Revoltados? Será mesmo?
Não é demérito tomar de volta o controle da própria vida
*Por Antônio F. Bispo
Para uma pessoa religiosamente cega, desprovida do uso de suas próprias faculdades mentais e com forte tendência a bajulação de líderes religiosos, qualquer pessoa que saiu (se desligou) de uma igreja é por si só uma pessoa revoltada por não ter alcançado um favor divino, e decepcionada voltara ao mundo para viver uma vida de pecado.
Entre tantas possibilidade desse desligamento ter ocorrido, eles escolhem sempre as que mais envergonham, intimidam ou desafiam o ex-membro a provar o contrário, retornando inclusive a “casa de deus”.
Para o “povo santo”, ser rotulado como um revoltado é um extrema ofensa, algo tão pejorativo que chega a ser comparado ao destino do próprio Lúcifer, que segundo a crença este é o pai de todos os revoltados, rebeldes, usurpadores e insubmissos, cuja narrativa afirma ainda que este rebelou-se contra deus, e na tentativa de destrona-lo fora derrotado e lançado à terra como sinal de humilhação eterna.
Um crente que se preza (assim como um ex-crente que ainda dá importância a falastrões) tende a ofender-se e defender-se veementemente quando chamado de revoltoso.
Justamente por isso, os abobalhados e policiais da fé, da vida e da conduta alheia, costumam chamar de derrotado e fracassado qualquer um que não conseguiu “levar a própria cruz e se manter firme na fé”. Em outras palavras, um vez crente, crente eternamente. Desviar-se, corromper-se, revoltar-se e se tornar um devasso tem o mesmo significado no vocabulário de um povo de mente rasa e profunda perversão.
Acontece que por trás de um conceito vago como esse (levar a cruz, servir a cristo), os mais variados tipos de interpretação podem surgir, inclusive a ideia (errônea) de que mesmo que alguém esteja sendo pisado, humilhado, explorado e visivelmente feito de trouxa pelos seus líderes religiosos, abandonar a igreja é um ato de covardia, de impotência ou revolta. Sedo ou tarde os tais serão confrontados e humilhados “pelos santos” e no futuro pelo próprio deus, por não ter tido força para em certos casos permanecer em uma comunidade de loucos.
Entre esses defensores do absurdo, há ainda os que apregoam que mesmo quando um fiel (menor ou adulta, casada ou solteira, menino ou menina) seja abusada (o) sexualmente pelos seus líderes, o melhor a ser feito é permanecer em silencio e entregar tudo nas mãos de deus. Afirmam que por nós, Cristo sofreu muito mais e nem por isso nos abandonou.
Entre uma mentira e uma balela de um ignorante, há entre este povo os maus intencionados, que sabem exatamente o que estão dizendo, para quem estão dizendo e por que estão dizendo e elaboram seus discursos manipuladores justamente por conhecer o rebanho, suas fraquezas e seus temores.
Acontece porém que entre os bem intencionados (e que ainda não tiveram coragem de se desligar desses sistemas de crenças) estão os que abandonaram tais recintos justamente por não encontrarem ali o que a igreja tanto prometera desde sempre: um ambiente onde a justiça, o amor, a paz e a comunhão deveriam reinar entre os homens como prenúncios de um paraíso próximo.
Aos invés disso, em vários desses recintos eles encontraram justamente o oposto disso e quando não sofriam nas mãos dos líderes, sofriam nas mãos dos próprios “irmãos em cristo”, que por meio da fofoca, cobiça, inveja, ganancia, arrogância e o desejo absurdo de estar sempre no agrado da liderança, eram capazes de tornar qualquer ambiente em que estavam um verdadeiro espaço infernal. Esse é dos vários motivos que leva uma pessoa de boa fé e conduta a abandonar esse tipo de ambiente.
Mesmo assim, os defensores da babaquice afirmam que é necessário permanecer nesse tipo de lugar doente quem mais parece um hospício, e acima de tudo permanecer calado, apenas orando e “entregando tudo nas mãos de deus”. Reclamar é murmurar. Murmurar é revoltar. Toda revolta é um fraqueza e um ponto para o diabo apoderar-se da vida do revoltado (eles dizem).
Entre esses “revoltados”, alguns se tornaram esclarecidos e independentes a ponto de perceberem que longe desse tipo de recinto suas vidas fluem muito melhor. Isso causa revolta nos que te acusam de ser um revoltado, pois vivem a apregoar que longe da igreja não há paz, justiça e nem moral, só o caos e a desgraça.
Melhor ainda quando estes enxergaram que não adianta lutar ou defender nenhum tipo de fé (pois é apenas fé), pois por mais que a ciência, a tecnologia e o estudo sobre o próprio ser humano avancem, os que “vivem pela fé”, preferirão o conforto das fábulas e um espaço mental (ou físico) que possam se classificar como escolhidos e protegidos de alguma divindade onde suas infantilidades mesmo tocando limite do absurdo não possam ser questionadas pelo livre direito de ter fé.
