A CERTEZA QUE ENLOUQUECE, OPRIME, CONDENA E MATA!
*Por Antônio F. Bispo
Entre um vídeo e outro no you tube é comum que comerciais apareçam. É assim que a plataforma se paga e paga aos produtores de conteúdo, além de propagar produtos e serviços de categorias diversas.
Quase todas essas propagandas são apelativas. Elas pedem com veemência para que você compre, aceite ou se filie a “algo único no mundo”. Até certo ponto isso é normal e faz parte do jogo da sedução comercial. Sem não há oferta, a procura pode ser escassa e a cadeia produtiva encerra suas ações. É assim que o mercado funciona.
Semana passada porém, um desses comerciais me chamou a atenção pelo seu jeito de apelar. Diferente das outras, esta propaganda não pedia para que você comprasse nada, antes sim, eles diziam querer dar-te algo, aparentemente sem custo algum.
O objeto em questão era um “livro fabuloso” que segundo eles, mostra o passo-a-passo de como enfrentar a grande tribulação que estar por vir no fim dos tempos e como tornar-se um dos escolhidos de deus para herdar o paraíso vindouro.
Nesse vídeo em questão, apareciam 5 pessoas vestidas de branco no alto de uma colina, andando em direção ao nascer do sol, cantando um cântico cujas palavras remetiam a uma oferenda, como se eles mesmos fossem a oferta viva ao deus qual cultuam. Nessas palavras cantadas eles se auto denominavam santos e pareciam ter CERTEZA do que estavam ofertando.
Nesse cenário pitoresco, dois dos integrantes aparentavam uma magreza quase que cadavérica, como se em lhes faltassem algum nutriente básico em suas dietas.
Mesmo assim, todos esboçavam uma aparente felicidade e se comunicavam entre si com olhares, esperando que fosse recíproco tal sentimento de gratidão.
Em suas palavras ao se referir ao livro ofertado, eles faziam parecer ter encontrado algum segredo oculto que só ali residia, capaz de transformar o mundo inteiro e acabar com todas as suas mazelas.
Eles pareciam ser praticante da própria crença e toda conjuntura cenográfica, verbal e corporal faziam parecer que estavam certos de que o seu modo de crença e vida era o passaporte para um futuro glorioso ao lado do cristo anunciado. O segredo para tal felicidade segundo o livro, estaria na simples guarda do sétimo dia de cada semana, ou seja, o Sábado.
Falavam ainda sobre como o diabo tem iludido aos homens desde sempre, fazendo com que estes sirvam a deus no Domingo ao invés do Sábado, desvirtuando assim o “dia sagrado”, trazendo dessa forma as mazelas que o mundo vive.
A SOLUÇÃO PARA TODOS OS PROBLEMAS DO MUNDO ENCONTRAR-SE-IA NA GUARDA DE UM DIA SANTIFICADO!
Que maravilha! Por que nunca pensamos nisso antes?
Confesso que não vi problemas nenhum na gravação, na edição, no cântico e tão pouco na crendice dos integrantes. Tudo parece ser perfeito e cada um acredita no que quiser.
A única questão que observo (e por isso comento) está na mensagem transmitida.
Assim como toda mensagem de conteúdo religioso, eles parecem ter CERTEZA naquilo que professam e essa certeza é tamanha, que eles desejam que você também acredite e seja como eles são! Direta ou indireta mente todo segmento religioso diz: “e quem não crer no que pregamos será condenado”!
Esse é justamente problema dos que “servem aos deuses”: todos eles tem razão, todos eles estão certos, todos são escolhidos, todos são cidadãos dos céus, todos são criaturas especiais e em todas as citações que fazem a cerca deles mesmos, a certeza de que estão certos (e o resto mundo errado) fica evidente de uma ou de outra forma.
SABER e ACREDITAR são palavras que se confundem nesses recintos. Isso é muito ruim!
Para uma pessoa bem resolvida, emocionalmente equilibrada e financeiramente independente, uma “mensagem de salvação” como esta é apenas uma propaganda de negócios como qualquer uma outra. Esse tipo de mensagem entra em um ouvido e sai em outro sem efeito algum!
