Grave

Parte#

Acordo com uma dor no peito. Uma dor grave. Recordo do grave do acordeon contra o peito. O fole indo e vindo. Ritmo. Fôlego. Sinto-me um velho acordeonista sem nunca ter tocado. O som grave retumba dentro de mim. Sou uma nota solta. Uma melodia. Um sopro grave. Escuto o som do acordeon dentro do peito enquanto o meu tronco sobe e desce. Um som só para mim. Os ouvidos estão concentrados no ar que preenche o espaço de dentro. A boca seca espera uma saliva. Sou uma nota sem folga. Sou só fôlego. Carrego um acordeon no peito. Nada é tão grave como um peito com dor. Pode ser até estatística, mas perto da tragédia se esquece os números. Sou muitos números. Desde que nasci até a morte sou números. Não importa. Quero saber meu nome. Esse não sei. Deve estar em algum canto. Acorde. Acorde. Acordeonista. Devo estar sonhando. Tomo um susto. Estou suado. Escuto o fole do peito. No leito estou sem dor. Adormeço como quem nunca havia acordado. Sonho profundo com o grave no peito. Sou uma sinfonia. Dedilho as notas graves nos sonhos agudos. O som do peito salva. A dor também.