BREVE ANATOMIA DE UMA “NOVA MORAL” BRASILEIRA

Profº Me. Arivaldo Leandro da S. Monte

Achei que nada mais me surpreenderia no submundo da república das bananas, embora eu mesmo duvidasse disso. Mas eis que, das profundezas mais promíscuas surgem pessoas defendendo uma nova moral dogmática dos bons costumes, um resgate aos valores morais cristãos. Uma farsa montada pelos grandes conglomerados multinacionais e midiáticos que usam seu poder para mover massas e disseminar o ódio aos pobres. Mover extremistas polarizados, fundamentalistas agressivos e com muitos traços fascistas. Misturam política com religião e se intitulam “patriotas”, conservadoras de uma antiga moral familiar patriarcalista, mas desprezam as ideias progressistas e amam o neoliberalismo. Também acreditam estar apontando para uma Nova Política no Brasil. Esta política é bem mais honesta, pura, sem corrupção e levaria o Brasil aos mais altos patamares de desenvolvimento com a ajuda da operação Lava Jato – força tarefa da Polícia Federal e MP. Boa parte disso estaria sendo representado pelo presidente e sua família. – Por favor, estou tentando ser um crítico razoável com pouca dose de sarcasmo.

Como todo esse imbróglio fantasioso começou? Vou tentar esboçar aqui uma boa parte da minha versão, você também pode fazer a sua.

E eis que um anjo cai do céu e se elege presidente do Brasil. Era do baixo clero da política, sempre esteve no anonimato do cenário jornalístico. Pobre de retórica discursiva, o anjo não sabia articular frases longas ou pensamentos de baixa complexidade cognitiva. Sempre fora obtuso e de rasas palavras. Poucos o conheciam até então. Não tinha planos ou projetos para governar, não entendia nada de economia, nada de educação e nada de saúde, mas uma coisa ele entendia: “entendia que o povo também não entendia de nada” – ouvi isso de algum repórter – acho que por isso mesmo resolveu se arriscar na presidência.

Esse apedeuta celestial tinha um currículo magro. Fora capitão de artilharia e carregava consigo uma prisão e uma expulsão do exército em 1988 por tentar explodir uma bomba dentro do seu próprio quartel. Como não sabia muita coisa, não se formara, não estudara e não tinha muita vontade de trabalhar, resolveu entrar para a carreira política – e deu certo. Com 28 anos de serviço prestado à população teve apenas dois projetos aprovados, mas pelo menos conseguiu multiplicar seu patrimônio, de um salário de capitão para pouco mais de dois milhões e duzentos mil reais, – isso sim valeu à pena.

Ainda quando deputado federal disse que sonegava impostos da receita federal e aconselhou a todos a fazerem a mesma coisa. Defendeu, na mesma entrevista, uma guerra civil para matar uns 30 mil, começando pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, em evento no Japão confirmou: “minha especialidade é matar. Sou capitão de artilharia, pô”. Réu em pelo menos três ações: duas porque afirmou que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT) porque ela “não merecia”, e outra por declarações racistas e homofóbicas. Pode-se ainda observar várias declarações misóginas nas mais diversas paginas de jornais, revistas, livros, mídia televisiva e radiofônica.

Com esse currículo, o enviado tinha mesmo tudo para ser presidente do Brasil, não é mesmo?

Em discurso proferido em fevereiro de 2017 na cidade de Campina Grande o então enviado revela, “as minorias têm que se curvar para as maiorias” uma frase de cunho fascista. Defendeu a volta da ditadura militar, da tortura, do pau de arara, do armamento da sociedade e elogiou o Coronel Brilhante Ustra, considerado, na história do Brasil, como um dos maiores torturadores na época da ditadura militar e responsável por várias mortes. Também defendeu protestos a favor do fechamento do congresso e do STF. Tinha como melhor amigo o miliciano Fabrício Queiroz que hoje está em prisão domiciliar.

Este líder, meus caros, homem considerado enviado por Deus pelos seus seguidores, distribuiu medalhas para o miliciano Adriano da Nóbrega quando este já estava preso e acusado de assassinato. Adriano era amigo dos filhos do presidente, antes de ser morto pela polícia no interior da Bahia.