Porém, para uma pessoa de pouca cultura, com dificuldades financeira ou emocionalmente instável, esse conteúdo poderá ser visto como um oásis em meio a um deserto.
Fica evidente que não é a “verdade” proferida pelo crente convence o “pecador” e sim a condição deste no momento da oferta.
Na maioria dos casos é proposital que determinado povo sofra escassez de recursos básicos para que a busca por soluções místicas prevaleça. “Com deus”, até o mais débil e indefeso entre os homens se achará um gigante, pronto a enfrentar e vencer qualquer sistema.
Que diga isso os que “derrubaram o congresso” no último dia 7 aqui no Brasil.
Outro fato é que muita gente só “procura a jesus” depois de ter perdido a própria saúde, a moral, a paz, os amigos, os recursos financeiros ou depois de ter “zerado o contador” de todos os tipos que se possa imaginar.
Daí então passam a ter certeza do que antes rejeitavam e se tornam moralistas hipócritas e insuportáveis, querendo conduzir a vida alheia, quando a própria vida é um fracasso total!
Para esses que no desespero procuram a certeza do seus problemas nas propagandas religiosas, aquilo que inicialmente poderia ser visto como uma porta de escape, no futuro poderá ser entendido como uma péssima escolha.
Com o abrir dos olhos, o fiel poderá perceber que sem querer se metera em uma arapuca, em um local onde cada ação feita estará cavando a sua própria tumba, se enterrando em mentiras e crendices que o tornarão escravos do próprio sistema que alimenta
O maior perigo que advém pela “certeza que deus dá”, não reside naquilo que o indivíduo internaliza ou professa secretamente para si mesmo. Antes sim, esse perigo está naquilo que ele verbaliza sobre suas crenças e acima de tudo na maneira como ele tenta controlar as ações e opiniões alheias, tendo como régua máster seu próprio misticismo.
Qualquer pessoa (louca ou sã), baseada em sua própria fé poderá ler um ou mais versículos isolado na bíblia e dizer: DEUS QUER ASSIM!
Outros não lendo absolutamente nada, valendo-se apenas de visões e revelações (distúrbios mentais) poderão ter essa mesma certeza e também afirmarem: ASSIM ME FALOU DEUS!
O ex-presidiário ou qualquer “ex-maluco”, com uma vida inteira de crimes e danos sociais irreparáveis a outrem, poderá ter o mesmo sentimento, fundar um igreja, vender um “testemunho” e converter pessoas ao seu entendimento sobre deus e também terá razão naquilo que professa de acordo com a “lei da fé”.
Deus é assim: nunca foi visto publicamente por ninguém, mas em segredo fala todo os dias aos ouvidos de gente confusa, paranoica ou mal intencionada, dando sempre instruções antagônica.
NÃO HÁ UMA BAGUNÇA MAIOR QUE ESSA NO QUE DIZ RESPEITO A “ORDEM DIVINA”.
Não estou afirmando com isso que todas as religiões do mundo devam ser padronizadas e que todos devam agir exatamente iguais. Bom seria se o homem jamais precisa-se de deus algum para fazer o bem e respeitasse o meio ambiente em que vive!
Estou apenas dizendo que não há absolutamente nada que possa ser dito como 100% certo ou 100% errado quando o quesito é interpretar deus, sua vontade, sua justiça, seu juízo e a forma correta de venerá-lo. Tudo reside na experiência de vida dos que se dizem servos), seus medos, ambições, ganancia ou ignorância. Apenas isso e nada mais!
A reprodução oculta do próprio ego ou a repetição explícita dos pensamentos e medos de povos de outras épocas e lugares também são fatores determinantes para “saber o que deus quer”.
Qualquer um pode dizer ou fazer o que quiser (até certo ponto) em nome de deus e ainda assim poderá ser visto como bem aventurado. Como prova disso temos os heróis da fé, pessoas “ilustres” da bíblia, cujo histórico de vida envergonharia até o diabo (se fosse o caso).
