O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde

O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde¹

¹ Trabalho realizado na disciplina Literaturas De Língua Inglesa: Um Panorama, Profa. Dra. Mirian Ruffini.

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe." - Oscar Wilde.

Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde nasceu em Dublin, Irlanda, no dia 16 de outubro de 1854. Ele é o escritor de uma das mais importantes obras da literatura em língua inglesa, O Retrato de Dorian Gray (1890).

Desde cedo, Wilde mostrou que era brilhante. A sua paixão pela literatura foi incentivada pela mãe, Jane Francesca Elgee, uma mulher elegante e amplamente conhecida em Dublin pelos seus poemas e prosa e, também, por suas ideias revolucionárias. Seu pai, Sir William Wilde, era uma personalidade igualmente de destaque, célebre pela sua perícia de oculista e oftalmologista e, ainda sim, achava tempo para fazer pesquisas sobre antiguidades e folclore irlandês, cujo resultado expôs em seis livros.

Oscar seguiu na vida acadêmica para as áreas das línguas e da literatura. Estudou no Trinity College de Dublin e, posteriormente, ganhou uma bolsa de estudos para frequentar a Magdalen College, em Oxford, onde começou a divulgar o Movimento Nova Estética. Ganhou muitos prêmios na escola e, na universidade, recebeu o prêmio Newdigate, com o poema Ravenna, que era uma das maiores honras que os estudantes poderiam receber naquela época.

Escreveu dramas, novelas, poesias e, principalmente, contos. Wilde era mestre em criar frases irônicas e sarcásticas. Como um escritor adepto ao esteticismo, procurava desvincular os valores intrínsecos culturais, sociais e políticos, produzindo uma obra independente, ou seja, a arte pela arte.

O contexto em que Oscar escreveu é o da Era Vitoriana (1837-1901). Nessa época, havia as mudanças trazidas pela revolução industrial, a máquina a vapor, o início das classes trabalhadoras e um grande aumento da população, principalmente a urbana. Os donos dos meios de produção, burgueses das classes mais altas, estavam prosperando e, com isso, o conceito do capitalismo e do consumismo, ainda mais. Assim, vivia em uma sociedade tipicamente patriarcal, com normas extremamente rígidas e com papéis sociais bem definidos.

Na literatura, começava a surgir os primeiros poetas adeptos ao Esteticismo, inclusive o próprio Wilde. Em uma sociedade em que tudo estava mudando, principalmente valores morais e políticos, os estetas, como eram chamados os escritores dessa época, acreditavam que a arte não deveria imitar a vida, uma vez que a realidade, na maior parte das vezes, é inferior àquela retratada na arte.

Para Wilde, o movimento do Esteticismo abrangia dois princípios fundamentais: em primeiro lugar, o de que a arte apenas se exprime a si própria, não tendo um referente exterior; e, em segundo lugar, que é a vida que imita a arte e não a arte que imita a vida. Em suma, uma teoria que recusa a existência de qualquer comprometimento moral, de qualquer função social da arte, não tendo aspecto utilitário nem lucro advindo dela.

Por muitos, Oscar Wilde é considerado um poeta inovador. Por sua busca de autonomia da arte, acabou incorporando muito do movimento Dadaísta – fugir das coisas comuns – e resolveu trazer para as suas personagens um viver às avessas, ou seja, ser livre das amarras da sociedade.

Tendo em vista esse contexto histórico e literário em que vivia, as obras de Wilde têm como principais elementos: o abismo social, no qual as personagens, normalmente, têm origens sociais diferentes; um é sempre rico e, o outro, pobre. Uma sólida contextualização, ou seja, antes ou depois das falas das personagens, o narrador conta detalhes, acrescenta opiniões e emoções ou dá mais informações. Também, aspectos de personificação de seres irracionais, objetos inanimados e elementos da natureza que têm sentimentos e realizam ações. E, por fim, as histórias possuem finais trágicos, nunca terminam bem, com mortes, separações e toda sorte de desgraça.