E foi mais ou menos assim que o enviado apareceu na terra, e veio com ele uma escuridão de nuvens negras, estremeceu famílias, espalhou discórdia, jogou pai contra filho, irmão contra irmão, choros e ranger de dentes, trazendo uma doença como nunca visto antes, uma pandemia avassaladora deixando um rastro que já beira os 400.000 mil mortos e milhares de crianças órfãs e viúvas desamparadas. Uma visão quase apocalíptica se alastra pelo país entre mortes, pobreza e miséria, fome, desemprego e a volta da famigerada inflação. Mendigos começam a aparecer e se espalhar pelas cidades, debaixo de marquises onde fazem suas moradias em meio a extrema pobreza – fatos que lembram o governo Sarney de 1985 com aquela inflação de 80% ao mês.

E assim. Entre pobreza e inflação, palavrões, tramas conspiratórias para mudanças de leis que favoreçam aos grileiros, xingamentos ao STF, pedidos de volta à ditadura, medalhas de honra a milicianos, envolvimento com assassinato da vereadora Marielle Franco, “rachadinhas” (crime de peculato ou corrupção passiva), frases racistas, necropolítica com a ausência de políticas publicas às minorias, nepotismo, obscurantismo religioso, negacionismo científico, terraplanismo, envolvimento com a milícia do Rio de Janeiro, e tudo que a mais vil baixaria possa impetrar a uma família. Quer mais? Ainda não acabou, a lista de crimes de responsabilidades é imensa – Atos do Anjo caído do céu que atentam contra a Constituição Federal que já culminaram em mais de 60 pedidos de impeachment. Incentivo ao não uso da máscara, incentivo a aglomerações, negligência no combate à pandemia, deixando de comprar vacinas, oxigênio e insumos para os hospitais e agora fora instalada uma CPI da COVID-19 para investigar irregularidades no gasto das verbas públicas destinadas ao combate à pandemia. Mais de dois anos de governo se passaram e nada, nenhum projeto ou plano de ação para melhorar a economia, a educação e a saúde, o povo está entregue à sua própria sorte. Isso nunca havia acontecido na história do Brasil.

Claro, há sempre aqueles que se identificam, sentem-se representados por tal barbárie e que aplaudem com riso amarelo e fazem dancinhas coreografadas, gritam escandalosamente e arregalam os olhos em nome de um salvador da pátria que se confunde a uma deidade à sua própria semelhança, – chamam-no de Mito. Brigam nas ruas, ameaçam pessoas que se opõem a esse ridículo, compartilham fake news com naturalidade, invadem hospitais, xingam médicos e cientistas, odeiam tudo que é diferente, exacerbam seus preconceitos e não se envergonham de nada disso como se tivessem perdido suas referências de humanidade.

Mas sei também que existem aquelas pessoas, dentre essas, que fazem parte das minorias, mas não querem ser reconhecidas como minorias. Estão ali apenas pelo sentimento de pertença, uma necessidade de fazer parte de algo maior, são pessoas que querem se sentir mais fortes, mais protegidas, como se fizessem parte de um time ou uma instituição religiosa qualquer. Normalmente são pessoas marginalizadas, podem ter problemas de complexo de inferioridade, de aceitação do Eu, pobreza etc., mas no grupo elas se sentem importantes e autorizadas a agirem em defesa de algo. Por isso é importante para elas pertencerem a alguma instituição, coisa ou a algum lugar, para se sentirem acolhidas, legitimadas e vistas por uma parcela da sociedade.

Essas pessoas estão divididas em diversos grupos dentro de uma mesma classe social, como se fossem grupos em defesa de uma causa maior não importa qual seja: em defesa da família, em defesa do patriotismo, do cristianismo, da escola sem partido, do anticomunismo, do terraplanismo, contra ideologia de gênero, contra o aborto, qualquer causa simplória que sirva de identidade dogmática, que não exija muito raciocínio, que não seja muito complexa, dada às limitações cognitivas dos integrantes do grupo. Tem que ser uma causa fácil de aceitar e que rejeite qualquer outra que se oponha sem precisar argumentar com base em fundamentos teóricos científicos. Será então pela crença ou pela fé para não ter que se justificar com longos argumentos, isso poderia ser embaraçoso.

Os grupos.