O próprio cristianismo com todas as suas vertentes é outra prova de que dar pra perverter todo conceito de deus (segundo o velho testamento) e transformá-lo uma versão de qualquer coisa para atrair um público pagante, desesperado ou submisso.
Transmutar o paganismo alheio em santidade própria é o que os cristão fazem de melhor e nem por isso deixaram de ser “santos”.
Algo que na cultura alheia é o (do) demônio, na dele mesmo é de deus puro! Tem sido assim desde sempre.
Diferente das CERTEZAS que as religiões tentam inculcar nos homens, é na dúvida que reside o desabrochar da experiência humana.
Onde houver dúvidas haverá sempre uma esperança, um novo caminho a ser seguido, uma nova forma de se reinventar, de reconstruir a si mesmo ou a sociedade como um todo.
Porém é na certeza das religiões que toda loucura e atraso residem. Esse tipo de certeza faz com que a vida do crédulo se torne uma caixinha escura esem lugar algum para que o ar, água ou alimento entrem. A tendência é a inanição, sufocamento ou morte do presidiário.
A situação se torna pior quando preso em uma bolha, esse indivíduo cerca-se de pessoas iguaizinhas a si ou ainda mais radicais que elas mesmas. Daí passam a menosprezar, perseguir ou caçar todos os que pensam e agem diferente.
ISSO É UM GRANDE PROBLEMA!
É como ir ao seu próprio funeral, lamentar a morte do defunto sem perceber que quem está dentro do caixão é você mesmo.
Quando alguém disser ter todas as respostas para o mundo e para vida, encerrar-se-ão as perguntas e quando estas já não existe, o marasmo predomina e a razão de viver e toda criatividade perde-se junto.
É lamentável perceber o que as religiões fazem com as pessoas, transformando-as em caixinhas ocas, cuja resposta já vem pronta para qualquer tipo de pergunta que a vida propõe.
VONTADE DE DEUS ou AÇÃO DO DIABO: São sempre essas mesmas respostas para quem alcançou esse nível de “intelectualidade”.
Um mundo complexo, pululante de vida onde o caos e a violência é evidente em praticamente todos os ciclos e no próprio cosmo, o “povo sábio” resume tudo numa briga eterna entre deus e o seu rival...
O GRANDE CONFLITO! Eles dizem.
E pensar que mesmo assim, com essa conclusão tão pífia sobre o mundo, os tais se consideram como coroa da criação e dizem possuir a mente do próprio cristo.
Lamentável!
Todos os que se vangloriam de “servir ao deus certo de modo certo” precisam conviver com uma dura realidade que diariamente lhes tiram o sono.
Me refiro aos seus próprios concorrentes, ou seja qualquer outra pessoa ou grupo que de forma individual ou coletiva diga professar a fé no mesmo deus, usar a mesma bíblia e ainda assim fazer tudo de modo diferente e muitas vezes antagônicos.
Cada um que se levanta clamando um novo meio de agradar ou servir a deus põe em cheque todas as outras estruturas já existentes bem como a sua própria.
Cada novo líder autoproclamado põe em dúvida sobre a “unção” dos outros caso vingue suas intenções mercantis ou “salvadora”.
Cada nova igreja que surge poderá enfatizar um ponto bíblico como marca registrada, dizer ser aquele o detalhe crucial capaz de definir se uma pessoa é realmente santa ou não, se irá ou não entrar nos céus ou se deus está ou não com esta pessoa.
Tem sido assim desde sempre. Deus sempre inovando década após década, acrescentando um novo apetrecho aos velhos mandamentos para que não fique totalmente esquecido.
Desse modo, o uso do véu, a guarda de dias santificados, a abstenção de certos alimentos, falar em línguas, o evangelismo pessoal, o dízimo, a obediência cega as hierarquia e aos sacramentos da igreja…cada grupo chama para si, o supra sumo da aprovação divina e desprezam todas as demais.
