A MOÇA DA SELFIE

Uma análise aleatória do comportamento humano nas redes sociais!

Por Antônio F. Bispo

Uma jovem anônima postou uma foto em seu perfil de uma rede social. Assim como tantas outras, era apenas uma foto qualquer, sem endereço ou motivo específico algum para tirar ou postar.

Era uma moça linda, de olhos claros, cabelos quase ruivos e de pele sedosa. Seu rosto era de uma simetria perfeita. Suas bochechas rosadas e algumas sardas na região do nariz dava-lhe um ar pueril. Sem nenhum tipo de cosmético no rosto ou nas mãos, sua beleza natural fazia enaltecer ainda mais paisagem.

Por se tratar de uma selfie, sua imagem preenchia quase 40% do enquadramento da foto. Nos 60% do espaço restante, via-se na paisagem ao fundo um lago, uma casa rústica, uma cerca, um curral, um senhor de meia idade ordenhando a vaca, algumas árvores, uma vasta campina e o sol despontando por detrás da colina.

Pela posição do sol no horizonte devia ser entre 6 e 7 da manhã. Pela qualidade do ar, a limpidez do céu e verdor da relva, ela devia estar em um país tropical e com certeza era primavera na ocasião da foto.

Na foto ela segurava um copo de leite fresco e esbanjava um sorriso enigmático, tão quanto a Mona Lisa do famoso quadro. A espuma do leite fresco dera-lhe um bigode branco artificial, ampliando ainda mais a imagem de criança levada.

Uma paz de espírito estampava sua face e todo os elementos da paisagem harmonizavam com o seu rosto dando à imagem um ar bucólico, daquelas que víamos somente nas representações escritas do arcadismo. Tudo era tão simples e ao mesmo tempo tudo era tão belo, tão perfeito que a imagem parecia ser artificial. Mas não era.

Na postagem não havia legendas nem a data da foto e no perfil da moça poucas informações pessoais existiam, deixando ainda mais enigmático aquela cena. Ela quase não seguia ou era seguida por ninguém.

Um dos poucos seguidores do perfil daquela jovem compartilhou aquela bela imagem em seu próprio perfil. Outros fizeram o mesmo e em pouco tempo, dezenas de compartilhamentos sobre aquela imagem ocorrera. Todos querendo ver o perfil onde originalmente aquela postagem havia sido feita.

O que era apenas para ser uma foto anônima, tornou-se então objeto dos mais variados tipos de comentários e pensamentos, sendo a alguns deles obscuros, maldosos ou de duplo sentido mostrando que uma mesma imagem pode disparar nos indivíduos diferentes tipos de reações, sentimentos, intenções e emoções.

O pervertido olhou para a foto e foi o primeiro a comentar:

-Tomando leitinho no copo não é? Eu sei muito bem o que ela está querendo com essa postagem...

A recalcada foi a segunda e disse:

-Uma moça linda dessa, numa fazenda dessa, numa hora dessas...só pode ser amante de um velho rico, pois moça da roça ela não é!

O surubeiro de plantão completou essa fala:

- Aposto que ontem teve suruba aí e agora ela está se recompondo!”

Em seguida veio a designer de sobrancelhas:

- Ah, esse rosto tão perfeito precisa de meus cuidados! Faria nela uma micro pigmentação gratuita se ela quisesse e em troca queria autorização para o uso de sua imagem em meu perfil de clientes!”

A cabelereira, a maquiadora, a manicure e a dona de uma lojinha de roupa responderam no comentário da designer:

-Idem!

Uma outra moça vaidosa, aparentando ter complexo de inferioridade disse:

-Olha isso! Como ela pode aparecer desse jeito? Ela devia cuidar mais da própria imagem. Se sem maquiagem alguma ela é bela desse jeito, imagine toda produzida! Eu jamais me exponho sem me produzir e no lugar dela me produziria toda: rosto, mãos, cabelos, unhas e principalmente roupa para aparecer numa foto assim. Eu não tiraria apenas uma foto, tiraria várias. Iria tirar foto beijando até o sapo daquela lagoa, srsrs...

Um engraçadinho respondeu no comentário dessa última:

-Mas isso é você que tem o rosto parecendo a superfície lunar e precisa de meio quilo de reboco para tapar todos os buracos, kkkkk. Essa é bonita por conta própria e nem por isso anda se exibindo como você em seu perfil!

De imediato, essa que acha que o retoque cobre tudo na vida respondeu ao engraçadinho:

-Não me dirigi a você seu arrombado! Vai tomar no olho do seu C*...

Os comentários seguiram na foto da jovem misteriosa.

Um “papudinho” marcou seu amigo na postagem e disse:

-Olha aí fulano, que lugar bom pra gente “cumê água”! Será onde fica?