Os contos de Wilde contêm sátiras políticas e sociais, criticando principalmente o egocentrismo de chefes políticos, os valores da sociedade, em especial a valorização da posse de bens e do conceito de felicidade e amizade. Assim, são temáticas recorrentes o protesto contra a desigualdade social, as máscaras sociais e a figura de um protagonista solitário com um desfecho miserável. É comum que as personagens rompam barreiras e estereótipos, contribuindo ricamente para a vida social do leitor, já que possibilita uma nova compreensão do mundo e de si mesmo.

Mas, de todos os personagens que Oscar Wilde criou em sua vasta produção literária, talvez o maior tenha sido justamente ele mesmo. Seu único romance e sua mais famosa obra, O Retrato de Dorian Gray, narra a história de um homem que comete as maiores barbaridades em nome do prazer e nunca envelhece, enquanto seu retrato pintado vai ganhando, pouco a pouco, contornos soturnos e aterradores. Sabendo toda a história bibliográfica do autor, para um leitor mais atento, Dorian Gray pode ser um pseudônimo para Oscar Wilde. Para maior entendimento, iremos analisar a obra.

A história passa-se no início do século XIX e retrata defeitos e qualidades de personagens da alta classe burguesa. Dorian Gray é o principal personagem. Tudo começa quando o artista plástico e pintor Basil Hallward conhece Dorian em um evento típico da alta classe em questão, fica completamente encantado com sua beleza e elegância e propõe fazer o seu retrato.

Aceitando a proposta, Dorian conhece também Lord Henry Wotton que, ao contrário de Basil, tem uma visão “boêmia” de beleza e, com sua arrogância e malícia, passa a corromper Dorian:

Algum dia, quando estiver envelhecido, enrugado, feio, quando a meditação lhe tiver murchado a fronte com as suas rugas e a paixão marcado seus lábios com horríveis estigmas, senti-lo-á, senti-lo-á terrivelmente. Agora, onde quer que apareça, encanta todo mundo. (...) Ah! Aproveite a sua juventude enquanto a tem. Não esbanje o ouro dos seus dias, dando ouvidos aos tediosos (...) Viva! Viva a maravilhosa vida sua! Não perca coisa alguma dela. Busque sempre novas sensações. Que nada o atemorize... Um novo hedonismo – é disto que precisa o nosso século. (WILDE, 1980, p. 32-33).

Dessa forma, Dorian começa a desfrutar um mundo que o era desconhecido até então: o mundo da vaidade, da satisfação sensual, da duplicidade moral, do esteticismo. Ao notar sua venusticidade estampada no retrato e ao receber elogios de pessoas de “alto patamar”, decide vender sua alma ao retrato em troca da juventude eterna, temendo a velhice. A partir de então, Dorian começa a perceber algumas mudanças na face de seu retrato.

Certa noite, Lord Henry o convida para sair com garotas de programa. Quando retorna à sua casa, identifica novas alterações. Por isso, retira o retrato da parede da sala, escondendo-o de todos. Posteriormente, compreende que sua pessoa deixa de envelhecer, passando tal característica humana para o retrato. Assim, aproveita a liberdade de não ter uma alma dentro de si; imerge em novas experiências amorosas, sexuais; prova bebidas e drogas; ignora as consequências de suas ações.

Um fato marcante, nesse ínterim, é sua relação com Sybil Vane, uma jovem de dezessete anos, de vida simples, que atua em um teatro do subúrbio. Dorian declara-se apaixonado pela moça, comparece a suas apresentações e exalta a genialidade da atriz. Contudo, é nítida sua paixão pelas personagens interpretadas por Sybil, e não por sua verdadeira pessoa.

Ao ser pedida em casamento, Sybil substitui a atuação pelo amor e decai a qualidade de suas apresentações, não entrando mais em suas personagens, mas interpretando a si mesma – com sua verdadeira face, com seu amor aparente – e sentindo-se livre de suas antigas atribulações. Desse modo, ao presenciar tal fato, juntamente com os amigos que estão presentes nesse dia, Dorian sente-se traído e arrasado. Em seguida, com inflexibilidade e frieza, humilha Sybil – lançada aos seus pés –, desfaz as promessas de casamento e amor eterno e retira-se. Ela, abandonada ao chão, ao vazio, dá cabo da própria vida.

