OS INFERNAIS

Capítulo 2 da série: Á PROCURA DOS ESCRITOS PROFANOS

Por Antônio F. Bispo

Após dias lendo secretamente partes continuadas daquelas “heresias”, Doulos já não se sentia tão culpado como estivera no primeiro contato com aquele tipo de literatura.

Uma paz interior começava a tomar forma em seu ser. Era muito estranho, principalmente por que crescera ouvindo dizer que fora da igreja e longe de deus, era impossível ter paz.

A paz que a igreja ofertava na verdade era só uma faixada para esconder as dúvidas, frustações, libidos e desejos reprimidos das mais variadas formas de todos os fiéis.

Naquele ponto, ele percebia por conta própria que quanto mais falastrão fosse um “servo de deus”, mais perturbado era essa pessoa e por consequência disso, tentava roubar a paz de todos à sua volta.

Notara ainda que quase todo crente chato e falso moralista era semelhante a um eunuco que por conta própria fizera sua auto castração e agora arrependido e infecundo tentava castrar todos ao redor para que a libido e fertilidade alheia não os lembrassem de quão tolos e radicais eles foram.

Era comum ver gente desse tipo azarando outras pessoas sem nenhum motivo, incomodado sempre com felicidade alheia, fosse essa expressa por meio de uma reunião com outras pessoas ou de modo isolado, pela simples apreciação do belo ou algo satisfatório ao observador. Diziam sempre que a alegria só se encontrava em jesus, adorando a deus dentro de uma igreja sob a orientação de algum “ungido de deus”.

Para completar, boa parte dos líderes mais antigos faziam o povo acreditar que se alguém conseguisse fama, sucesso e dinheiro longe da igreja, podia ter certeza que estes eram frutos de pactos os com o diabo.

Diziam isso inclusive de empresários não crentes, que possuindo ousadia, capacidade de liderança e bom tino comercial conseguiram fazer fortunas de modo honesto.

Os tais (sabichões) insistiam em dizer que mesmo assim, toda essa benesse não podia ser coisa de deus, já que a pessoa em questão não era um crente batizado, um dizimista fiel e não pertencia a nenhuma igreja.

Nesse tipo de sermão indecente, tais pregadores sempre citavam como exemplos, figuras da política, do cinema, dos esportes, do mundo da moda e qualquer outra pessoa que conseguia ganhar bem ou viver melhor que um “servo de deus”.

Alertavam sempre: “não se deixem enganar! Fora da igreja não há benção nem salvação! Isso é coisa do capeta. Vocês não sabem o que essa gente faz às escondidas...”

Daí começavam a citar aqueles velhos testemunhos de ex-bruxos que agora crentes, diziam ter vendido ao diabo a alma dessa ou daquela celebridade (só balela).

Nesse momento, já com uma visão mais crítica do mundo, Doulos começava a rever todos OS SEUS próprios CONCEITOS quanto a sua fé, a sua igreja e tudo aquilo que por décadas dizia ser verdade absoluta, até por que, quase toda essa “verdade” a ela ensinada vinha por meio de ameaças e coações psicológicas como tem sido comum em várias religiões “monoteístas”.

Ele nunca tivera opção de questionar nada abertamente. Agora em silencio ele remoía todo o aprendizado e comparava o que dizia a bíblia com as condições físicas e psicológicas de certos crentes de sua igreja assim como os de outras.

Percebeu que dezenas de coisas estavam erradas ou eram contraditórias, principalmente o temperamento de muitos dessas “pessoas pacificas e guiadas pelo espírito santo”.

Entre os tais, havia alguns que secretamente Doulos chamavam de OS INFERNAIS.

Ele se referia assim àqueles que ao invés de seguir a fé que professavam, viviam em função de perseguir, criticar e ofender abertamente a fé, a conduta e os costumes alheios (inclusive dos próprios irmãos na fé).

Era pessoas que indiretamente controlavam a igreja e os pastores não se davam conta disso.

Percebeu que não apenas na sua igreja era comum esse tipo de gente, mas em todas elas havia um grupos com esse perfil.

Estes compravam os líderes com bajulações e presentes baratos para conseguirem funções privilegiadas na igreja.

Viviam a criar inimigos imaginários aos mesmo tempo que se prontificavam a orar pelos seus líderes, para que deus os livrassem desse tipo de ameaça que só existia na cabeça deles mesmos. Com tanto “zelo e cuidado” era difícil um líder religioso não cair no papo deles. Eram mestres na arte da manipulação.

