Esconjuro

Aqui.

Atônico já afônico.

Reúno os sentimentos.

Vazio no peito. Medo de perder é uma tristeza parcial.

Vazio por não saber o que partilhar.

Talvez já tenha perdido a noção das fronteiras do que é meu e o que é do outro.

Na dúvida, calo.

Não por paranóia, mas por acostume a silenciar.

Sem dúvida há um medo de não ter mais o que conheço e aprecio.

Medo em remarcar outra fase.

Quero outra fase?

Parte sim. Parte não.

Parte fica? Parte vai?

A tristeza parcial vem junto com o medo.

Triste por ter tolerado muito e ter perdido algumas alegrias.

Não se trata de arrependimento e de gosto pelo que já foi.

Ou até mesmo o que pode vir a acontecer.

O que abro mão?

O que me esforço para manter a relação?

A princípio a primeira resposta é pouco ou quase nada.

Cabe duvidar dessa resposta.

Consistência. Manutenção de uma estrutura familiar. Estabilidade.

Acolho novas demandas. Zelo cotidiano. Sou cuidado ou cuidador?

Perdi a vontade de dar carinho.

Não aguento mais reclamações e reclamações

Estou cansado de ouvir um mal estar sobre si.

Há uma necessidade de criar obstáculos sobre o que desejo.

Não tenho dívida histórica por histórias que não são ou foram construídas por mim.

Outra fase

Respeito. Valorização. Flexibilidade. Carinho.

Sim. Um carinho bondoso e generoso.

Estranho como um todo. Meu corpo se retrai e se sente vulnerável.

Desconfio desta verdade. Desconfiado.

Será consistente ou algo momentâneo?

Dúvida que não tenho o privilégio de responder.

Sou impelido a dar uma resposta para mim mesmo. (s)em tempo.

Fico ou saio?

Tendo a querer sair, não vejo como seguir; também não sei responder o porquê seguir.

Seguir para manter algo que já não existe? Manter para equilibrar uma vida?

Por isso, talvez, tomar uma decisão permita abrir um outro desconhecido para a vida.

A certeza da incerteza. Sair seria descobrir.

Ficar pode ser o mais sensato, pois noto o amor, vejo o amor mas sinto um oco.

Sinto a falta de vontade de retribuir ou demonstrar outra coisa.

Foi me dito que talvez esse meu ressentimento ou mágoa seja irreversível.

Acho perdi a esperança de conseguir amar novamente quem já amei.

Já se passaram dias e nada conclui. Será que eu já havia concluído? Será que estou me enganando? Esperando o que? É momento de esperar? Qual a paz que me acalenta?

Outra outra fase

Falei e dei um passo para o desconhecido.

Sai com a cabeça em pé mas o coração partido.

Doeu sair.

Foi uma das coisas mais difíceis que fiz.

Peguei minha mochila e sai.

Antes beijei a minha amada filha.

Olhei no olho dela e disse que lhe amava e que isso nunca iria mudar.

Ela não entendeu. Obviamente. Nem eu.

Não sei como ela vai ficar ao acordar sem eu estar com ela de manhã.

Eu sei que vou estar triste, como estou agora.

Escorrem as lágrimas e me dói a garganta.

Ela me disse que agora poderia ser livre e fazer o que bem entendo.

Depois mandou mensagem pedindo desculpas por ter sido grosseira.

Eu, nesse jeito manso, já aceitei de tudo.

Mas porquê desta vez é diferente? O que faz desta vez algo especial?

Ela diz querer mudar. E para não parecer injusto, ela tem mudado.

Como remendar um adoecimento crônico que inventei para mim mesmo? Como tentar controlar o pensamento, os afetos, os devires?

Entre tantas outras diferenças, talvez desta vez, estou me preservando, garantido um pouco de mim, torto, surdo e burro, mas eu-mim.

Claro que perco. Vou perder. Sobretudo, quem mais amo, minha filha.

Talvez, um dia não consiga nem dizer exatamente porque me separei da mãe dela.

Talvez encontre um lugar comum, uma resposta curta.

Contudo, fato é que sou clichê.

Sim. Foi o desgaste da relação cotidiana, dos acordos e desacordos.

Não se trata de fugir. Fugir não me levaria a lugar nenhum.

Trata-se de se afastar para procurar a alegria.

Do que adianta seguir se não há alegria?

Respirar sem ter que esclarecer.

Não foi ela que criou isso tudo.

Fomos nós.

Eu já nem sei quando foi a última vez que deixei de dizer qual seria o próximo passo.

Qual o próximo passo?

Término

Final processual de uma separação.

Duro, paciente e progressivo.

Doi, roi e roe.

A cada troca de palavras se afetam sentimentos.

Colidem ideias.

Colisão. Troca. A vida colide.

Severo Garcia
Enviado por Severo Garcia em 27/10/2021
Código do texto: T7373025
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