Passado o ocorrido, Dorian observa o seu retrato novamente e visualiza novas transformações, novos contornos. Conforme comete maldades e atrocidades, o retrato ganha traços sombrios, rugas e deformidades; porém, sua aparência física permanece irretocável.

Nesse sentido, vale destacar a evolução do nível de maledicência que ocorre com o personagem. À medida que transcorre a narrativa, sua bondade e inocência transfiguram-se em uma perversidade cada vez maior, até chegar a determinado ponto que adquire um imenso ódio por Basil – que sempre o tentou ajudar e alertar –, criador do retrato, o qual, nesse momento, já se encontra em estado deplorável e monstruoso:

A impureza e o horror pareciam brotar de dentro. Em virtude de uma estranha vida interior, a lepra do pecado corroía lentamente aquele objeto. A putrefação de um cadáver em um túmulo úmido não seria tão medonha. (Ibidem, p. 188).

Ao presenciar tal evidência da malevolência obtida nos últimos anos, juntamente com a revelação da metamorfose de sua obra-prima para o próprio pintor, Dorian comete sua última transgressão:

Dorian contemplou o retrato e, repentinamente, um sentimento de ódio irrefreável contra Basílio apoderou-se dele, como se lhe tivesse sido sugerido pela imagem pintada na tela, como se lhe tivesse sido soprado por aqueles lábios sarcásticos. Os instintos enlouquecidos de uma fera acuada despertavam nele e detestou aquele homem sentado juntado à mesa, como nunca tinha odiado a ninguém em sua vida inteira. Olhou ferozmente à sua volta. Alguma coisa brilhava sobre o cofre esmaltado que se encontrava diante dele. Seus olhos pousaram sobre aquilo. Sabia o que era. Uma faca (...) Dorian lançou-se sobre ele e enterrou-lhe a faca na carótida, atrás da orelha, empurrando a cabeça contra a mesa e vibrando-lhe repetidos golpes. Fez-se ouvir um leve gemido e o ruído terrível de alguém que se afoga em sangue. (Ibidem, p. 189).

Após assassinar Basílio, decide acabar, também, com sua obra e tudo quanto ela significa, na tentativa de matar o passado e recuperar o sossego. Assim, enterra a faca no retrato. Ouve-se um grito e o ruído de um corpo que cai. Seguidamente, encontram o corpo, agora repugnante, de Dorian Gray, o qual só é reconhecido por ter os seus anéis.

O Retrato de Dorian Gray, portanto, relata as aparências da alta sociedade burguesa, com suas complexidades. Na perspectiva de um jogo entre o bem e o mal, certas atitudes atrozes dessa sociedade são criticadas, como a busca exagerada pelo prazer, pelo viver sem limites, o que pode ser relacionado com a época atual. Mais que isso, torna-se atemporal ao fazer o leitor refletir sobre suas atitudes e as de outrem, verificando como as tomadas de decisões – o bom ou o mau uso da consciência, do controle dos estímulos – podem afetar o mundo ao seu redor: um mundo que é de todos.

Outrossim, existe uma correlação entre as personalidades extravagantes de Oscar Wilde e Dorian Gray. Oscar era considerado um artista imoral e imprudente para os padrões da sociedade vitoriana. Da mesma forma, o anti-herói Dorian celebra a vida em meio a julgamentos morais até a sua decadência. Ambos simbolizam, logo, que o viver em liberdade tem suas consequências. No primeiro, a sociedade em questão não estava preparada para viver com a diversidade, persistindo preconceitos até hoje – na sociedade vigente. No segundo, o próprio personagem não está preparado para viver em sociedade, o que é uma influência das mazelas da própria sociedade, a qual é formada por pessoas – boas e más.

REFERÊNCIAS

WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. Tradução de Oscar Mendes. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.