Seu amigo respondeu:

-Sei não, descubra aí que chamo a galera aqui, compramos umas caixas de cerveja, você consegue um paredão e umas putas pra levar junto, pra gente beber e fazer putaria até o outro dia...

Um usuário de cannabis olhou a foto e disse:

-Que brisa...

Um senhor aposentado comentou:

-Que lugar maravilhoso! Quem me dera passar os restos dos meus dias em um lugar assim com minha velhinha e meus netinhos...

Um empresário comentou:

-Se eu soubesse onde fica essa propriedade eu a compraria a transformaria em um belo rancho, um local de laser para todas as idade e faturaria uma boa grana.

Um empresário ainda mais rico comentou embaixo dessa última postagem:

-Eu te compraria a propriedade por um preço ainda maior, te colocaria como gerente da mesma, te pagaria um bom salário e ainda casaria com a moça da foto se ela quisesse!

Um vendedor de pedalinhos vendo o comentário desse último respondeu.

-Se precisar de meus serviços, estimo que naquela lagoa caiba ao menos 6 pedalinhos. Caso queira transformá-la em um pesque e pague também tenho tudo que precisar!

O cara que vendia antenas de internet para áreas rurais, o eletricista, o paisagista, o carpinteiro e o pedreiro também se apresentaram, caso um dos dois empresários levassem adiante suas especulações.

Um sujeito de uma agencia de turismo não ficou por baixo e ofereceu de imediato sua frota, sua página na net e todos os meios de divulgações possíveis para fazer fluir o novo negócio, exigindo em contrapartida exclusividade nos transportes de passageiros para o possível futuro rancho.

Todos riram e ficaram impressionados pelo modo e rapidez com que esses últimos personagens interagiram entre eles mesmos, fazendo planos de logísticas e retorno financeiro em cima uma frase hipotética, sobre um lugar e pessoa anônima.

Um “religioso do bem” comentou:

-Que lugar lindo, que moça linda, que cenário lindo...tudo isso é obra do meu deus! Tudo isso foi ele quem fez. Alegrai-vos por suas maravilhas. Regozijai-vos todos!

Um outro religioso muzumbudo, pessimista, paranoico e arauto do apocalipse parecia estar de prontidão, aguardando apenas aquele tipo de comentário e de imediato fez questão de retrucar:

-Não ficará nem raízes e nem ramos! O meu senhor quando vier em glória dos céus sobre as nuvens aniquilará todos os pecados e os pecadores que não se arrependerem serão consumidos. Tudo queimará no fogo do grande dia da ira do senhor!

A esposa recalcada deste fez questão de completar:

-Rostinho bonito também envelhece! Com o passar do tempo tudo murcha, tudo vira pelancas e toda beleza se esvai! Por isso que desde a minha juventude sirvo ao senhor. Estou livre do mundo e seus males. Assim aguardo ansiosa a sua vinda, com toda pureza de corpo e alma.

O que tinha mania de proselitismo fez questão de reafirmar:

-Pois é: O que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Beleza não voga nada. Riqueza também não e lugar bonito muito menos ainda! Jesus é o caminho a verdade e a vida! Visitem nossa igreja, aceitem a jesus como único e suficiente salvador!

Esses três últimos comentários foram tão broxantes, tão desnecessários e de tão péssimo gosto que pareceu tirar toda a beleza da imagem e o desejo de outros em prosseguir comentando.

A anônima da foto permaneceria anônima por enquanto. Tanto ela quanto a localização da paisagem. Os sonhos de lascívia ou grandeza de alguns também teriam de esperar para uma outra ocasião.

....

Criei esse cenário hipotético apenas para refletirmos um poucos sobre o modo como reagimos as “provocações” do meio em que estamos inseridos.

Uma simples paisagem como a do exemplo acima pode, ascender diferentes tipos de comportamentos nas pessoas. Vemos isso todos os dias, o dia todo, tanto no mundo virtual quanto no real.

Se é verdade que ninguém dá aquilo que que não se tem, também é verdade que certas pessoas treinam os seus olhos, ouvidos e mentes para enxergarem apenas aquilo que desejam ver. Outras pelas condições físicas, psicológicas ou religiosas a que foram submetidos possuem uma visão limitada ou distorcida sobre vários aspectos.

À grosso modo, as pessoas costumam projetar nos outros de forma inconsciente um reflexo do seu próprio eu. De acordo com o grau de ganancia, ignorância, prepotência e outras qualidades positivas e negativas, cada um poderá fazer uma leitura diferente daquilo que veem.

A bajulação, o louvor ou a repulsa automática (sentimento de rebanho) são as que mais embaçam a visão do observador, principalmente se o objeto e foco for uma celebridade do mundo religioso ou político qualquer.

