Irene
  

Certas canções me parecem terem sido feitas para serem ouvidas dentro d'um carro; sim, dentro d’um carro, mas não assim simplesmente dentro d'um carro, há que se estar numa estrada linda e numa razoável velocidade. Foi assim com Irene, 'A casa de Irene", de Agnaldo Timóteo.
 
São duas situações, e não é bem como você deve estar imaginando. A primeira, eu, enquanto dirigia e ouvia a música, fui levado p’ra minha infância, literalmente à casa de Irene, era a minha professora particular, aulas de reforço no primário. Ali vivi um episódio inusitado, éramos uns dez meninos. Alguns deles muito danados.

D. Irene dava aulas p’ra gente na sala de sua casa, havia uma mesa bem grande e todos sentávamos ao redor.  Certo dia ela estava com o filhinho dela doente e pediu-nos compreensão para nos comportar. Eu adorava o garotinho brincava com ele na hora da merenda, enquanto os outros se danavam no quintal. Foi nesse dia que eu levei uma tapa na cara que nunca esqueci.

O menino estava no quarto e começou a chorar, ela deixou a aula e foi vê-lo, ele não estava nada bem. Nesse instante a turma começou uma bagunça medonha. Eu subi na carteira com a intenção de fazê-los se acalmar, tentando dizer que respeitassem a doença do garoto e a aflição da professora. Foi quando ela estava voltando super nervosa e me deu a bofetada, achando ser eu o comandante da desordem. Rebolei da carteira e sem ação corri p’ra casa. Minha mãe não gostou nada daquilo, foi lá e o tempo fechou, depois se entenderam, mas eu parei por ali. Aprendi a não me meter onde não sou chamado. 
 
Pois bem, a outra situação é o que me fez refletir, como nossa mente é fantástica, como é veloz o pensamento; num rápido instante podemos estar em locais longínquos e bem adversos. Essa canção, também me levou à uma época, onde meu irmão e seus colegas curtiam a juventude. Lembro-me bem, Ele havia comprado um “toca disco” que funcionava a pilhas, quatro salvo engano, e o LP do Agnaldo Timóteo, eles iam pra Ponta Negra, ainda bem natural, praia linda e árvores pomposas com sombras fantásticas. Então eles colocavam o disco p’ra tocar; eu ainda criança ficava querendo entender o porquê daquela canção me parecer tão triste. Algum tempo depois compreendi as coisas da poesia.
 
(...)
 
Os dias tristes
São como longa rua silenciosa
De uma cidade deserta
Deserta e sem céu

...
Dias sem esperança
E esta saudade
De ti

....
São estes dias
Como se fossem feitos de pedra
Como num grande castelo vazio
Onde reina a solidão


(...)

Quando a música acabou fiquei pensando, por que estava triste se comigo estava tudo bem?! Respondi p’ra mim mesmo: - É isso o que certas canções fazem com a gente, por um momento é triste e saudoso, mas depois passa. Tudo passa.
 
...........................
Antônio Souza
(Ensaios)
 

https://youtu.be/riG1RQzzy6g?list=FLDMOYzG_lPCTfa_yOf86wtQ
A casa de Irene – Agnaldo Timóteo
 

www.antoniosouzaescritor.com