Assim como os antigos impérios do passado eram por manipuladores dos governantes, esses seres maléficos estavam ali para por meio da manipulação, inveja, cobiça e ganancia a gerenciar de forma oculta a igreja qual estavam inseridos.

Como no passado, essas pessoas tinham carta branca do corpo eclesiástico para perseguir, inquirir e torturar (psicologicamente) qualquer um que pessoa que não estivesse nos padrões de santidade criados por eles mesmos.

Eram pessoas que mal conheciam a bíblia que portavam, nem a história do cristianismo e nem tão pouco a história da igreja qual faziam parte. A única coisa que conheciam era o ódio, o rancor e a ira sem medida, e que baseados numa métrica imaginária viviam caçando bruxas como se estivessem ainda na idade média.

Eles tinham o próprio Malleus Maleficarum, escrito na tábua rasa dos próprios corações, e sob esse código de conduta saiam a perseguir dezenas de alvos diferentes, desde crentes de igrejas concorrentes por usos e costumes, até as pessoas sensatas da própria igreja que queriam apenas viver a própria vida e fé, sem interferir ou opinar sobre a vida de ninguém.

-Escolham um lado! Quem não está conosco está contra nós!

Essa era a frase preferida dessa gente. O fanatismo deles ia além de qualquer probabilidade. Eram totalmente imprevisíveis e poderia causar desordem a qualquer hora, em qualquer ambiente e com qualquer pessoa.

Depois da desordem iniciada, berravam, urravam e gritavam feito loucos contra o alvo, impedindo-o covardemente que se defendessem, sempre invocando um poder ou autoridade divina para justificar tais atos.

Depois, como “o pombo enxadrista” que derruba todas as peças e caga no tabuleiro, eles iam para as suas igrejas pregar nos cultos e contar vantagem, narrando momentos épicos que nunca existiram, contando detalhes de uma batalha in gloriam e mentirosa, dizendo ter vencido o diabo, quando na verdade estavam a serviço do próprio, caso esse fosse real.

Essa gente barraqueira de carteirinha não tinha vergonha nenhuma do que faziam. Achavam que era bonito ser feio!

Gostavam de se espalhar, e quanto mais gente havia em um local, mais intenso era ataque sobre o seu alvo, geralmente mirando os tímidos e os que aparentavam ser desprovido de cultura ou boa retórica para defender-se por conta própria.

Amavam atuar em locais públicos como praças, filas no comercio, estações de ônibus e metrôs. Esse último era o favoritos deles, pois assim que o trem entrava em movimento, era impossível alguém descer antes da próxima estação, desse modo, todos (ou pelo menos o alvo em questão) seria obrigado a ouvir da boca dos INFERNAIS a “mensagem de salvação”.

Quase sempre andavam em bandos.

Primeiro entoavam um “cântico de poder” ou um “versículo de fogo” (apocalíptico), para depois, de forma grosseira, arrogante e imperativa, vociferar contra os passageiros palavras de ordem, dizendo ser mensagem de salvação, esperando que todos abaixassem a cabeça e “comessem calado o pão dos céus”.

Quando alguém ria ou demonstrava sentir-se incomodado com esse circo de horror, os tais encarnavam um personagem, faziam uma voz cavernosa, olhava bem para a vítima e diziam:

-Eu sou o senhor teu deus e exijo reverencia! Como ousas rir de mim, da minha profecia e do meu profeta? Sou eu quem dou a vida e eu mesmo a tiro...blá, blá, blá...(uma rajada de línguas estranhas, um sapateado e uns pêndulos para um lado e para o outro sempre acompanhavam tal interpretação barata).

Os insultos seguiam até que alguém que algum funcionário da companhia os mandassem parar, caso contrário iam de uma estação à outra “pregando a palavra de deus”.

No quesito perseguição, esses santarrões de araque tinham como alvo principal os gays, lésbicas, “macumbeiros” e pessoas ligadas ao espiritismo.

No passado esse tipo de abutre afrontava de forma mais aberta a essa gente. Agora com o avanço das tecnologias e aprimoramentos nas aplicações das leis quanto a esse tipo de comportamento, os tais reduziram os ataques (ou pelo menos procuraram mascará-los), insultando-os de forma secreta e não frontal.

