A MORAL E A JUSTIÇA SOCIAL BASEADO EM LIKES E CURTIDAS

*Por Antônio F. Bispo

Pensem nos seguintes nomes: Sócrates, Platão, Confúcio, Savonarola, Lutero, Giordano Bruno, Copérnico, Gandhi e Tiradentes.

Esses foram alguns influenciadores do passado. Seus ditos e feitos mudaram o rumo da história humana e trouxeram luz onde só haviam trevas. Apesar de alguns dentre esses ter vivido há mais de 25 séculos, seus ensinamentos permanecem atuais e várias sociedades no mundo inteiro continuam tirando proveito dos seus feitos. Estes foram filósofos, teólogos, matemáticos, cientistas e líderes populares.

Entre tantas virtudes que eles possuíam, a coragem para enfrentar a misticidade, a ignorância, a ganancia e a tirania de uma época ou de um povo era a principal destas qualidades. Estes colocaram em risco a própria segurança, liberdade, status social e até mesmo suas vidas.

Não havia likes, curtidas, monetizações e nem tão pouco ganhavam milhares de dólares por hora para dizer o que pensavam, sentiam ou faziam, antes sim, o escárnio era a maior recompensa dada a eles pelos seus contemporâneos, que levados pelo temor de uma perseguição do clero ou de outros tiranos, acabavam sendo influenciados por tais temores.

Muitos destes pensadores viveram em exílios ou escondidos por longos anos. Outros ainda foram mortos de forma cruel pela autenticidade de seus ideais ao enfrentar uma ou várias formas de tirania.

Alguns destes tornaram-se conhecidos somente séculos depois de mortos, quando pensadores e estudiosos posteriores descobriram e republicaram suas obras. Mesmo assim, pensando em um futuro melhor onde a liberdade de expressão, de pensamento e deslocamento pudessem ser melhoradas, muitos deles (e centenas de outros) deram as suas vidas pela causa em que acreditavam.

Ainda bem que tais pessoas existiram e deixaram o seu legado em uma outra época, diferente da atual em que a moral está se tornando líquida e o senso de justiça coletiva advém do números de interações em alguma publicação feita por celebridades virtuais.

O comportamento daqueles que hoje são vistos como heróis nas redes sociais, no passado eram justamente os vilões que agiam assim, ou seja, os inquisidores e policiais de pensamento. Estes nunca foram vistos com bons olhos pela classe pensante e nem pelo povo comum, pois de acordo com os próprios interesses ou bolha religiosa e cultural em que viviam, tinham o seu próprio cânon para definir quem era herege, santo ou pecador. Eram as pessoas mais abomináveis de sua época e nãos as mais paparicadas

Em nossos dias atuais esses valores estão sendo invertidos. Quem menos faz, menos entende e menos se mexe para fazer algo realmente proveitoso é quem mais exige perfeição no feitio alheio.

O ser didático (aquele que aplicava parte do seu tempo para ensinar aos outros algo útil) está sendo substituído pelo ser lacrador (aquele que nada aprende, nada ensina, nada analisa mas quer sempre ter apalavra final em tudo, sempre baseado naquilo que seus seguidores afirmam estar em evidencia).

Assim como o líquido assume a forma do recipiente em que for colocado, esse tipo de “intelectual” dos tempos modernos, assumirá uma opinião, forma de discurso, defesa ou ataque baseado naquilo que mais lhe trouxer dividendos.

Em Novembro do ano passado por exemplo, um dos maiores “pensadores” e influenciadores digitais do Brasil, afirmou que havia perdido mais de 17 mil reais em apenas uma hora devido a uma queda de transmissão em uma plataforma digital. Isso equivale a mais de 400 mil reais de lucro em um único dia.

A renda bruta anual da maioria dos brasileiros é de apenas 14 mil reais (considerando o atual salário mínimo de 1.100,00 R$). Em outras palavras, este sujeito ganha mais em uma hora “de serviço” que um trabalhador comum ganharia em um ano inteiro e seria necessário somar a renda anual de outros 29 aposentados comuns para equiparar o que ele diz ganhar em apenas 1 dia de serviço.