Um fiel portanto, ao abandonar suas ilusões, todos os que antes o chamavam de amigo e irmão, passam a trata-lo com os mais variados termos pejorativos, criando inclusive versões paralelas de sua vida e sua história, de modo que o seu caráter e moral possam ser posto em dúvida só por que deixou a igreja. Na arte da desconstrução da moral e do caráter alheio, alguns destes “santos” tem pós-doutorado e acham que a calunia e uma virtude divina.
Se por ventura este “revoltado e desviado” retornar ao redil, toda a hostilidade cessará, e magicamente outra vez ele se tornará um santo sem nada ter feito e assim todos o “amarão de verdade” outra vez. Que mágico! Que lindo!
Acontece que decidir viver fora de um ambiente doentio não é apenas um sinal de revolta: é um ato de extrema coragem e inteligência que poucos conseguem manifestar.
Nem sempre é fácil afastar-se de gente fingida e paranoica que vive como cães abanando o rabo toda vez que os seus líderes faz um sinal de aprovação, ou que põe o rabo entre as pernas e vão chorar quando os líderes as reprovam ainda que só com um olhar.
Os que assim se comportam, julgam que a mente humana é uma caixa oca com um painel de controle e apenas dois botões, onde só se entra um controlador por vez (deus ou o diabo) para ter acesso e programação a vida do usuário fazendo com que todos os seus movimentos, pensamentos, desejos e emoções estejam sob seus domínios.
De acordo com essa lógica, se você é membro de uma igreja (ainda que seja um crápula em todos os sentidos), sua vida será (ou está sendo) controlada por deus. Porém se você não fizer parte de uma igreja (de preferência evangélica) o maquinista que irá te conduzir será o próprio satã (mesmo que você tenha um senso de moral e justiça 100 vezes maior que o de certos crentes).
Essa é uma lógica burra, que empobrece o homem e tira-lhe a capacidade de pensar, agir ou existir por conta própria. Resumem a vida de qualquer pessoa em apenas duas possibilidades, desconsiderando centenas de outras variáveis que podem ou não influir no comportamento de uma pessoa.
Seguindo essa linha do absurdo, suponhamos porém ainda que por um instante que os que realmente abandonam “a casa de deus” seja realmente um revoltado.
Por acaso isso é errado? Há algum mal nisso? A revolta é algum tipo de demérito por acaso?
Claro que não!
Quem se revolta o faz contra alguém ou alguma coisa, e dependendo do seguimento religioso, é quase que uma obrigação vital o revoltar-se por uma causa justa e libertária, principalmente se fores um protestante (aqueles que protestam).
Apesar de que quase 90% das “verdades” ensinadas em uma igreja estejam voltadas para o supérfluo, o abstrato e o inútil (como adoração aos deuses ou a busca infinita para encontrar os meios corretos para agradá-los), existe entre quase todos os grupos os “revoltosos da liberdade”, que sonham com um mundo igualitariamente possível entre todos os homens.
Os tais tentam torar esse sonho possível por meio do aprimoramento das leis, da democracia, da moral independente (dos deuses) e do uso correto das ciências e tecnologias para o bem estar de todos. Em outras palavras eles acreditam que todas as leis vem do homem, e age contra ou a favor do homem a depender de quem as regem.
Quanto aos fanáticos religiosos, eles tentam aprimorar suas relações com os deuses e o único resultado que conseguem é a exploração do homem pelo homem. Porém é impossível um crente fiel chegar por conta própria a essa conclusão, afinal, o uso do cérebro é quase que proibido em certos recintos
Ao contrário disso, qualquer pessoa que tente aprimorar suas relações pessoais com pessoas reais (sejam grupos, povos ou nações), terá como resultado a prosperidade e a paz coletiva.
Em outras palavras, o paraíso que tanto almejamos poderia ser construído aqui mesmo na terra, se as pessoas adorassem menos e pensassem mais.
A trivialidade, banalidade e repetitividade dos ritos litúrgicos, geralmente engessam qualquer senso crítico que procure uma realidade alternativa ou pelo menos a objetividade dos fatos.
Os “revoltados” porém, desejam cumprir determinados propósitos, até por que muitos deles foram iludidos com propagandas enganosas, que diziam que a igreja era um lugar de gente santa e decente, quando na verdade foram inseridos num ambiente que mais pareciam pelotões do crime organizado ou um teatro de fantoches.
Recoltar-se é comum nesses casos. É uma necessidade! É um imperativo, e quem não o fizer será petrificado, servindo apenas de enfeite numa igreja linda, cheia de gente feia por dentro, cuja presença nos cultos servirá apenas para lustrar os bancos com a bunda ou garantir a rentabilidade dos donos das igrejas.