Bom, feita as considerações dividi essas pessoas em dois grupos para dar prosseguimento as minhas reflexões e melhor entendimento de como eles se uniram em torno daquilo que defendem apaixonadamente. O primeiro grupo mais simples (perdidos dentro de um quadro referencial que não lhes pertence, mas que os tolera: pautado pelo consumo, internet e mídias de massa) e um segundo grupo mais elitizado. Não exatamente a elite, aquela que Jessé Souza já classificou em A elite do atraso, mas um pequeno grupo que se passa por elite e acredita que é da elite porque veste roupas caras compradas à prestação em lojas de qualidade duvidosa ou mesmo de muambeiros que circulam por Miami e tentam ganhar um dinheirinho a mais para ajudar nas passagens. Essas pessoas são também direcionadas pelo consumo e certo ar de tirania – diria La boétie em sua obra A Servidão Voluntária – porque desejam mesmo é poder.

Os dois grupos foram impulsionados por algo em comum que os une até os dias hoje amalgamamente: o lavajatismo (que sustenta a ideia do incorruptível, do governo correto e honesto, mas sem a presença de Moro, porque este já fora descartado) e a mídia encarregada de demonizar, disseminar ódio e massacrar o PT por ter tirado o Brasil do rol da extrema pobreza que teve queda de 50,64% segundo pesquisa de Marcelo Neri pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e (IBGE) divulgada no jornal O GLOBO.

Bom, essas pessoas se espelham na família do enviado que serve como exemplo nas questões do patriotismo, do incorruptível e do probo, da honestidade e da moral – mesmo que os fatos provem o contrário. Afinal de contas foi o Messias, que não entendia de nada, que prometeu lutar em prol da família, da incorruptibilidade e de uma nova maneira de se fazer política. Mas nunca falou em ajudar os pobres ou as minorias e que se negou a comprar vacinas no início da pandemia, acreditando que se tratava de uma gripezinha, contrariando todos os avisos médicos da OMS.

Assim, referindo-me ao primeiro grupo - A:

Muitas vezes esses incautos são pessoas simples – assim como eu –, sem grandes recursos capitais, pequenos comerciantes, prestadores de serviços, agricultores, professores, funcionários públicos, vendedores ambulantes, comerciários, aposentados, empregadas do lar e desempregados. E por que eu os chamo de incautos? Porque defendem uma economia neoliberal e uma política que prejudica a si mesmos e retira seus direitos e dignidade como cidadãos! Foi isso exatamente que você leu. E fico me perguntando: será que essas pessoas entendem que lutam pela permanência da desigualdade social? Pela privatização das escolas de seus filhos, pelo fim do Sistema Único de Saúde – SUS gratuito e pela redução das políticas públicas? Será que essas pessoas conseguem entender que serão as primeiras mais afetadas por esse sistema que retira os direitos trabalhistas do cidadão? Que estão sendo enganadas com fantasmas e teorias conspiratórias lunáticas que só servem como cortina de fumaça para os verdadeiros problemas do país? Que estão do lado errado da história e ficando cada vez mais pobres, defendendo os interesses dos mais ricos e privilegiados? Como alguém em sã consciência poderia lutar contra seus próprios interesses e a favor dos interesses do seu opressor e dominador? Parece loucura, mas é o que está acontecendo com parte do povo brasileiro, como se as pessoas tivessem entorpecidas e desnorteadas diante do perigo. Na mais completa ausência de consciência de classe.

A criação conspiratória.

De fato, eu cheguei a conversar com algumas dessas pessoas, quase disfarçado, receoso de provocar constrangimentos ou contendas. Mas sim, elas acham que estão mesmo lutando contra um inimigo que veio, não se sabe de onde, destruir a família, a moral e os bons costumes. Um inimigo meio invisível, meio homem e meio fantasma que fecha as igrejas, persegue os cristãos, distribui mamadeiras de piroca nas escolas e adestra as crianças e os adolescentes para que eles troquem de sexo – não sei pra quê. Esse bicho-papão quer implantar ideias comunistas em suas mentes, através das teorias pedagógicas de Paulo Freire e as teorias de Karl Marx.

Esse inimigo alienígena fantasmagórico também tem um plano macabro e bem articulado, chamado de teoria conspiratória marxista para dominar o mundo e transformá-lo em um mundo comunista ateu – segundo alguns evangélicos, os mais radicais , a Besta está por trás de tudo isso, para esses a besta é o Papa –, em seguida irão implantar chips em todos os seres humanos, depois disso a Nova Ordem Mundial, comandada pela China, dominará o planeta e todos acabarão vigiados pelo Grande Irmão – qualquer semelhança com “1984 de George Orwell” não é mera coincidência. – E ainda dizem que tem muita maconha nas Universidades.

