As vias de um discurso

E aquele menino que gostava da chuva, não podia nela brincar, na terra então nem ousava pisar. Não podia escolher suas roupas, seu lugar na mesa. Paladar ele não tinha; era seu pai quem lhe dizia. Obrigado a estudar quando bola ele queria jogar. Não lhe eram respeitados seus direitos enquanto sujeito vestido de criança. Como se não tivesse vontade própria. Desejava futebol, fazia natação, preferia espanhol, matriculavam-no nas aulas de inglês.

Daí para as brigas na escola e na rua foi um passo. E nesse passo o percalço de uma tola vida obliterada, impedida. Era sua forma inconsciente de requerer seu nome, pugnar por sua identidade em formação, prejudicada de antemão. A liberdade, vigiada, de repente lhe foi dada. Nesse ínterim já não mais queria escolher (nem sabia o quê e pra quê), também pudera. Tal promessa equivocada lhe atravessou numa dor calada, suprimida, revoltada.

Liberdade de escolha, agora, meu caro menino, isso só pode ser piada travestida de elogio. Teu choro foi engolido, esquecido, menino, haja vista que nem metade da história coube nestas linhas. E num baile de máscaras a Senhora Sociedade, clama pelo poder ignóbil. Pó é o que te espera Menino/homem. Vosso futuro é a abjeta morte. O fim de teu respiro, a queda da tua libido, o fenecer de teu corpo flácido, a impotência de teus desejos. Tudo isso enterrado num dia de chuva!