O quanto ele ganha ou deixa de ganhar seria por si só o menor dos males. No capitalismo isso é muito comum. Ganha-se mais dinheiro usando o cérebro do que usando esforço físico ou longos anos de preparação intelectual.

O problema não está exatamente em quanto um sujeito desse tipo afirma ganhar, mas sim em como ganha e como seu faturamento irá influenciar na vida do povão geral, já que uma pessoa comum costuma confundir o alto faturamento de alguém com seu caráter e jeito certo de vencer na vida. Devido aos longos anos de escravidão que o ocidente foi submetido, é comum que uma pessoa comum pense que alguém com um faturamento maior que o seu próprio, possa influenciar diretamente em sua vida pessoal.

Outro fato é que os que conseguiram fazer fortuna por meios virtuais costumam se mudar de país mas mesmo assim (sem vivenciar de perto nossa realidade) continuam (por meio da fortuna e imagem que construíram) influenciando o nosso destino.

Alguns destes mesmo vivendo fora ou aqui dentro mesmo, com os rendimentos que possuem conseguem ter conforto, segurança, alimentação e liberdade de locomoção que até 100 atrás só seria possível nos contos de ficção.

Aos que ainda tem dúvida sobre esse fato, basta “viajar no tempo” e retornar 4 anos atrás, quando as perspectivas das eleições presidenciais de 2017 ainda era incerta e as pesquisas diziam que o atual presidente tinha apenas uma ínfima chance em relação a outros veteranos na tentativa no pleito eleitoral.

No entanto, com o auxílio de milhares influenciadores digitais o jogo virou e o “milagre” aconteceu. Como em uma simbiose, muitos o ajudaram a eleger-se e outros só foram eleitos por declarar apoio a ele.

Hoje, quatro anos depois quando outro pleito eleitoral se avizinha, uma boa parte daqueles influenciadores que antes endeusavam o atual gestor não fazem outra coisa senão demonizá-los em todos os sentidos. Alguns se arrependem de tê-los apoiado, enquanto outros com a cara de pau, dizem que nunca o fizeram mesmo com dezenas de postagens afirmando o contrário.

Boa parte dos influenciadores que no passado chamavam de gado e burro quem apoiava o outro lado, hoje usam os mesmos termos para rotular quem decidiu ficar com o “mito”.

Não quero com esse parágrafo afirmar que o atual presidente seja bom ou ruim. Estou apenas ilustrando o quão nos tornamos vulneráveis nas mãos do “intelectuais midiáticos”, que mudam de opinião à medida que sua monetização aumenta ou diminui.

Entre muitos destes não há moral, nem honra, nem mérito, nem dignidade e nem tão pouco um ideal formado sobre absolutamente nada. Há apenas o interesse no lucro rápido e se possível permanente. Estes se puderem, são capazes de servir simultaneamente a deus e ao diabo e quando confrontados, atribuem aos outros tudo aquilo que eles mesmos são: hipócritas, oportunistas, indecentes e indecisos.

Pena que boa parte dos nosso jovens entre os 7 e 30 anos tem tido desde 2008 suas ideias de mundo, sociedade, justiça e lutas sociais baseado no que estes influenciadores dizem.

Não estou dizendo com isso que qualquer pessoa não deva ou não possa mudar de opinião baseado em estudos, pesquisas, análises profundas ou decepções próprias sobre algo ou alguém. Estou dizendo que mudar (todos os dias) de opinião somente para se manter em evidencia é de uma hipocrisia sem limites.

Por outro lado, ninguém dá aquilo que não se tem.

Cobrar de alguns destes influenciadores algum tipo de decência é como exigir quem um amputado sem braços e sem pernas seja um perito em serviços manuais de extrema precisão. Os mitos de um povo costumam sempre refletir a mentalidade deste mesmo povo.

Houve uma época na história no mundo ocidental em que a igreja (e somente ela) queria ter a palavra final em absolutamente tudo em relação ao homem e ao cosmo. Toda “verdade” era construída e difundida através desses autoproclamados “representantes de deus”. Esse período passou a ser chamado como idade das trevas.

