INTERLÚDIO
O interlúdio entre o ontem e o amanhã. O sentimento de mortandade é quase palpável. A vida desfaleceu-se e levou com ela tudo o que me faz sentir viva, chega a ser quase um pleonasmo, ou talvez é só poesia mesmo. Tudo bem, nem precisa fazer tanto sentido assim, já que nada mais faz. Que sentido tem uma vida na fila de espera? Pararam os relógios e esqueceram de colocá-los de volta para funcionar. A engrenagem continua falhando. Os ponteiros já não funcionam mais. O mundo parou e estacionou em alguma estrada no meio do nada como nos filmes de faroeste. Me sinto morta mas escuto meu coração bater. Sinto a vida que insiste em pulsar por dentro, ainda que eu não sinta vida nenhuma do lado de fora. Teimo em querer acelerar o tempo. Viver um dia de cada vez sem me apegar ao amanhã tem sido uma missão impossível. Ultimamente o futuro tem sido mais convidativo do que o presente. Os dias da semana se confundem em diuturno duelo com o calendário. Já não sei mais se sinto saudade do que foi ou do que ainda virá. A nostalgia se perdeu no tempo. Os fatos históricos tem mesmo uma essência ambivalente. A linha tênue entre a paciência e a pressa, a angústia e o contentamento, o desespero e a paz. Esperançar é difícil se nos tiram o poder de agência. Mas é preciso esperançar. Esperar não. Esperar demora uma vida toda e outras mais. É uma guerra e eu não escuto nada. Não tem sangue mas tem morte. Morte iminente. A tristeza é sentimento visceral. A felicidade está mais próxima da utopia, mas é lá que eu prefiro estar. Edificar sonhos na areia movediça sem um alicerce que os sustente não tem sido tarefa fácil... mas sonhar é preciso e não há outra forma de sobreviver ao caos. Nesse interregno entre o que já foi e o que virá, sigo cantando e acreditando que “amanhã há de ser outro dia...”