Gargalhadas

Parte #

Rir é revolucionário. Mesmo de máscara.

Embora possa parecer ridículo, às vezes, tenho vergonha de dar risada. Às vezes, tenho vergonha de mim.

Clarice tinha medos bobos e coragens absurdas. Reza a lenda que não ria. Duvido. Tinha que rir. Arrisco dizer. Ria em casa. Ria na rua. Ria no bonde. Ria mascando chiclete. Apesar de, comer, amar e morrer. Ainda ria.

Às vezes pulo uma ou outra palavra. Sinto-me abafada por elas. Por isso, as pulo, apesar de.

Já ri de se esvair. Até hoje procuro aquela gargalhada. Sinto ela perdida em algum canto. Procuro rir só ou acompanhada. Apesar de, envergonhada.

O porteiro disse que sou arriada. Disse-me ao voltar da escola com os meus filhos. Não sei se fiquei pálida ou ruborizada. No fim, na dúvida, dei risada.

No mercado, um homem com braços fortes disse querer me ver dando um sorriso. Dei logo uma gargalhada. Acho que ele se assustou e saiu de perto rápido. Só dando risada.

Nos aniversários, não sou convidada. Acho graça.

Os meus filhos adoram me ver dar gargalhadas. Eles dizem que os colegas falam que sou separada. Digo-lhes que deem risada.

Pouca gente suporta uma boa gargalhada. Rir é uma arte. Já vi gente morrer sem uma risada, apesar de.

Quero morrer engasgada por uma risada. Assim, encerro a vida de maneira revolucionária.

Queria ver a cara do meu pai. Sisuda. Parada. Vivia dizendo que as meninas devem ficar caladas. Meu pai morreu calado. Nunca disse uma piada. Não ria por nada. Dizia que a vida era uma desgraçada. Acreditava nas forças armadas. Pobre homem, esqueceu de comer um ou duas palavras, apesar de.

Assim fui criada. Ainda bem que aprendi a gargalhar com graça.