O SOM DO SILÊNCIO
Hoje, o dia está mais estranho do que nos dias anteriores, extremamente soturno. As nuvens carregadas, anunciam a aproximação de uma tormenta, porquanto, a forte ventania já sacode as folhas e os galhos da árvore, em frente a minha janela. Infelizmente, só consigo ver e imaginar o som que seja, ao ar livre, afinal esta pandemia surreal já levou não somente meus entes queridos, mas me privou da minha audição. Sinto o respingo de água em meu rosto e para minha surpresa, o meu telhado se foi, também. Imagino que "Há um poder misterioso indefinível que permeia tudo, sinto-o apesar de não o ver." Agora, a gélida chuva que antes lá fora se apresentava, encontra-se, dentro da minha residência, modificando tudo. O sofá está encharcado, o piso molhado e o vento, que não sei ao certo qual é o seu som, mas percebo, não é nada amigável. O frio faz o meu corpo tremer, meus dentes baterem. Ao meu lado, meu companheiro Anúbis tenta me alertar para um possível perigo, por estar próximo a antena da televisão. Impacientemente me puxa, para que eu saia de onde estou, consegue me afastar no exato momento em que um raio atinge o lugar no qual eu estava antes, me fazendo cair ao lado do meu protetor. Anúbis continua, incansável, me puxando pela camisa, creio que no intuito de sairmos do local. Tento me erguer, deslizando, continuamente, no piso molhado e escorregadio. Não quero segui-lo e chego a questionar, em sinais “___Onde queres me levar?” Ele corre para fora, e como se quisesse me apontar o caminho, pára em frente ao abrigo, onde está o nosso porão. Meu coração dispara ao observar o céu cor de chumbo… não ouço os trovões, mas o riscar dos relâmpagos e o deslocamento do ar, me avisa do forte ribombar… nos meus ouvidos o silencio permanece inalterado. Antes poderia andar nas ruas, o invisível mortífero era considerado uma invencionice! Infelizmente, ele é real, levou minha família e me deixou, como herança, o silencio eterno! Isso demonstra que “Há um poder misterioso indefinível que permeia tudo, sinto-o apesar de não o ver. É esse poder invisível que se faz sentir e ainda desafia toda a prova, porque é tão diferente de tudo o que vejo através dos meus sentidos. Ele transcende os sentidos.” Corro junto a Anúbis, tropeço e rastejo até chegar a porta de madeira, do porão, me questiono se isso realmente nos salvará, entro com muito esforço, após destrancar as pesadas portas, que são empurradas, violentamente, pela ventania. Já dentro do abrigo, sou empurrado pelo vento e caio, mais uma vez. A muito custo consigo fechar a porta e só então normalizo meu respirar. Agora vejo que em nosso porão temos comida para aguentar dias a fio, água, lugar seguro para dormir. O silêncio que reina em meus ouvidos, agora permeia o ambiente, numa harmônica sinfonia entre o mundo externo e o meu mundo interno. Então “percebo vagamente, que enquanto tudo ao meu redor está sempre mudando, sempre morrendo, lá está - subjacente a toda a mudança - um poder vivo que é imutável, que mantém todos juntos, que cria, recria e se dissolve.” Percebo, também, que, igual ao meu amigo Anúbis, existem poucos.
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OBS: Os trechos aspados(“”) fazem parte do discurso de Mahatma Gandhi, em 20.10.1931