Livro que puxa livro (e música)

O que torna alguém amante dos livros? É claro que o exemplo ajuda, mas não é tudo. Ter livros em casa e pessoas leitoras pode até ser um bom começo. O seu manuseio com acesso fácil a eles, sem proibições, também pode contribuir. Mas nem tudo pode ser traduzido num silogismo “o pai é um grande leitor, logo o filho também o será”. Há muitas variáveis que interferem nesse caminho.

O estímulo bem que pode vir por vias transversas. Veja o caso de Oscar Garcia. Na escola em que estudava, quando garoto, ir para a biblioteca era uma punição pelos malfeitos em sala de aula. E foi por conta de uma traquinagem que ele conheceu o mundo dos livros. Resultado: gostou tanto que ficava sempre “aprontando” para ir ao seu “castigo” livresco. Hoje ele é bibliotecário em São Paulo e durante a pandemia, sem pessoas para frequentar as duas bibliotecas do Sesi aos seus cuidados, criou um podcast, O prazer de ler, atualizado semanalmente com apresentação de livros infantojuvenis. Ou seja, ele não só tomou gosto pela leitura como cuida de difundir esse prazer a outras pessoas.

E é sempre assim, uma coisa puxa a outra. Na literatura são vários os casos de autores que em seus escritos utilizam-se dos personagens para apresentarem livros aos seus leitores. Americanah, da nigeriana Chimamanda Adichie é um desses. Ela usa um dos protagonistas, Obinze, e o seu poder de convencimento sobre a namorada Ifemelu, para que ela leia livros americanos como romances, livros de história e biografias, enfatizando os de James Baldwin. Já a mãe dele, uma professora de literatura, é fã de Graham Greene a ponto de ler O Cerne da Questão, duas vezes por ano, com a explicação de que “as histórias humanas que importam são as duradouras”. Qual o leitor que não se interessa para saber o que contem essa história de tão extraordinária que está sempre levando essa pessoa à sua releitura?

Já na literatura brasileira, a escritora paraibana Marília Arnaud, ganhadora mais recente do prêmio Kindle de literatura com o belíssimo O Pássaro Secreto, faz uso como ninguém de uma personagem para a indução de livros aos leitores.

O pai da protagonista, Aglaia, é encarregado do seu encaminhamento à leitura de forma tão segura que o primeiro brinquedo da filha não foi um ursinho de pelúcia, e sim um livro. Como diz a própria personagem “Os livros acendiam clarões dentro de mim”. E que livros eram esses? Iniciada desde cedo, aos dez, onze anos já havia lido os romances de Érico Veríssimo e José Lins do Rego. A partir daí Eça de Queiroz , Victor Hugo , Dostoiévski, e Tolstoi além dos de Jane Austen e das irmãs Brontë também passaram por suas leituras. O livro Cem Anos de Solidão ela carregava consigo aonde quer que fosse, “sob a desaprovação de minha mãe, que dizia se tratar de um romance caótico e delirante, além de inadequado para a minha idade, mas, como a leitura fora indicação de meu pai, ela não ousava arrancá-lo de mim”.

E assim a partir do envolvimento do leitor com o livro, a vontade de “entrar” na personagem pelo conhecimento do que ela lia e que fez a sua cabeça, pode encontrar explicação em sua leitura.

A propósito, nem só de indicações livrescas vivem as personagens romanescas. Elas são musicais também. No próprio O Pássaro Secreto diversas delas como a própria Aglaia, Luisa, Heleno, a vó Sarita, Thalie e Demien fazem o leitor percorrer, a partir dos seus gostos, múltiplos estilos musicais, numa trilha sonora digna de uma estatueta nessa categoria. E para os que apreciam mais a música clássica, Um prelúdio para Ilse, de Francisco Antonio Cavalcante, enche e encanta os ouvidos dos leitores. Livros e músicas: parece até o título de um filme, não é?

Fleal
Enviado por Fleal em 05/10/2021
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