Como precisavam de outro objeto para destilar publicamente o ódio que sentiam, fizeram dos desviados seu novo alvo. Ou seja: qualquer pessoas que por algum motivo deixara de frequentar uma igreja (principalmente a deles) e dizia abertamente dizia não querer mais voltar para nenhuma delas se tornara o novo alvo de perseguição.

Baseando-se sempre “nas sagradas escrituras”, distorcendo, aleijando, inventando ou manipulando tudo aquilo que diziam ser sagrado, eles não iam dormir à noite sem que durante o dia não tivesse perseguido pelo menos um deles. Tudo isso pelo puro prazer de tentar reduzir alguém ao pó, à fim e sentir-se grande.

Doulos pensava consigo mesmo: “Gente mais imbecíl e hipócrita não deve haver no mundo todo! De certa forma ele tinha razão...

Como esse tipo de conduta (perseguição aos que se desligam de igrejas) ainda não é retratado civilmente como crime (apesar de ser) esse povinho tende a difamar, caluniar, perseguir e distorcer a vida, o passado e o presente de qualquer pessoa que tenha se desligado duma igreja, mesmo não levando em conta (apesar de saberem) os motivos que os levaram a tal decisão.

Muitos dos que deixaram esse ambiente, o fizeram em decorrência de abusos ou humilhações públicas que sofreram ao longo de anos. Outros por que passaram a não mais compactuar com o modelo de pregação ou conduta do grupo qual estavam inseridos. Outros ainda por que acabaram descobrindo (mesmo que sem querer) deslizes sérios de um ou vários santarrões influentes da igreja e por meio dessa descoberta, uma avalanche de ataques internos lhes fora dirigidos por meio dos INFERNAIS, até que os tais abandonassem a igreja, e como numa queima de arquivo, o infrator ficaria impune, pois para “um povo santo” a palavra de um “desviado” não tem valor algum, principalmente se for contra um líder religioso.

Desse modo, como a cereja do bolo, eles (OS INFERNAIS) após se unirem para expulsar alguém da igreja, agora se unem outra vez para “trazer de volta a ovelha perdida”.

Como é óbvio que alguém ferido dará pouca atenção e credibilidade ao que deliberadamente o ofendera, irá de prontidão recusar esse novo “convite de salvação”, feito por aquela gente falsa e hipócrita.

Isso coroaria o discurso do falsário que perante a igreja (que geralmente não sabe dos reais motivos) será visto como herói, enquanto que o ofendido será o vilão e filho do diabo.

Doulos percebera que esse grupo possui um habilidade incrível de reunir-se de forma secreta ou mesmo à distância por meio de ligações ou mensagens telefônica para mudar a versão dos fatos de forma surpreendente quando assunto é defender um dos seus (ou todos eles).

Mesmo um argumento (acusando ou defendendo-se) que por anos sustentavam abertamente, são capazes de mudar da noite para o dia ainda que esta versão tenha áudio e vídeo gravado pelos próprios. Mesmo assim eles coletivamente diziam: “nunca dissemos ou fizemos tal coisa”!

Como aliados do capeta, estes intitulam como a elite do zelo, da pureza e da justiça dentro de quase toda igreja.

Desde sua infância Doulos presenciara dezenas de atuações desses INFERNAIS e procurava manter distância de todos eles. Quando não conseguia, tentava manter o silencio, não por medo, mas para não ser exposto ao ridículo por criaturas tão bestiais.

Um dos casos que mais o marcou ocorreu quando ele tinha 12 anos de idade.

Ele presenciara uma cena que jamais esqueceria.

Tudo aconteceu quando....

(CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO).

Texto escrito em 17/5/21

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

*Iniciei em 3/4/21 esta série de contos sobre a vida de um jovem crente que depois de ler um determinado texto começou a questionar as próprias verdades que acreditava. Após uma série de conflitos internos e externos, ele está disposto a seguir em busca de sua própria liberdade. O sistema em que ele estava inserido não aceita perde o controle sobre sua vida e tentam de certo modo resgatá-lo, trazendo-o de volta para aquilo que ele mais deseja desvencilhar-se: do sentimento de rebanho, da ideia de um deus irado e do “zelo” de um líder religioso que mais parece um carrasco.

Acompanhe as postagens semanalmente.

O capitulo 1, chama-se À PROCURA DOS ESCRITOS PROFANOS. Você o encontrará em minha página ou em outras do gênero.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 17/05/2021
Código do texto: T7257953
Classificação de conteúdo: seguro