tomar as dores pelo personagem bíblico. Sendo a estória verdadeira ou não, o exemplo é proveitoso para ilustrar tanto lado sombrio de algumas lideranças, quanto a contradição dos atributos divinos.

Quero apenas afirmar que a história se repete diariamente e quanto mais “deus na causa” existir, maior será a loucura, as humilhações e as punições indevidas que serão cometidas contra os que menos podem ou sabem se defender quando estão diante dos magnatas da fé ou de seus comparsas igualmente pervertidos.

Em outras palavras, atualizando os dados para os nossos dias, crentes abobalhados de todos os lugares e épocas estarão sempre à procura de um “Acã” para culpar, à fim de salvar a pele do próprio deus, ou do seu líder religioso, ainda que o pecado que tanto procuram estejam bem embaixo de seus narizes, fedendo mais que um cadáver em decomposição.

Quando não encontram um culpado, eles forjam uma CUNHA, costuram uma CAPA ou põe algumas MOEDAS DE PRATA na mochila de alguém e dizem: “Eis aqui o culpado pelas nossas mazelas. Apedrejai-o”.

Diante dos crimes brutais crescentes, alguns desses “santos” chegam a dizer quer a culpa de tudo isso é pela falta de fé em deus, sendo que moramos em um país de maioria cristã, onde os crimes mais hediondos são praticados justamente por cristãos contra cristãos. Um país cuja população carcerária chega perto de 1 milhão de pessoas, em que a maioria doe encarcerados dizem crer em deus ou fazer parte de alguma igreja.

Como pode isso? Indiretamente estes imputam aos ateus a responsabilidade pelos crimes cometidos por cristãos. Este é do tipo de gente que põe uma cunha na cabana alheia para livrar a imagem do deus qual diz servir. Um deus que tudo pode e nada faz.

Por outro lado, diariamente centenas de relatos de estupros, assassinatos, abuso de menores e ocultação cadáver são revelados em várias partes do mundo, cometido justamente por líderes religiosos. E os seguidores destes o que fazem?

Ao invés de fazer campanhas para prender tais líderes, vão fazer campanhas contra o casamento gay, contra entidades de culto africano ou até mesmo contra rótulos de produtos alimentícios ou marcas de roupa. Quando não, os tais entram em postagens ateístas para rogar-lhes pragas, atribuindo a estes o declínio e desvio moral do mundo inteiro, como se fossem estes e não os seus próprios líderes os acusados em tais delitos.

Eles são cegos, burros ou é questão de mal caráter mesmo?

As câmaras e senados de nosso país estão abarrotadas de evangélicos, boa parte desses metidos em algum escândalo.

Alguns deles leem a bíblia e faz do plenário um local de culto, diz que deus os guarda e guarda esse povo. Segundos dizem que o caos reina por que o povo não está mais buscando ao senhor...Tá de brincadeira, né?

Só a nossa TV aberta tem quase 15 canais religiosos com programação diária 24hs por dia, e mesmo assim dizem que “por falta de ouvir a palavra de deus o povo está perecendo” ...

É muita falta de vergonha na cara!

Chamo esse tipo de gente de O POVO DO CAOS INVERTIDO, que por falta de consciência, má fé ou irresponsabilidade criam um caos real e vão à procura de soluções irreais e que mediante a ineficácia de suas preces dizem: “tudo acontece como deus quer” ou “a culpa é de quem não tem fé em deus”!

Como deus é fruto da própria imaginação humana, todo fiel sofre (ou pode sofrer) da Síndrome de Deus, ou seja eles dizem que deus faz ou fez ou tudo aquilo que eles mesmos fariam se tivessem chance ou se tivesse os poderes a ele atribuído.

Fazer parte dessa histeria coletiva é opcional. Assumir a culpa pelos fracassos de deus, também. Líderes irresponsáveis estão sempre à procura de um Acã para pôr a culpa. O próximo apedrejado pode ser você se continuares seguindo cegamente àqueles que dizem ouvir a voz de deus.

Revejam Seus Conceitos. Saúde e Sanidade a Todos!

Texto escrito em 8/11/21

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

*Contatos, sugestões, elogios ou outras solicitações podem ser feitas pelo e-mail: revejaseusconceitos@outlook.com

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 08/11/2021
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