É POSSIVEL ESTUDAR DEUS?
Breve análise sobre conceituações teológicas
Parte 1
*Por Antônio F. Bispo
Jaz o criador em uma mesa de laboratório do curso de ciências teológicas, pronto para ser estudado pelos formandos.
Inerte e por vontade própria, ele será “dissecado” pelos tais para que depois de entendido sua forma de ser e agir, ele possa ser retratado ao mundo de modo fidedigno e jamais a sua imagem e seu poder sejam deturpados.
É o estágio final do curso e esses aspirantes a representantes do divino precisam passar com honras nessa etapa final do curso para que depois de diplomados venham agir segundo a lei, a ordem e a justiça que só a santa igreja de cristo nesse mundo tenebroso pode representar.
Agora eles poderão juntar-se à tantos outros que interligam o mundo dos deuses ao mundo dos homens, a tantos sábios e profetas que deixaram nos anais da história os seus feitos.
Deus ali está deitado mas não está morto. Está apenas se deixando conhecer. É imperativo que cada um que ouse intitular-se como seu vigário conheça-o à fundo, de modo que não possa iludir e nem ser iludido, nem tão pouco tirar proveito da fé e da ignorância alheia. Nenhuma versão alternativa de sua personalidade e atuação poderá ser divulgada. Por esse motivo, todas as igrejas do mundo todo desde o início da era cristã segue o mesmo padrão em todos os aspectos. Todas elas são unidas. Todas elas se amam e os seus líderes trocam flores entre si e permitem que todos os seus membros visitem umas outras sem nenhuma coação ou ataques de ciúmes.
Desde o ano 384 da era comum quando Constantino estabeleceu o cristianismo como religião oficial do império que ele (deus), tem se prontificado a esse ritual de conclusão de curso para cada turma que faz ciências teológicas no mundo inteiro.
Nenhum aluno poderá ser diplomado sem esse TCC, considerando que o que estará em jogo é a coisa mais importante de todas: a salvação do homem por meio da pregação da palavra da verdade.
Permitir que picaretas, salafrários, ignorantes e aproveitadores saiam por aí abrindo igrejas e desonrando a sua majestade é algo que nenhum deus jamais tolerou, muito menos ele, o deus cristão, o único e verdadeiro.
Isso nunca aconteceu e jamais acontecerá!
Ele zela pela sua palavra para cumprir e nem um “J” ou um “Til” poderá ser diminuído ou acrescentado à sua palavra e nenhum dos seus atributos poderá ser vilipendiado.
Até hoje quando em má fé, nenhum pastor, bispo, sacerdote ou missionário permaneceu vivo para contar história após macular o nome do senhor ou a imagem da igreja. Todos eles morreram de forma horrenda. Nenhum deles ficou bilionário manipulando a fé.
Não, isso nunca ocorreu!
Nessa última fase do curso os alunos estão ansiosos para conhecer cada tecido, cada órgão e cada célula que compõe esse ser magnânimo. Conhecer a estrutura do criador que fez céus, a terra, o mar e tudo que neles há é um privilégio reservado a poucos. O momento é de emoção e a euforia toma conta de todos.
Assim como um estudante de medicina precisa conhecer à fundo o corpo humano e suas patologias, esses estudantes estudam a essência de deus para que possam receitar aos que comerão do corpo e beberão do sangue do seu filho, a cura para todos os males que pecado possa causar.
À partir daquele momento os formando serão o espelho para o mundo, um farol em meio as densas trevas e por ter tido contado direto com a essência do divino, somente o bem emanará de suas palavras e ações.
Assim foi. Assim é. Assim será!
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Pois bem, esse cenário hipotético nunca existiu.
É apenas uma forma cômica de ilustrar aquilo que muitos leigos e aspirantes (de boa-fé) pensam à cerca de um curso de teologia.
Achar que todos os que entram (ou se formam) nesse tipo de cursos tem intenções plenamente pura é tão infantil quanto pensar que todo mundo que se forma em direito almeja justiça, igualdade e equidade plena entre os homens.
Tão infantil quanto, é pensar que todo mundo que se forma em medicina deseja realmente curar doenças ou lutar em prol da vida (dos outros).
Outra ideia errônea que outras pessoas têm, é a de achar que uma obrigatoriedade a todos os formados (ou estudantes desse curso) a crença em deus, o estar filiado a algum tipo de igreja ou ser um defensor (debiloide) de qualquer linha teológica.
Isso não é regra, é opção! Assim como qualquer outro campo do conhecimento humano, ao adquiri-lo cada um poderá muito bem decidir onde aplica-lo (ou não).
Com o conteúdo absorvido em um campo como esse é bem mais provável que o estudante passe a ter tendências ao ceticismo, ateísmo ou se torne adepto de alguma linha filosófica do passado ou do presente.
Entender “como deus foi parido” é uma das oportunidades mais libertadoras que alguém pode ter na vida.
Nada paga o direito de liberdade adquirida a uma pessoa que antes amedrontada pela religião, agora poder dizer que não teme mais as ameaças de nenhum líder religioso ou de qualquer “livro sagrado”.
Uma coisa é desvencilhar-se da fé devido a uma profunda decepção sofrida dentro de um sistema religioso (ou por um religioso mau caráter). Isso poderá acarretar sentimentos de raiva, revoltas e vinganças ao que sofrera, podendo manifestar-se de diversas formas no futuro. A mais comum é abrir uma outra igreja, fazer tudo o que condenava no outro e mesmo assim proclamar-se santo e diferente.
