Rotação Retrógrada de Vênus
Os sentidos de rotação e translação dos planetas do sistema solar estão intimamente relacionados ao momento angular da nuvem protoplanetária que os originou. É o motivo de todos translacionarem em torno do Sol na mesma direção angular de sua rotação, bem como os próprios satélites destes planetas, ao menos aqueles formados nas mesmas nuvens protoplanetárias deles, também os orbitarem neste sentido. Ou melhor, quase todos.
Existem os satélites capturados posteriormente às suas formações também, como é o caso de Deimos e Phobos de Marte, onde precisamos envolver probabilidades estatísticas. Mas é mais provável que suas rotações também respeitem isto, embora talvez suas translações possam ser mais aleatórias.
Vênus e Urano possuem rotação retrógrada. O caso de Urano é um pouco mais complicado e igualmente interessante, pois na verdade seu eixo de rotação é quase paralelo ao plano de translação do planeta. Cerca de 98º inclinado em relação ao eixo de translação, o que o faz ter dias e noites intermináveis em seus hemisférios em duas estações de seus longos anos, verão e inverno. Algo semelhante ao que ocorre em nossas regiões polares no verão e inverno, só que por uma superfície do planeta que se estende até quase seu equador. Bom, mas apesar de interessante, Urano não é nosso tema no momento. Plutão também tem rotação retógrada, de 120º. Ah, mas Plutão nem planeta é... :-D
A rotação de Vênus, além de completamente retrógrada (cerca de 177º inclinada em relação ao seu eixo de translação) é bastante lenta. Com 243 dias terrestres, é mais lenta inclusive que sua própria translação, de 224,7 dias. Único caso em nosso sistema solar de um planeta com um dia sideral mais longo que seu próprio ano. Ainda bem que Vênus é inóspito para a vida inteligente, porque os supostos venusianos teriam muita dificuldade em elaborar seus calendários. :-D
Uma teoria para esta rotação retrógrada aponta que Vênus teria originalmente se formado com movimento prógrado, como todos os demais corpos formados na nebulosa solar, mas desde o princípio efeitos de maré causados por sua densa atmosfera teriam amortecido seu movimento até pará-lo, conforme estudos de Correia e Laskar(2003).
Outra hipótese é de reversão causada por impactos gigantes no início da história do planeta, dos quais nós próprios seríamos um exemplo com a teoria mais aceita e consolidada hoje do impacto primordial que teria originado nossa Lua. Em Vênus isto teria acontecido com tal intensidade e direções bem específicas capazes de reverter sua rotação. Modelos de estudos de Alex Alemi e David Stevensom, do California Institute of Technology, mostram que ao menos uma lua tenha sido originada em Vênus decorrente deste impacto, porém sua órbita teria se espiralado em direção ao planeta causando sua queda e fusão. O oposto do que aconteceu aqui na Terra, cuja Lua se afasta pouco a pouco com o passar do tempo, inclusive também freando nossa rotação que era bem mais rápida há meras centenas de milhões de anos atrás. Antes de perderms nossos répteis gigantes, também conhecidos como dinossauros.
Existe uma terceira hipótese de que o eixo de rotação virou porque simplesmente virou, decorrência de movimento caótico que podemos observar algumas vezes acontecendo em giroscópios. Acontecem, ningém sabe por quê, nem faz sentido perguntar isso, mas acontecem. E aconteceram em Vênus: algo interno desestabilizou sua rotação, ele reagiu, e tentou encontrar uma nova configuração estável, Que no caso era girar em 180º seu eixo original. Simples assim! :-)
Uma quarta hipótese, bastante discutível e nem levada muito a sério, apresenta Mercúrio como uma ex-lua de Vênus. É baseada em cálculos feitos por Van Flandern e Harrington (Uma Investigação Dinâmica da Conjectura de que Mercúrio é um Satélite Escapado de Vênus. Icarus 28: 435-40, 1976). Ela sustenta que à medida em que Mercúrio, originalmente uma Lua de Vênus, se afastava, produzia arrasto rotacional e elevava marés na densa atmosfera venusiana. Algo que pode sustentar esta hipótese é que estas marés de Mercúrio sobre Vênus estimulariam atividades tectônicas e elevação de montanhas e cordilheiras gigantescas no planeta, o que explicaria a liberação maciça de carbonatos em sua atmosfera, antes escondido em seus subterrâneos, que acabaram causando o enorme efeito estufa conhecido atualmente. Um grande problema nesta hipótese (e isto é opinião pessoal, para que fique claro) é que neste processo seria difícil explicar a estabilização final de Mercúrio em sua órbita atual. Ele translada e rotaciona em sentido prógrado, o que me parece forte indício de que originalmente ele se formou mesmo como planeta como todos os demais, não sendo possível explicá-lo como uma antiga lua desgarrada de Vênus... Mas trata-se de uma hipótese interessante demais para não ser ao menos considerada.
Para finalizar, só como curiosidade, vamos analisar o dia solar de Vênus. Dia solar é o período aparente para o Sol, no céu do planeta, voltar à mesma posição em relação ao fundo cósmico estelar. Devido à rotação retrógrada, o dia solar de Vênus é significativamente mais curto que seu dia sideral, sendo de 116,75 dias terrestres. Nos demais planetas, inclusive a terra, o dia solar é mais longo que o dia sideral. Nosso dia sideral, por exemplo, é de 23 horas, 56 minutos e 4 segundos, menor que a média de 24 horas de nossos dias solares (que mudam ao longo do ano), explicado pelo fato de rotacionarmos na mesma direção de nossa translação, mas num movimento angular de intensidade bem maior! O dia solar é o intervalo entre dois meios-dias consecutivos no planeta. Acontece que os intervalos entre duas aproximações máximas do planeta Vênus em relação a nós é de 584 dias terrestres, exatamente 5 dias solares venusianos (façam as contas, o erro é na terceira casa decimal, desprezível! Que significa uma parte em mil?). Pode ser ressonância orbital, pode ser apenas uma incrível coincidência. A questão continua ainda em aberto...
FONTES:
http://astro.if.ufrgs.br/ssolar.htm
https://eternosaprendizes.com/2009/04/24/qual-a-razao-do-movimento-retrogrado-de-venus/
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0019103503000423
https://qastack.com.br/astronomy/26/what-is-the-current-accepted-theory-as-to-why-venus-has-a-slow-retrograde-rotati