Com o racha da igreja e a pluralidade de usos e costumes que esta veio a se tornar, não apenas os padres e os papas construíam a verdade mas os pastores, missionários e qualquer um (ainda que um imbecil declarado) portando uma bíblia se achava no direito de impor suas verdades aos demais em redor.

Á partir de 2005 com a popularização da internet, todos os tipos de “pensadores, intelectuais e administradores da vida alheia” se fizeram notar e não apenas esses outros acima citado.

É preciso assumir que muitos destes se destacaram por que realmente tinham algum tipo de conteúdo proveitoso a mostrar. Estes, assim como tantos outros do passado trazem culturas e verdades que de outra forma não seria possível mostrar, e que para fazê-lo põem em risco suas finanças, sua honra e a segurança da própria família por irem de encontro à assuntos extremamente delicados ou poucos debatidos.

Outros porém (a maioria que me refiro) perceberam que para “ter sucesso” e ganhar dinheiro fácil nessas plataformas, basta criticar ou elogiar cegamente alguma figura pública ou ideologia em evidencia bem como usar de chacota, desprezo, arrogância e prepotência contra outras.

Se acrescentar a isso caras e bocas, se apelar para a sexualidade, para emoções baratas, para o coitadíssimo ou se simular depressão, o resultado será ainda melhor.

De modo geral, as massas estão sempre à procura de alguém para idolatrar (projetando nestes seus sonhos e conquistas) e alguém para demonizar (atribuindo aos tais os motivos de suas mazelas). Qualquer um que entenda esse perfil humano e queira entrar nesse jogo (sujo) poderá se dar muito bem. As religiões vivem disso há milênios e provam que isso funciona...

Aos que vivem mergulhado nesse tipo de mundo (das construções da moral líquida), fica cada vez mais difícil achar um porto seguro, já que a opinião destes mudará conforme a opinião do seu ídolo.

A confusão fica ainda maior se levarmos em conta que grandes empresas não se importam em patrocinar gente sem cérebro, desde que o seu conteúdo traga milhares de views. Representantes de algumas dessas empresas depois fazem campanhas milionárias apelando para o bom senso no uso das palavras, dos recursos naturais e aconselhando o caminho da paz para os povos, quando em grande partes foram elas que patrocinaram o sujeito que criou algum tipo de militância louca.

Mediante tanta falta de equilíbrio podemos concluir que diferente grandes nomes da música, do pensamento, da indústria e dos seguimentos científicos de todos os tempos já mais serão afetados por esses que como palha se queima com grande rapidez.

Algumas sequelas da influência destes ficarão, mas logo a sociedade se refará. No final, os loucos se consomem ou se destroem e a sanidade sempre vence.

Por hora basta lembrar disso: ter opinião própria não é crime; mudar de opinião de forma inteligente também não; você (se quiser) pode ser um indivíduo e não um objeto de fetiche da esquerda, da direita ou de qualquer outro tipo de ideologia que por imposição te tratem como objeto.

Quanto mais você olha para um abismo, um abismo olhará de volta para você. Despir-se de quem tu és a fim de agradar uma bolha temporária te fará uma pessoa amargurada, frustrada, castrada e sem rumo.

Nem todos os que publicamente afirmam defender seu ideais, seus direitos ou lutas de classe na verdade o são ou o fazem.

Conhecer o mínimo sobre o comportamento humano e sobre o estudo das civilizações poderá te tornar menos influenciável por gente maluca e sem rumo, que faz do lacre sua bandeira de vitória e a humilhação alheia seus símbolos de conquista.

Os livros (de todas épocas e povos) podem ser fontes bem mais confiáveis que muitos desses influenciadores, afinal muitos destes (livros) já passaram pelo maior de todos os crivos (o tempo) e mesmo assim permanecem em evidencia.

Duvide sempre de qualquer verdade inquestionável e rejeite todo tipo de opinião pronta! Quem assim o fizer, a lucidez te acompanhe sempre.

REVEJAM SEUS CONCEITOS.

Saúde e Sanidade a Todos!

Texto escrito em 6,6,21

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 06/06/2021
Código do texto: T7272928
Classificação de conteúdo: seguro