Outra coisa totalmente diferente é libertar-se das garras da religião (e religiosidade) pelo poder do conhecimento ao entender como tudo tem sido feito e conduzido desde que o mundo é mundo. Um astrônomo vibra com um nascimento de uma supernova. Um liberto vibra entender como nascem os deuses.
Quem almeja estudar a deus ou tornar-se intimo dele por meio de um curso, informo que isso é impossível!
A fé (ignorância, medo, temor, manipulação) aproximam o homem daquilo que comumente chamam de deus, ou seja o reflexo do seu eu interior ou a projeção consciente de um arquétipo social feita pelos que governam as massas.
O conhecimento dos fatos por sua vez, faz com que o homem transcenda desse estágio infantil para um estágio mais avançado, fazendo com que este tome para si as responsabilidades pelos seus atos, sucessos e fracassos, sem ter nenhuma força da luz ou das trevas para culpar ou atrapalhar.
A fé (cega) tende a tornar o homem imaturo, irresponsável e mentiroso, mentindo principalmente para si mesmo, ainda que todas as evidencias provem o contrário de sua afirmação de fé. Quanto mais estupida e mais fantasiosa for esse constructo interno e quanto mais bizarro for os feitos do que tivera essa teofania, mais louvado esse será. Assim surgiu os pais fundadores de cada igreja e religião.
Ninguém estuda deus!
Deus é um conceito. Uma teoria. Um estímulo que faz ocultar (ou fluir) nos homens aquilo que de pior (ou melhor) há em si.
Até mesmo quando dizem estar fazendo o bem em nome de deus, os que o fazem, podem estar fazendo (sem o saber) em prol de uma bandeira ideológica, representando sua própria igreja ou “grupo de escolhidos”. Segundo a própria bíblia, isso torna inválido todo ato de bondade e caridade feita por eles. A bíblia chama isso de hipocrisia ou profundo desejo de ser louvado pelos homens (Mt 23).
Além disso, ninguém estuda deus pois deus é imaterial, incorpóreo, inacessível, invisível e inimaginável.
Nada pode mensurá-lo ou contê-lo. Ele está em todos os lugares e em lugar nenhum ao mesmo tempo. Pode fazer tudo, porém nada decide fazer para ajudar aos seus servos ou calar os que dele duvidam.
Ele possui em si, todas as característica de um ser INEXISTENTE. Mesmo assim, os que o invocam o denominam como ser único, universal, eterno e auto existente.
Os que se dispõem a estuda-lo (nos cursos teológicos), logo perceberá que assim como a filosofia, a teologia estuda deus no campo das ideias sobre aquilo que as pessoas pensam dele, bem como as ações que por meio desses pensamentos e interpretações foram movidas
A própria bíblia diz que homem nenhum viu a deus.
Portanto, diferente de outros objetos de estudo cientifico, deus não pode ser revisado por pares e duas ou mais pessoas juntas jamais chegariam a mesma conclusão mediante um estudo aprofundado de sua “matéria”.
Tudo nele é mistério e toda religião só subsiste se for assim.
O que pode ser palpável e conferível não gera tanta fé quanto o inominável. Sem falar que no deus metafísico, mentalmente cada um pode considerar-se um escolhido e fazer sua própria versão de guarda pessoal, usando-o como paliativo próprio ou para o abate do outro.
Os deuses povoam o imaginário coletivo de todos os povos desde tempos imemoriais.
Todos os povos do mundo representam o sagrado e o profano de formas diferente. Isso é inegável.
Em certos casos, o deus de um povo é o demônio de outro e vice e versa.
Sacerdotes, profetas e teólogos existiam (ou existem) para interpretar essa suposta vontade dos deuses ou ajudar os seus súditos na escolha e execução das oferendas pessoais de seus súditos. O teólogo existia para convalidar deus, ou seja: dar um atestado intelectual “plausível” de suas obras segundo a fé do povo. Ele tinha o poder de “mata-lo” e reconstruí-lo quantas vezes fosse necessário à fim de adaptar deus ao povo ou o povo a deus.
Para cada problema social, pandemia ou fenômeno natural que surgia, novos problemas apareciam e com isso novos medos. O povo inventava então mais um “acessório” ao deus já existente para turbinar o seu poder e assim resolver esse problema até então desconhecido.
A incompreensão do universo, da natureza, do corpo e da mente humana sempre fora em todas as culturas a principal motivo da mente que cria os deuses. O medo é o principal dele, até porque o medo se manifesta de diversas formas, inclusive no acúmulo de riquezas, de gordura localizada, de parceiros e de coisas que um grupo local aprecia e tem como valiosa.
Um medo gera um mito. Um mito cria um rito. Um rito move um culto. Um culto estabelece um padrão. Esse por sua vez dará o suporte para as religiões, que depois de formar muitos adeptos, estatizará a moral, a família e até o próprio estado caso o governante seja um frouxo ou um corrupto.
A religião se torna assim tão sólida pois ainda na fase do culto um espertalhão percebe que pode tirar proveito do medo coletivo em benefício próprio.
CONTINUA...
TEXTO ESCRITO EM 28/6/21
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.