Um observador idólatra é o pior inimigo que alguém pode ter, principalmente se esta for uma figura pública. É comum a esse tipo gente agir de modo corrupto, dando louvor em troca de influência ou dinheiro, escondendo ou negando os defeitos do objeto de culto só para agradar, enquanto inventam qualidades que este não possui, em certos casos já articulando sua queda. Nesses casos, a mão que afaga serpa a mesma que apedreja.

Semelhante a isso, temos os que vivem na lama e torcem para que outros deçam ao seu nível para não se sentirem a sós. Alguns destes dizem almejar viver em um pais mais justo e mais igualitário mas pessoalmente nada fazem para que isso aconteça, ao invés disso torcem internamente para que os seus representantes sejam corruptos e miseráveis como ele o é, para que desse modo, o direito à crítica e ao esculacho seja o eterno combustível que alimentará sua ira ou sua roda (pífia) de conversas diárias.

Uma pessoa cheia de defeitos morando e um ambiente perfeito seria torturada pelo seu próprio reflexo social a todo tempo. A crítica mediante o deslize, corrupção ou “pecado” evidente de outra pessoa, pode fazer com que até a mais vil de todas as criaturas sinta-se “o deus da moralidade”, usando sua língua afiada como se fosse uma faca de açougueiro para retaliar e vender aos pedaços a reputação do seu objeto de crítica.

Se a leitura de que muitos fazem do mundo ficasse apenas na crítica seria até bom. O ruim é que muitos fazem disso seu estilo de vida entram no campo da ação.

Tomamos como exemplo algumas pessoas citadas acima, o lascivo acha que tudo ou o mundo todo funciona em torno de sexo, sacanagem e safadeza. Acham que tudo gira em torno de penetrar e ser penetrado; de encochar ou ser encochado; de f*der ou ser f*dido.

Alguns desses não perdem tempo, e se tiverem oportunidade, no ônibus, na igreja, no trabalho, na escola, na rua, na praia ou em qualquer lugar onde haja pessoas animais ou coisas darão vazão às suas fantasias (doentias). Acham que todo gesto ou olhar do outro é um convite à sacanagem e respondem de fato como se fosse.

O religioso paranoico também é outro problema. Sua leitura do mundo é muito perturbada, e faz com que o mais lindo dia de sol se transforme em um vendaval com raios e trovões e muita ira divina. Tudo em sua mente é o resultado de uma ação divina ou maligna e que nós somos meras marionetes dessas forças e que no fim das contas somente eles e o seu grupinho de “escolhidos” se salvarão. Ainda que saiam a evangelizar, levar as boas novas e a “palavra de salvação” aos “perdidos”, no fundo torcem pela condenação alheia, dos que rejeitaram suas “verdades”.

Os que fazem acontecer o “capitalismo malvadão”, achando que as funções humanas resume-se apenas em comprar, vender, lucrar e acumular coisas desnecessárias em detrimento a escassez e exploração alheia, também fazem o mundo ficar mais sombrio, parecendo que somos meras mercadorias ou produtos a serem descartados depois de usados.

Os que procuram viver apenas de aparência também saem no prejuízo, pois não estão vivendo suas vidas em si ou para si, mas as vivem em função do reconhecimento alheio, baseado naquilo que os outros vão pensar, dizer ou fazer ao seu respeito. Como cães adestrados, vivem de acordo com as últimas tendência da moda, do mundo fitness, do mundo religioso ou do mundo high tech. Quando menos se dão conta, a vida passou, viveram a vida dos outros e se perguntam: “quem sou eu mesmo?”

Como vimos, uma mesma paisagem pode acionar diferentes estímulos,

Da mesma forma, um som, um cheiro, um gesto ou um conjunto de uma obra podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Por isso nem todo autor é compreendido ou toda arte é apreciada. Públicos diferentes fazem avaliações diferentes fazendo com que o bom se ache ruim e o imprestável se ache uma joia rara.

Os ouvidos treinados ouvindo uma música clássica, jamais irá admitir que funk é música e vice versa.

Uma pessoa que já viu a capela sistina, sabe de suas riquezas de detalhes e o tempo que o artista demorou para finalizá-la, jamais vai se conformar em chamar de arte uma roda de bicicleta aparafusada em cima de uma privada...

O “retrato perfeito” do mundo está mais ligado ao modo como administramos nossos sentimentos e emoções do que o modo como nos retratam.

Uma vida bem administrada pode ser sim uma experiência agradável nesse corpo, nessa forma humana. Poderemos viver ou fazer de nossa vida um paraíso ou deixar que outros façam dela um inferno.

Como dizia um certo ditado: a beleza está nos olhos de quem vê...

Pensem sobre isso.

Saúde e Sanidade a todos!

REVEJAM SEUS CONCEITOS!

Texto escrito em 28/3/21

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 28/03/2021
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