Bom, o final da história eu ainda não sei. Mas digo aos senhores que toda essa palhaçada, por mais absurda que pareça, são as narrativas mais defendidas, na internet, como justificativas para a permanência de um títere apedeuta no poder. Acredite, os jornais, as revistas, os meios de comunicação de massa nada fazem para desmentir tal imbecilidade. A mídia parece que se diverte sadicamente com toda essa crendice. Motivo pelo qual não condeno esse grupo, de todo, dado suas limitações formativas e informativas – posso estar sendo presunçoso.

Como a insanidade não carece de muitos argumentos e sim de mais força bruta, xingamentos e ameaças, esses incautos não sabem explicar exatamente que “bons costumes” são esses, que família conservadora é essa e de qual “moral” estão falando, já que os costumes brasileiros são tão diversificados quanto as suas regiões continentais. Da mesma forma acontece com a família miscigenada e estruturada nas mais diversas maneiras, basta olhar a família do então apedeuta enviado que já vai ficando com terceira mulher – quer mistura maior? Quanto a moral brasileira, essa não preciso nem falar, mas se desejarem observar, basta olhar mais uma vez para a família do apedeuta-mor, sua recatada terceira esposa Michelle e o envolvimento de seus filhos com o Ministério Público e a Polícia Federal.

Essas pessoas são quase sempre contraditórias em seus posicionamentos discursivos, são argumentos frágeis e sem qualquer fundamentação teórica ou pragmática dado o baixo nível de leitura e informações precárias retiradas, quase sempre, de grupos fechados da internet como facebook, whatsapp, istagram e You Tubers muitas vezes indutivos.

Para ilustrar o texto, vou citar aqui apenas dois exemplos desses discursos moralistas contraditórios defendidos pelos seguidores do Messias para não entediar você, leitor:

Primeiro argumento – Luta em defesa da vida (algo pelo que, creio, todos nós já lutamos) e contra o aborto (sem qualquer exceção).

No primeiro caso específico o que mais chama a atenção, mas não surpreende, é que essa defesa é válida para alguns e outros não. A vida a ser defendida é a vida presumidamente do “bom homem” do trabalhador e da “boa mulher” trabalhadora, acho que até aí todos nós concordamos com isso, mas do outro lado mais uma frase fascista “bandido bom é bandido morto” a coisa já muda, seria concordar com a injustiça, posto que a maioria esmagadora dos detentos são pobres, pretos, desempregados e pouquíssimos ricos e brancos. Incoerentemente muitas dessas pessoas concordam com a licitude da pena de morte e a aprovação da lei do crime de ilicitude, que seriam basicamente assassinatos cometidos pela polícia e perdoados pela justiça dos ricos. Isso redundaria em um morticínio sem precedentes pelo país a fora. Desse modo, em tese, todos os bandidos poderiam ser sumariamente eliminados, sem qualquer julgamento. Isso também justificaria a liberação das seis armas de fogo e seiscentos cartuchos para cada cidadão de bem se defender – proposta do presidente – e matar seus inimigos bandidos.

Mas, por outro lado, se o bandido for da família e de preferência rico, então este merece tratamento diferenciado, afinal luta-se pela família, pela conservação da estrutura familiar e não podemos perder um ente querido sem tentar recuperá-lo para a sociedade. Se o meliante for da mesma corporação institucional, como um juiz, deputado ou senador e até mesmo um soldado, todos eles também merecem tratamento diferenciado, mais brando, podendo este recorrer a todas as instâncias judiciais, responder em liberdade até ser perdoado pelos crimes que cometera e voltar ao convívio social.

No segundo caso – bastante polêmico – relacionado ao aborto, pode aceitar muitas versões, pois o discurso é político, jurídico e religioso, mas parece-me aqui ser mais fundamentado nos preceitos religiosos, neste caso específico, e é acompanhado de um aforismo popular que diz: “o país é laico, mas o povo é cristão”. São pessoas dogmáticas, de uma única verdade, não aceitam o direito ao contraditório e ficam irritadas facilmente, firmam-se em suas religiões, crenças e em uma cultura machista, crônica.

