O FENÔMENO DO ENCONTRO
O fenômeno do encontro sempre se manifesta no deixar acontecer, no deixar ser o que só o ser pode ser; também se manifesta no dar livre curso a uma aproximação gradual que favorece a dignidade das almas envolvidas; enfim, ele acontece quando há o alinhamento e a harmonização de propósitos de vidas, destinos e de realidades que se interconectam num determinado tempo e espaço.
A palavra encontro em nossa língua tem uma riqueza bem pouco reconhecida e uma beleza em decorrência da transmutação de três pequenas palavras para a melhor composição de um todo cheio de sentido (o que já não podemos dizer tão bem de outras línguas a respeito dessa expressão, que melhor combina na performance gramatical do português).
Pois na língua portuguesa, o seu significado aparece bem melhor definido, trazendo uma grafia composta de três grafias que, sozinhas, se tornam quase vazias de sentido, embora sejam essenciais para a definição de situações. Essa palavra aglutinada (encontro), no que diz respeito a definição de seu significado, nos remete ao ir em direção do estranho, ou melhor dizendo, do diferente que vem a se tornar mais próximo de nossa existência, de nossa realidade, de nossa intimidade e de nossa vida anímica.
De maneira tão simples, percebemos uma aglutinação de duas preposições e um pronome indefinido. As preposições, ''em'' e ''com'', podem dar a entender, de uma vez, a ideia de morar no coração do outro ser e, ao mesmo tempo, de estar perto ou junto a alguém que passou a ser mais íntimo de um ser; já o pronome indefino, o pronome ''outro'', pode indicar aquele que pouco, quase nada ou até mesmo nada conhecemos em determinado instante, ou seja, não deixa de ser aquele que transcende a nós mesmos e ao nosso conhecimento, aquele que para nós subsiste um mistério (mas quem pode duvidar que, em certo momento, não possa vir-a-ser melhor conhecido e compreendido?).
Na verdade, estar-com-o-outro, viver-com-o-outro, ser-com-o-outro, se reconhecer-com-e-no-outro, só é possível mediante a arte sublime do encontro, do em-com-o-outro, um acontecimento que dá uma ideia do originário do despertar do outro em nós, e que só é possível graças ao milagre da vida que se vive no seu lançar-se na descoberta de outras realidades; e da esperança, da companheiricidade, da cumplicidade, do amor ou da amizade entre dois seres vivendo na radicalidade do desbravamento de um novo universo.
No encontro, nessa atmosfera ausente de obstáculos intransponíveis no interior de duas vidas responsáveis e comprometidas, reina a condição da não imposição do ato de fazer a vontade a qualquer preço, muitas vezes apostando até na realidade do milagre, dessa operação quântica e sobre-natural atuando de uma maneira surpreendente e espantosa no natural da vida. De fato, na fenomenologia do encontro está implícito a existência da espontaneidade, dos anseios e dos esforços mútuos no interior da própria relacionalidade, alimentando o imaginário do querer se efetivar a fascinante jornada da inter-ação, da inter-pelação do não conhecido no outro, da co-existência e da inter-subjetividade.
Viver essa realidade é uma dádiva para quem está disposto, evidentemente, a descobrir um mundo desconhecido, o qual pode muito bem, se houver maturidade espiritual e coragem; se houver a disposição da com-apreensão e da reverência no que diz respeito ao mistério do outro, favorecer a riqueza do aprendizado mútuo das verdades da alma.
Não podemos negligenciar que a arte desse acontecimento extasiante chamado ''encontro'' demanda criatividade e sabedoria por parte de um ser buscando ser inteiro e mais dinâmico, em direção a um outro ser em busca também de sua autenticidade (e vice-versa): ambos sempre abertos ao olhar, ao abraço, ao diálogo, ao caminhar juntos e ao desnudamento do próprio coração em meio a aventura humana da intersubjetividade, um elo que pode conduzir a uma profunda transmutação de duas personalidades, ou seja, rumo ao autoconhecimento e ao (re)conhecimento dos fragmentos desse ser-humano recém-germinado no coração de outro-ser-humano, no chamado fenômeno do se reconhecer entre si e no se relacionar que gera a comunhão, o afeto recíproco e o diálogo.