Retrato de um presunçoso

Ok. Admito sua presunção como um sintoma mal resolvido. Ou diria, mal curada. Mas aí estaria a colocar a presunção como uma doença. Enfim, sem delongar muito, fiquemos acertados que sua presunção é tão exacerbada, que você, narcísico patológico, não consegue se conter tão logo se vê diante de uma plateia. Sua fala, em si, um emaranhado de conjecturas, ao desatento soa como o canto da sereia. É assertiva, eloquente, enfim, à primeira vista, como a Ninfa no encontro com Ulisses, seduz.

Mas basta que se dê passos mais firmes e se verá que, tal qual um castelo de areia, toda sua eloquência se desfaz. E aí, tudo que parecia sólido, se desmancha no ar. Ou, como diria a criança atrevida diante da visita incômoda: "te peguei na mentira!"

Mas você, como o ladrão para fugir do flagrante, renega qualquer possibilidade, mínima que seja, de ser confrontado e, pior, vencido nos seus inflados argumentos, dirá que nada do que o outro diz merece consideração. E para que sua voz alcance até o último dos últimos no recinto, você, como um barítono, estufa o peito e lança escárnios aos quatro cantos. Nesse instante, a bazófia se reveste de opulenta soberba e desfila, como a principesca ninfeta a dançar para os olhos atentos do anfitrião.

É da índole dos falastrões, como o vendedor de uma rifa já vencida, dizer que o que de sua boca saiu, como o ar de uma bexiga furada, foi involuntário ou provocado por vontade alheia. Noutras palavras, ao falastrão tudo vale, menos curvar-se ante o argumento mais sólido. Mesmo porquê, não é familiar ao falastrão, a humildade, não. Para ele, como se o mundo se resumisse a apenas duas possibilidades (a dele em primeiro lugar, claro), qualquer resquício de fragilidade no argumento que apresenta, ao falastrão, como se a proeminência ofuscada gerasse urticária, nada será mais temeroso que ser vencido . Fato é: ao falastrão nada mais mortal que a possibilidade da perda da plateia.

E sem plateia, razão de sua existência, a tudo pode faltar, menos plateia, posto que desnudo e exposto, como na peça, que escancarou as mazelas da realeza, o falastrão, mais que o medo da morte, teme o ostracismo.

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Daí a presunção, marca identitária do falastrão, ser tão exacerbata que, tal qual narciso, o presunçoso, em tudo e por tudo, ser adepto dos discursos superlativos. É dele o inflacionar qualquer dado que possa ser útil na sua "argumentação". Afinal, como o bêbado que não consegue se manter sobre uma ponte estreita, o presunçoso/falastrão se perde se sua exposição parecer frágil.

É desastroso ao presunçoso/falastrão se ver confrontado. Ele não suporta, até abomina, quem, por mínimo que seja, e sem os arroubos da disputa - a ele, tão desejada, porque é assim que a vida lhe parece -, ao presunçoso/falastrão a mínima possibilidade de ver seus argumentos invalidados, nada mais resta senão o ataque vil e grosseiro. Essa carapaça lhe garante sobrevida, lhe garante existência, mesmo que à custa de coerência.

Amparado por essa couraça, ao embusteiro, só resta a vileza desmedida. Não perfila junto ao presunçoso/falastrão a finura do diálogo. Para o presunçoso, como já se disse, a vida se lhe apresenta como em constante disputa. Se pudéssemos indicar o melhor habitat que apraz ao presunçoso, numa espécie de espaço vital, a Arena, como uma roupa feita pelo melhor dos estilistas, serviria, sem retoques, ao presunçoso.

Aqui vos apresento, meus amigos, o que, suponho, ser o perfil do presunçoso. Ao contrário desse, não postulo, com essas palavras, nenhuma tipificação pronta e acabada, não. Diferente do presunçoso, que se julga o demiurgo inabalável, incontestável, esse que vos fala, humildemente admite, com a esperança de que novas ideias surjam, que nada do se disse está solidificado. Fosse assim, nada seria mais indelével que pressupor serem as ideias um totem a quem se reverência cegamente.

Dita essas palavras, o homem que ouvira, antes dele, outros que se desnudaram em promover um verdadeiro desfile de títulos e honrarias, tão logo terminavam suas apresentações, em desconsideração aos demais, não ficavam para ouvir o que os outros tinham a dizer. Presunçosos que eram, saiam, corroborando, uma vez mais, que é do presunçoso a preferência pelo monólogo.