A Onomástica Ficcional em A Morte do Velho Kipacaça de B. Cardoso.
A Literatura Angolana é riquíssima em personagens que possuem nomes de origem ocidental e sobretudo bantu que merecem a atenção de qualquer leitor. A área da Literatura que se preocupa com o estudo dos nomes, chamamos de onomástica literária, um campo infelizmente pouco explorado, mas de tamanha importância, daí o objetivo encerrar-se no estudo analítico dos nomes e as respectivas relações com as características físicas ou comportamentais dos personagens do conto de Boaventura Cardoso , A Morte do Velho Kipacaça. Com efeito, a psicocrítica e a etimologia acabam por ser um instrumento para estabelecer a tal relação. A onomástica, como afirmámos acima, é o estudo dos nomes ou a parte da linguística que se preocupa com o estudo dos nomes próprios de pessoas, antroponímia ou antroponomástica, e de lugares, toponímias ou toponomástica( Tchimboto e Ukwahamba:2019). O adjetivo “literária” torna ainda mais delimitado o estudo dos nomes, ou seja, propõe um estudo dos nomes próprios do texto narrativo-ficcional. Para esta análise, a preocupação cinge-se no ramo da onomástica que trata dos nomes próprios das pessoas, antroponímia literária.
O nosso conto possui inúmeros signos onomásticos, aliás, um dos quais denomina o personagem principal que dá nome ao título, velho Kipacaça. Assim como este há outros signos que originam principalmente do Kimbundu como é o caso de, Kufuka e um em português, Teresa. Quando se dá nome a um personagem, já se tem a ideia do papel que lhe destina, portanto, é lícito supor que em grande parte dos casos, o nome do personagem é anterior a página escrita (Machado:2003), dito de outro modo, muitos dos nomes dados o seu significado acaba por coincidir ou até mesmo influenciar o modo de agir do personagem. Kipacaça, por exemplo, é o signo onomástico utilizado para denominar o personagem principal, uma palavra que deriva do kimbundu significando pacaça grande. Não se sabe ao certo como o personagem recebe este nome, no entanto, pela natureza pensa-se que se deve ao facto de se tornar um caçador de grande caça, portanto, dado devido a habilidade de exímio caçador. Nesta perspectiva, a grandeza da pacaça metaforiza a grandeza do caçador. Uma grandeza criada pela arrogância e egocentrismo do personagem que sentia prazer a falar de si, criando epopeias das suas aventuras (pág. 43,44 e 47). Assim, o signo Kipacaça relaciona-se ao personagem.
Teresa é o único nome não derivante do kimbundu que preferimos analisar, usa-se para referir a esposa do velho Kipacaça, uma palavra que deriva do grego Therasia significando natural de Tera que por sua vez origina de Ther, animal selvagem; outra possibilidade é de ter derivado de Thereusis que remete para caça. Quer de animal Selvagem como de caça remetem para caçador, ou seja, são palavras que pertencem ao mesmo campo semântico, o que implica que o signo onomástico Teresa é perfeito para denominar a esposa de um caçador e reflete aquilo que o personagem é e está contextualizado em relação ao topos em que toda trama-ficcional se desenrola (pág. 44).
Kufuca é o personagem que representa o sekulu, o mais-velho sábio, aquele que na sua boca lhe pode faltar dentes, todavia, nunca juízo e tem sempre uma palavra por ser proprietário de uma experiência acumulada, é o único capaz de aprofundar ou descurtinar todas as situações problemáticas na aldeia, repare na voz do narrador ( ... tem muita gente que lhe procura todo dia. Pág 49∕ ...o velho Kufuca sentado no centro do círculo... pág 51.). Por outro lado, o signo onomástico Kufuca deriva do kimbundu refirindo a cavar ou aprofundar, o que quer dizer que se trata de um signo transparente na medida que o seu significado tem que ver também com a personalidade do personagem Kufuca, uma vez que este igualmente cava ou aprofunda os problemas da aldeia.
Assim, há nesta narrativa signos onomásticos que transparecem as actuações das próprias personagens, o que chamamos de signos onomásticos transparentes. Isto significa que os nomes não são vazios ou desprovidos de importância no conto, aliás, são realidades ontológicas que influenciam o personagem.