AS COINCIDÊNCIAS MILAGROSAS

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Muitas vezes ouvimos falar de coincidências surpreendentes que, num primeiro momento, parecem milagrosas. A questão é definir como eventos aparentemente extraordinários devem ser avaliados. Vamos começar com dois exemplos.

Um conhecido sofre dois acidentes de trânsito em poucas semanas, ambos no mesmo local, mais ou menos na mesma hora e, ainda por cima, é assaltado.

Provavelmente, até as pessoas mais racionais poderão dizer que «Não é possível que esse cara tenha sido afetado por três eventos tão negativos. Isso não pode ser por caso». Sem falar naqueles que imediatamente recorrerão a argumentos como «Alguém o odeia muito» ou «Foi um castigo divino». Pelo contrário, sabemos que, ocasionalmente, uns sortudos ganham na loteria não uma, mas duas ou até três vezes em pouco tempo e não poucos pensarão que: «Decerto “alguém” lá em cima o favoreceu».

Os casos citados são tidos, para muitos, como a confirmação em crenças que remetem a causas sobrenaturais, como mau-olhado, intervenção do maligno ou, no caso de acontecimentos favoráveis, a milagres e graças concedidas por santos e beatos.

No entanto, o grande matemático inglês John Edensor Littlewood (1885-1977) que, em parceria com Godfrey Harold Hardy, fez grandes contribuições à matemática no século passado, formulou uma "lei" para esses fenômenos que explica o que, aparentemente, parece impossível de ser observado. Essa lei é chamada de “lei dos milagres” e pode ser formulada da seguinte forma: “na vida de um ser humano ocorre cerca de um milagre por mês”. Com a palavra “milagre” o Professor Littlewood não queria considerar fenômenos impossíveis, mas apenas aqueles cuja probabilidade de ocorrer é inferior a uma por milhão.

Com essa lei, o matemático britânico queria estigmatizar o erro consistente em confundir a ideia de que um determinado evento pode acontecer de forma extremamente rara com a ideia de que não pode acontecer a uma pessoa normal. Na verdade, como existem inúmeras outras pessoas, a probabilidade global de se observar um "milagre" no decorrer de um mês não é mais tão desprezível. De fato, aqueles que cometem esse erro usaram, pelo menos em parte, o pensamento racional, porque estão cientes que o fenômeno é raro. Entretanto, raro não quer dizer impossível.

É típico o caso das curas que beneficiam um doente quando ele invoca a intervenção divina. Objetivamente é bastante difícil que, por exemplo, um doente de câncer sare sozinho e a medicina nos ensina que, mediamente, isso ocorre com uma frequência de um em cada 60.000. Mas se formos considerar os milhões de doentes que, diariamente, no mundo inteiro apelam para algum santo, é evidente que a baixíssima probabilidade individual é mais que compensada pelo alto número de pessoas orando. Portanto, não nos deve surpreender o fato que, ocasionalmente, um doente seja curado após ter pedido socorro aos santos. A probabilidade de sarar é a mesma de quem toma um copo de garapa, mas ninguém iria atribuir a sua cura a essa bebida.

Voltando ao problema da coincidência, existe também um importante fator psicológico conhecido come “sorte de principiante”. É evidente que um apostador que ganha já no primeiro jogo, se sentirá estimulado a continuar com mais apostas; entretanto, a sua probabilidade de ganhar novamente é a mesma dos outros jogadores. O fato é que essa pessoa terá a tendência a lembrar o sucesso inicial e a desconsiderar as perdas sucessivas. Em outras palavras, do ponto de vista psicológico, estamos mais propensos a lembrar determinados eventos, principalmente se raros e particularmente positivos ou negativos e, com isso, a nossa interpretação da realidade fica distorcida.

Muitas pessoas, diante de um evento raro, decidem que, por causa da sua excepcionalidade, ele represente uma mensagem - de regra enviada por alguma entidade sobrenatural – e se sentem protegidas contra as adversidades. No entanto, esse breve texto demonstra que eventos estatisticamente raros podem acontecer sem, todavia, quebrar as leis da natureza.

Sabe-se de um cassino onde o número 30 saiu quatro vezes seguidas e de outro onde um número “vermelho” saiu mais de dez vezes seguidas. Mas nada se compara com o caso dum cassino americano onde, em 1943, o vermelho saiu nada menos que 32 vezes seguidas, um fato que pode parecer “milagroso”. O que isso significa? Que havia alguma força espiritual agindo sobre a roleta? Não, simplesmente os eventos se verificaram porque podiam se realizar, e mais nada.

Em conclusão, se a próxima vez que, fazendo uma viagem a Paris e se sentando na mesa de um bistrô um turista encontrar a sua ex-namorada, não pense que esse fato contenha significados ocultos ou mensagens misteriosas. Tudo não passa de uma coincidência singular num universo dominado pelo acaso.