O objetivo principal de um “crente zeloso”, incapaz de se revoltar contra a própria opressão ou opressão alheia não é fazer o que de proveitoso é dito por alguém realmente sensato, antes sim, o foco maior dessa gente vazia e criar um objeto de culto ou de ódio para que possam projetar nestes seus anseios, ou despejar suas injurias.
Em outras palavras: se tu pregares o que eles desejam ouvir, ele irão te recompensar de diversas formas, mas em troca eles querem que seus ouvidos lhes sirvam de esgotos, e que suas costas lhes sirvam como lombos de burro para levar suas cargas, injurias e decepções diversas. O amor e a afeição deles a ti estará sempre condicionada a esses critérios e se não puderes atender, melhor que não se envolva com os tais, pois só sairá por mal ainda que tenhas feito todo o bem do mundo aos tais.
Esse tipo de gente, ainda que esteja diante do maior sábio do mundo, eles não irão colocar em pratica nadinha do que de bom lhes for ensinado. Focarão apenas na possibilidade de beatificar ou criticar o pregador ao invés de aplicar de alguma forma a mensagem deste. Pouco importa o ensinamento útil de alguém inteligente. Importa mesmo é balir como ovelha e sentir-se amado por um pastor imaginário.
Os piores inimigos de qualquer pessoa (principalmente os de boa intenção), não são os seus algozes ou opositores, antes sim são os bajuladores, que desejam apenas viver como mariposas em volta de sua luz. Caso se recuses a ser endeusado por alguém desse tipo, perseguido, maltratado e humilhado serás,
Eles sempre irão trocar-te por Barrabás.
Os “caçadores de revoltados” esquecem porém, que eles são o que são ou fazem o que fazem justamente por que no passado, uma ou várias pessoas “se revoltaram” e em algum instante da vida passaram fazer o que todos faziam de um modo diferente, ou ainda que fazendo igual mudaram apenas o rótulo do produto para parecer mais palatável.
Por trás de cada igreja, cada culto, cada religião ou grupo religioso há um “revoltado”, que saiu de um grupo anterior e se auto denominou ungido, iluminado ou escolhido.
Com o tempo, os seguidores esquecem isso e os mais novos nem chegam a saber da real história ou motivos pelos quais os seus pais fundadores fizeram o que fizeram.
Caso algum entre esses ache que o ato de revoltar-se seja um demérito é bom pensar sobre esses fatos.
*Moisés, apesar de a própria bíblia dizer que ele era o homem mais manso da terra, revoltou-se a ponto de matar um Egípcio quando este castigava demasiadamente o seu conterrâneo. Após esse feito passou 40 anos como foragido, para depois outra vez “revoltar-se” contra o Egito e “por meio de deus” destruir aquele povo com 10 pragas seguidas.
*Jesus foi o maior revoltado que a história do cristianismo já construí. Era um revoltado assumido e não tinha vergonha nenhum disso, pois revoltou-se contra os cambistas que faziam negócios dentro do templo; contra os fariseus; contra os cobradores de impostos e contra todos os que de forma direta ou indiretamente oprimia aos menos favorecido.
*Matinho Lutero se revoltou a ponto de causar uma ruptura irreparável no império católico, abrindo as portas para transformá-la em dezenas de milhares de igrejas cristãs de todos os tipos e tamanhos que até hoje subsistem.
*Antecessores e sucessores deste último (Lutero) também se revoltaram e desafiaram os dogmas da igreja, a ponto de vários deles pagarem com a própria vida por tal revolta e mesmo assim não tiveram sua vida por preciosa.
Desse modo, na história das religiões, da ciência, da literatura, das grandes descobertas de qualquer povo e de qualquer época, quando se fala de alguém notável, geralmente está se referindo a alguém que ousou fazer o que outros diziam ser impossível. Pessoas que se recusaram aceitar as mesmices de suas épocas como repostas para tudo e ousaram “revoltar-se”, proporcionando diversos benefícios para gerações de futuras.
Resumindo, quando se trata de alienados por uma crença, vale mais a tarja de se um revoltado tendo recobrado a própria sanidade do que o título de pessoa de deus e de bem, vivendo em um eterno estado vegetativo ou parasita.
A liberdade é um processo gradativo e à medida que os “comentários e condenações dos santos” não te incomodam mais, é um possível sinal de que você realmente se libertou por completo, não apenas dos dogmas e das paranoias de um povo, mas da influência que estes exercem sobre a vida muitos sem que estes percebam.
Se toda liberdade tem um preço, ser desprezado por “santos ensandecidos” não é um demérito, é um elogio! Há coisas que o dinheiro não pode pagar e o liberta-se de uma loucura sem ter se tornado um louco é um privilégio de poucos. Pensem nisso.
Pensem nisso. REVEJAM SEUS CONCEITOS!
Saúde e Sanidade à Todos!
Texto escrito em 8/5/21.
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.