SEITA é o nome utilizado por um crente para definir outra igreja que não seja a sua, mesmo sendo esta do mesmo segmento, pregando e vivendo as mesmas coisas com diferença de simples detalhes.
O que uns chamam de selo da promessa em um segmento, o concorrente chamará de motivo de blasfêmia e condenação em outra, e por ai vai... Todos estão certos ao mesmo tempo que todos estão errados....
Mesmo desdenhando uns dos outros, criticando ou perseguindo seus próprios compatriotas da fé, cada um se isolará no seu cubículo de verdade própria e dirá: “ainda bem que deus me mostrou o real caminho a ser seguido. CERTO ESTOU, ALELUIA!”
É justamente esse tipo de certeza que enlouque, oprime, condena e mata os homens.
Quem dera esse tipo de comportamento febril ficasse apenas dentro dos recintos de culto.
Na idade média por exemplo, hordas de fieis (católicos e outros grupos) saíam (literalmente) à caça aos que divergiam do seu modo particular de crer, pois tinham ABSOLUTA CERTEZA de que deus estava com eles e de que ele os estavam enviando nessas missões
Qualquer um que não se rendesse publicamente aos rituais de babaquices e confissões públicas arrancadas à força, eram massacrados. Mesmo alguns que professavam para se livrar da condenação, eram punidos com a desculpa de que os corpos deles estavam padecendo para que suas almas fossem libertas.
Não há limites para as loucuras praticadas em nome da fé a na suposta vontade de deus. O limite quem impõe é você que ainda tem um pouco de lucidez e respeito a si mesmo.
No que depender do fiel (fanático) sua vida, sua família e seus bens serão todos subtraídos ou sacrificados para o engrandecimento da causa religiosa ou cumprimento de alguma causa profecia louca.
Esse tipo de mal nos acompanha desde os mais remotos tempos, trazendo instabilidade, desconfiança e medo em qualquer lugar em que o nome de um deus seja invocado (venerado). A mais recente evidencia disso é o caso do Afeganistão, cujas atrocidades praticadas tem como objetivo principal agradar a deus, tirando todo pecado e impureza que o eles, o “povo de deus” aprendeu com os ocidentais.
Por detrás de um conflito existencial até um conflito de escalada global, haverá sempre alguém ou uma multidão inteira preocupado (s) com a forma correta de agradar a deus. Em outras palavras querem ter certeza de que fazem o certo de modo certo e querem impor isso aos demais.
É um perigo estar perto de alguém que tem esse tipo de crença, de que deus o guia sempre em tudo. O meu conselho é que estando diante de alguém “ilustre que serve a deus em corpo, alma e espirito”, nunca baixa sua guarda!
. À depender de quem seja esta pessoa, você poderá ser incluso nas estatísticas dos que foram lesados, estuprados, abusados ou mortos em nome da fé, por alguém que “fazia sempre a vontade de deus o tempo todo”.
A liberdade religiosa é um direito concedido por lei, porém onde há direitos há também deveres (para todos).
Se o direito ao culto é livre, o direito a rejeição à qualquer tipo de crença religiosa também é!
Se é verdade que um fiel pode enumerar os diversos motivos pelos quais acredita em deus ou segue um movimento religioso, a mesma liberdade existe para quem deseja argumentar por que não acredita ou deixou de crer em tal divindade ou segmento.
O lugar onde os deuses habitam e deixam de existir é na mente humana. Porém, o fiel fanático que diz ouvir a voz de deus diariamente pode estar bem perto de você. Ainda que os deuses não sejam reais, os seus seguidores o são e com isso temos de aprender lidar até que esse fase mental possa ser suplantado por algo melhor.
À qualquer um que diga ter certeza de que deus o escolheu como “povo escolhido” sugiro que REVEJA SEUS CONCEITOS!
Saúde e Sanidade à Todos!
Texto escrito em 25/9/21
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.
*Contatos, sugestões, elogios ou outras solicitações podem ser feitas pelo e-mail: revejaseusconceitos@outlook.com