Já que homens não engravidam fica fácil convencer algumas mulheres de não abortarem, caso sejam estupradas ou corram risco de morrer por causa de uma gravidez indesejada, pois a bíblia foi feita por homes, inspirada por Deus que é masculino; as igrejas e religiões são comandadas por homens; as leis também foram feitas por homens; o Estado tem poder sobre os corpos das mulheres e podem decidir quem deve e quem não deve fazer aborto, são os corpos dóceis como diria Foucault em Vigiar e Punir; as tradições são passadas de geração a geração por homens; nossa história foi escrita por homens, quem estupra a mulher e depois faz a lei é o homem, quem abandona a mulher é o homem; o mundo é masculino e Eva traiu Adão, pronto. Cadê as mulheres nessa história? Elas não deveriam deixar os homens usarem o nome de Deus para subjugá-las, para impor suas vontades pervertidas. Creiam, se os homens engravidassem essa polêmica já teria sido resolvido ou talvez nem existisse e todos seguiriam suas vidas normalmente.

O discurso como bem podem observar é raso, e generaliza as mais diversas situações abortivas, como se as mulheres fizessem do aborto um negócio, uma rotina em suas vidas e seus corpos fossem algo descartável. Alias, a própria pergunta já é capciosa, maldosa: “você é contra ou a favor do aborto?” branco ou preto? A pergunta não especifica os casos, antes generaliza todos eles. Aqui as mulheres são culpabilizadas, demonizadas, estigmatizadas, seus corpos são fábricas ambulantes, suas vidas não têm muita importância, o foco é a vida do embrião que, aliás, pode dar vida a um homem másculo e reprodutor. Embrião é vida, a mulher não, pois já fez sua escolha, ou fora escolhida. Aqui o discurso da igualdade de gênero e execrado e a submissão da mulher é exaltada em louvores. Mas não se fala no aborto como sendo um caso de saúde pública, das 150 crianças internadas por abortos em um único mês no Brasil (pesquisa do =IGUALDADE, publicada: Piauí.folha.uol.com.br). Chega a ser revoltante essa narrativa hipócrita que diz ser a favor da vida, mas que vida?

Claro que esse discurso tem intenções manipuladoras pelos líderes religiosos a fim de conservarem certa dose de alienação em seus pares e garantirem seus abençoados rebanhos e lucros, pois seria impossível uma igreja se manter de pé sem seus dogmas religiosos. Seria impossível manter um povo domesticado sem suas muletas metafísicas, como diria Nietzsche, ou para sustentar a pobreza, a miséria da própria existência – grifo meu.

Voltando para a polêmica do aborto. Ora, aqui, no Brasil, existem apenas três situações em que poderiam ocorrer o aborto e são de conhecimento notório e massivo: a) Para salvar a vida da mulher em caso de gravidez de risco; b) Em caso de estupro; c) Se o feto for anencefálico.

Em todos esses casos com a aprovação da mulher, ou seja, ela não é obrigada a se submeter a nenhum procedimento abortivo. Em qualquer outra situação esse procedimento será considerado crime e com pena prevista em lei, tanto para a mulher como também para o médico. Evidentemente que muita coisa ainda tem que ser discutida, fiquem à vontade.

Segundo argumento em defesa da honestidade e da não corrupção – Esses termos sempre me lembram o filósofo Diógenes que andava a procura de um homem honesto com uma lanterna na mão durante o dia –: a princípio é bom lembrar que a imagem de honestidade é mais importante que ser honesto – mesmo que você negue peremptoriamente – basta sair na rua e perguntar às pessoas “você é honesto?” em 100 pessoas é provável que todas digam que sim. Mas e quando você está só, na ausência dos olhos dos outros, quem é você? Já filou dinheiro do pai? Já deu um jeitinho brasileiro nas filas, tirou vantagem de alguém, ficou com o troco a mais do caixa? Já usou o cartão saúde de algum parente se fazendo passar por ele para ganhar uma consulta grátis? Quantas vezes você mente por dia ou por ano? O que é ser honesto para você? – Estou tentando levar você a uma rápida reflexão do quadro referencial hipócrita que nos cerca e nos faz pensar que somos mais honestos que os outros. Esse escudo moral é falso e serve apenas como falácia lógica para bobo consumir.

