YONAGUNI: UM DIA EM 1986

UM DIA EM 1986.

Kihachiro Arataki havia acordado mais tarde que costumava. Sem clientes para acompanhá-lo, seguiu sua rotina automaticamente. Checou todo o equipamento, separou o que iria utilizar e escolheu um tanque cheio. Conhecia a ilha como ninguém, pois mergulhava há anos em redor dela. Estudava o comportamento dos grandes tubarões martelo, abundantes naquela região leste do Mar da China, pois ali acasalavam e procriavam no período entre dezembro e março. Ligou o motor, e, em marcha lenta, foi se distanciando da costa. Saiu do porto, e duzentos metros depois tomou rumo oeste. Passando em frente às praias, seguiu a linha costeira. Atingiu e contornou a ponta oriental da ilha, continuou navegando paralelo à costa. Estava longe de seu destino, onde acompanhava seus “bebês”, os imensos tubarões martelo. Esses animais magníficos, que atingem até seis metros de comprimento, possuem características ímpares. Dotados de sensibilidade muito acima do normal para os outros gêneros de tubarões, o tubarão martelo é um radar ambulante. Sua cabeça possui duas extremidades, com olho e fossas nasais em cada uma. O seu aspecto estranho é compensado por uma imensa sensibilidade em detectar presas, percebendo impulsos elétricos de até meio bilionésimos de volts devido suas chamadas Ampôlas de Lorenzini, que nada mais são que sensores eletromagnéticos de extrema precisão. O campo visual é maior que outros seres devido a posição dos olhos, com uma agilidade de movimento corporal compatível. Mas apesar de todo esse sofisticado aparato natural, o tubarão martelo é o tipo de sua espécie mais ameaçado de extinção, caçado impiedosamente pelo homem. Por isso Kihachiro se dedicava de corpo a alma a estudar esses animais maravilhosos, contribuindo para conscientizar os pescadores locais da importância dos seus “bebês”. A ilha de Yonaguni, com muita imaginação, tem o formato de um golfinho, uma barbatana superior na parte traseira e outra na parte inferior sob a cabeça. O mergulhador havia contornado o bico do golfinho e retornava pela parte sul da ilha. Se aproximou da barbatana inferior e notou ondulações características que tubarões martelo provocam quando nadam próximo à superfície em grandes grupos de até cem ou mais indivíduos. Consultou o medidor de profundidade, e viu que indicava vinte e cinco metros. Passava por ali todos os dias, era um local sem interesse, onde nunca havia sequer pensado em mergulhar, devido sua proximidade da costa, uns cento e cinquenta metros. Mesmo assim, como que chamado pelos animais que amava, colocou sua roupa térmica de Neoprene, máscara, pés de pato bipartidos, cinto de chumbo. Ajustou os tanques de oxigênio e o regulador de mergulho, afivelou tudo, sentou na borda do barco, colocou o bocal, deu duas respiradas, e, de costas, deixou-se cair na água. Nos meses mais quentes, a temperatura do Mar da China é de quinze graus, dai a necessidade do uso de roupas térmica. Kihachiro, com esse mergulho, provocaria uma revolução mundial na Arqueologia. A água estava muito clara, como na maioria dos dias, e a luz solar penetrava fundo, como se o mar fosse uma complementação da atmosfera. Olhou em volta na região próxima à superfície buscando os tubarões, desceu um cinco ou seis metros e voltou o olhar para cima, como normalmente observava os animais. Conseguiu ver ao longe dois grandes martelos se afastando lentamente de onde estava ignorando solenemente a presença humana, com suaves movimentos de seus corpos. Resolveu voltar ao barco e se dirigir ao local de costume. Nadando na superfície, notou que, bem na vertical de onde estava, havia vultos que poderiam ser os objetos de sua pesquisa. Afundou novamente. Estava de frente para a costeira. Abaixo de si estranhou o que viu: algumas linhas retas paralelas e outras perpendiculares a estas, paredões imensos que se prolongavam até perder-se no fundo do mar. Apesar da estratigrafia das rochas locais terem formações em camadas horizontais paralelas, decidiu investigar o que estava vendo. Parou, acalmou-se, e então teve uma visão geral das estruturas rochosas que observava. Seu sangue gelou nas veias. Era um conjunto imenso de escadarias, corredores, degraus enormes, blocos de rocha, rampas, grandes aberturas compondo um conjunto de cento e cinquenta metros de comprimento, sessenta de largura e uns vinte e cinco metros de altura, com uma plataforma superior na profundidade de vinte e cinco metros. Kihachiro Arataki, um modesto supervisor de mergulho de Yonaguni, uma pequena ilha do arquipélago de Ryukyu, estava frente a frente com estruturas submarinas nunca vistas em tamanho e totalmente desconhecidas. O japonês ficou petrificado por uns dez minutos, estupefato com o que estava observando. Tentou ainda se aproximar de sua descoberta, mas o medo do desconhecido falou mais alto. Voltou ao barco, tremendo de emoção, e retornou ao atracadouro. Permaneceu vários dias sem voltar ao local de sua descoberta, numa vã tentativa de esquecer o que vira e se convencer que não passava de fruto de sua imaginação. Mas sabia que o Ponto das Ruinas, como chamara o local, estava lá, independente de propagar ou não sua existência.

Finalmente contou a amigos e voltou ao local com outros mergulhadores, fez várias fotos. Procurou então o professor Masaaki Kimura, da Universidade Ryukyu. Isso foi o ponto de partida para a investigação de uma das grandes descobertas arqueológicas, comparável e talvez mais importante que Egito, Mesopotâmia, Civilizações pré-colombianas, etc.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 08/03/2021
Código do texto: T7201813
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