De fato é fácil ser honesto se ninguém pode investigar você nesses pequenos delitos do dia a dia e que não traz maiores consequências materiais, a não ser moral e ético. Até aí se mantém uma aparência sustentável, embora frágil e já corrompida. Porém quando surgem várias acusações, indícios e até mesmo provas cabais adquiridas em investigações e periciadas pela Polícia Federal como, depósitos em banco, cheques, extratos, filmes, mansões de luxo, carros de luxo, tudo completamente incompatível com a renda do cidadão, não há como manter essa máscara social por muito tempo. Para piorar a situação o acusado não tenta nem sequer provar sua inocência e sim, barrar as investigações sobre ele. Troca-se diretores, delegados, coordenadores da polícia federal, juízes e desembargadores. Aparelha-se o Estado em função de uma proteção familiar a fim de esconder suas mazelas fraudulentas, rachadinhas, tudo isso a qualquer custo. Aparecem suspeitas, indícios, mas o presidente não pode ser investigado, os filhos também não podem ser mais investigados, no exército aparecem indícios de superfaturamento com bombom de 89,00 e uma lata de leite condensado por 160,00, mas não é investigado, a esposa do presidente recebe dinheiro de rachadinha, mas também não é investigada. Bom, assim fica fácil de ser honesto.

Agora me referindo a um segundo grupo - B:

Aqueles que são conhecidos como os “novos ricos”, a nova elite brasileira, que surgiram no governo PT, Lula e Dilma, mas que se esqueceram disso e se revoltaram contra o seu criador porque para eles é sempre melhor ficar do lado que está ganhando, como Lula e Dilma estavam sendo escrachados pela mídia e devassados pelo MP, via Operação Lava Jato, seria melhor pular para o outro lado e garantir suas viagens a Disney. – Claro, estou simplificando as coisas para caber dentro desse pequeno ensaio.

Esse grupo se destaca porque aparece constantemente na televisão e contam com o apoio de alguns canais de televisão, principalmente a GLOBO, SBT e RECORD. Eles defendem o discurso do patriotismo e do nacionalismo com bandeiras do Brasil nas costas e cartola americana na cabeça, outros carregam a bandeira de Israel e querem o fechamento do congresso, o fim do STF e sonham com a volta da ditadura militar. Vejam que dissenso grotesco para um cidadão que se diz patriota. Pois, como se não bastasse, contraditoriamente, também defendem uma política neoliberal que quer vender tudo, todas as estatais do país e privatizar as instituições, deseja ceder parte das terras do Amazonas para os EUA e, ali, construírem uma base militar. Estes também batem continência para a bandeira Americana e israelense – você já viu coisa mais esdrúxula e contraditória que essa?

Pois bem, essas pessoas não estão preocupadas com o outro grupo-A. Só querem mesmo é se dar bem com seus bolsos, elas lucram nas bolsas de valores, nas commodities e alta do dólar. Ora, são pessoas que não precisam se preocupar com dinheiro, com o que comer, onde dormir ou com a própria saúde, pois dispõem de hospitais particulares, médicos, remédios, leitos e seus filhos estudam nos melhores colégios particulares.

Esse segundo grupo tem a função de incentivar o grupo dos mais simples porque estes gritam mais e aplaudem qualquer coisa que se mova em sua frente. Mas essa elite, de fato, não quer se misturar com o grupo dos simples nos aviões, nos aeroportos ou nos hotéis e restaurantes, sentem verdadeira ojeriza por pobres e pretos, a não ser nas manifestações para somarem força e número, aí esse primeiro grupo é bem-vindo.

Essas pessoas, estranhamente, muito estranhamente se dizem guardiães dos bons costumes, da moral e dos valores familiares, suas razões conservadoras são obtusas e vagas, concentram-se basicamente na estrutura familiar patriarcal e na opressão do feminino. Constantemente são vistos se vangloriando de suas conquistas materiais, ou títulos de doutores com aquela velha pergunta que lembra o Alzheimer: “você sabe com quem está falando?” – ouvi isso de Leandro Karnal.

Esses também não conseguem perceber o abismo da contradição e a própria decadência do pensamento discursivo alienado e sem qualquer respaldo. Não conseguem formular ou arguir meia dúzia de palavras que não tenham um palavrão, um xingamento, uma ofensa ou ameaça aos que pensam diferente. Embora muitos afirmem sua formação superior, são incapazes de manter um discurso bem fundamentado, fincado na ciência e no humanismo, desconhecem por completo os métodos de pesquisa e mergulham na indolência patológica do senso comum. Essa preguiça doentia se arrasta pela leitura, pelo conhecimento e pelo modo de pensar de uma legião de sectos perdidos, sem direção. Essas pessoas não discutem sobre política, nem mesmo no sentido mais amplo, mas se resumem em defender um único político que é o enviado de Deus, não importando as circunstâncias, os fatos e os atos, mas tão somente uma defesa cega do caráter honesto de um homem, mesmo que tenham que mentir a qualquer custo. – Desculpem, não resistir ao paradoxo.

É lógico e evidente que isso, há muito, já deixou de ser um caso de luta política por uma ideologia social, uma causa social e virou uma causa pessoal, identificam-se com o Messias, veneram a um homem e desejam ser ele. O que se pode observar no momento é um caso de retrocesso civilizatório, quando se admiravam os reis e tiranos, a nobreza do paço. Sim, o que temos nos dias de hoje é um retorno ao obscurantismo, uma luta entre a barbárie e a civilização, uma busca pelo nada ou pelo caminho a lugar nenhum. A falta de consciência de classe entre os trabalhadores e trabalhadoras é deveras assustador, perdeu-se completamente a noção de luta de classes e, em boa medida, isso se deve aos meios de comunicação de massa, à alienação da indústria cultural, à sociedade de consumo, à “modernidade líquida” com suas relativização de valores, onde “tudo que é sólido se desmancha no ar”.

A direita demonizou os movimentos progressistas de tal forma que os trabalhadores e trabalhadoras perderam o sentimento de luta pelos próprios direitos, foram dominados pela sociedade materialista e pela cobiça do capital, a classe operária foi dividida e fragmentada. Divididos, enfraqueceram suas bases e agora não há mais pertencimento de classe, o que existe é um amontoado de trabalhadores(as), lutando por interesses individuais, não vejo mais aquele sentimento de coletividade, tudo é fluido.

Assim nós nos encontramos: de um lado o caos, o desmonte, o terraplanismo, a negação da educação, a negação das minorias, das lutas sociais, do humanismo, a negação das desigualdades sociais, a negação da ciência, esta somente quando convém. Este lado quer mais armas para um povo que passa fome, corta pela metade os investimentos do Bolsa Família, não constrói universidades, não constrói casas, nem hospitais, retira dinheiro das pesquisas e da educação, corta verbas do IBAMA, congela salários em plena pandemia, nega as milhares de mortes pelo Covid-19, agride seus países vizinhos sem qualquer motivo e incita seus seguidores a fazerem o mesmo e se diz honesto, contra a corrupção – como se isso bastasse para governar um país de proporções continentais como o Brasil. Depois disso nenhum plano ou projeto de desenvolvimento econômico ou social, nenhuma ação governamental contra o COVID-19, nada, nem mesmo uma só articulação republicana a ser considerada. O Brasil está virando motivo de piada aos olhos do mundo.

Do outro lado uma luta para manter os direitos civis do cidadão brasileiro, uma luta para manter o mínimo de dignidade no trabalho e melhorar a vida das pessoas, para diminuir as desigualdades sociais, a fome e a pobreza. Uma luta para fortalecer a democracia como regime cada vez mais republicano e menos corrupto. Uma luta para fortalecer as políticas públicas que ajudem as minorias e acabe com o preconceito estrutural, a homofobia, o racismo e a misoginia.

Tentei explicar um pouco sobre os processos pseudomoralistas que rondam a nossa sociedade e de como tudo isso foi plantado paulatinamente para dividir o povo. Finalizo dizendo que, se você ainda tem dúvidas de que lado da história você deve ficar é só se perguntar com sua própria honestidade: Esse lado ajuda as pessoas a saírem da pobreza? Tem diminuído a fome na sua cidade e as pessoas estão se tornando pessoas melhores, mais humanas, mas unidas e mais civilizadas? Elas estão todas trabalhando e ganhando bem, viajando para o exterior, comprando carro e comendo pelo menos três vezes ao dia? Já compraram suas casas e seus filhos estudam em boas escolas públicas e são atendidos em hospitais bem equipados? Esse lado ofende alguém e tenta humilhar as minorias trabalhadoras? Exatamente hoje, seus amigos e vizinhos estão melhores ou piores de condições financeiras? E você? – São perguntas fáceis de responder, mas difíceis de serem aceitas por alguém que não aceita mais conversar ou refletir sobre si mesmo.

24.04.2021

Leandro Dumont
Enviado por Leandro Dumont em 24/04/2021
Reeditado em 26/04/2021
Código do texto: T7240038
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