AS “POLÍTICAS DE MORTE” DO GOVERNO BOLSONARO
Em nossa realidade podemos compreender como estados de exceção, as inúmeras populações que são abandonadas à própria sorte. No Brasil, poderíamos citar como exemplos as pessoas que vivem nas ruas em situação de emergência, em especial, aquelas que se concentram em zonas periféricas como a Cracolândia, em São Paulo, ou, até mesmo, os indígenas venezuelanos das tribos – pemones, panares e waraos – que migraram para Roraima, fruto do agravamento da crise econômica do governo de Nicolás Maduro.
Mbembe (2018) faz um paralelo entre a noção de biopoder de Foucault e os conceitos de estado de exceção e o estado de sítio de Agamben. A partir disso, ele vai argumentar que as relações entre o estado de exceção e de inimizade tornaram-se “a base normativa do direito de matar”.
É neste momento que apresento o primeiro exemplo de política da Morte dentro do Governo de Bolsonaro: “O Assassinato da vereadora carioca Marielle Franco”. Mesmo tendo sido assassinada dez meses antes de Jair Bolsonaro se tornar presidente, a sua execução iria se tornar um dos casos mais misteriosos e emblemáticos da Justiça brasileira. E que culminaria na prisão de milicianos com possíveis vínculos com o presidente.
Bugalho (2020, p. 12) ressalta que o “assassinato de Marielle não era tão somente um ataque a uma cidadã brasileira, mas a uma vereadora eleita que representava um conjunto de valores que já eram marginalizados histórica e socialmente [...], “mulher, negra, gay, da favela”. Ainda, segundo ele, tudo o que a “classe média branca e conservadora brasileira abominava e temia”.
É importante salientar, quanto ao conceito definido por Mbembe, que o poder exercido dentro da necropolítica, não está necessariamente restrito ao poder estatal. Ou seja, não é apenas o Estado que tem o poder de decidir quem vai viver e quem vai morrer, atualmente. Aqueles cujo valor dentro do mercado capitalista tem maior significação, estão seguramente à frente dentro da cadeia seletiva do poder.
Para Mbembe (2020, p. 04), “o sistema capitalista é baseado na distribuição desigual da oportunidade de viver e de morrer. Essa lógica do sacrifício sempre esteve no coração do neoliberalismo, que deveríamos chamar de necroliberalismo. Esse sistema sempre operou com a ideia de que alguém vale mais do que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado.”
Para ilustrar esta passagem vou fazer uso de um trecho de uma carta retirada do livro de Bugalho, enviada por uma professora, por ocasião de uma fala do presidente Bolsonaro, que na época fazia apologia ao trabalho infantil.
Utilizei esta passagem não só para demonstrar a insensibilidade do presidente, incentivando crianças a trabalharem, e esquecendo totalmente quais as prerrogativas do seu cargo, que deveriam ser: Investir na Educação infantil e no ensino fundamental de qualidade, fazendo com que as crianças não pensassem em outra coisa, que não fosse a escola.
Entretanto, o motivo maior da citação é para reforçar o racismo escancarado em Bolsonaro. Durante palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em 03 de abril de 2017, ele proferiu a seguinte frase: “Quilombola não serve nem para procriar”. Além de mencionar o peso das pessoas daquele quilombo, referindo-se aos mesmos como animais de abate. Percebo com este exemplo, que naquela época, o presidente nutria desprezo e ódio por minorias, além de não imaginar nenhuma política em favor de populações quilombolas, indígenas, e pessoas de orientação LGBTQIAPN+.
Este fato comprova que Bolsonaro vem acentuar o que Mbembe (2018, p. 17) enfatiza quando diz: “a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros. Isso é o que Foucault rotula com o termo “racismo” [...]. Aquele velho direito soberano de morte”.
Considerando a lógica minimalista de que “bandido bom é bandido morto”, atingimos o que Mbembe (2018, p. 20) determinada em ensaio como “a racionalidade da vida passa pela morte do outro; e a soberania consista na vontade e capacidade de matar para possibilitar viver”. Este discurso é uma retórica constante na fala, não só do Presidente, como também dos seus correligionários.
Numa entrevista concedida em 05 de outubro de 2015 a um repórter, perguntado sobre a letalidade da polícia militar brasileira, Bolsonaro respondeu categoricamente: “Eu acho que essa Polícia Militar do Brasil tinha que matar é mais”.
Bolsonaro há algum tempo demonstra suspeita de uma Necropolítica. Na mesma entrevista ele deu a seguinte declaração: “Eu tenho um projeto aqui na Câmara, se alguém está roubando uma bicicleta, se eu atirar naquele vagabundo, eu não respondo por crime nenhum. Eu não sou mais passível de ser punido. Tem que ser assim, caso contrário, cada vez mais, esse pessoal vai mudando o nível, começa a roubar lá em baixo”. Infelizmente, tais barbaridades, à época, não foram reprimidas com mais veemência, passando a representar o retrato da história.
Outra mostra bastante relevante que aponta o quanto o Governo de Bolsonaro contribui com práticas de políticas de Morte significativas e, decididamente, já se mostram como Política da Morte. Bem como, apresentarão reverberações para os seus responsáveis num futuro, é todo o contexto compreendido desde o início do período pandêmico.
Com as mais estapafúrdias demonstrações de inépcia, incompetência, insensibilidade, falta de humanidade, suas políticas públicas de saúde implementadas contra o vírus causador do COVID-19 foram totalmente desastrosas. Além do que, o próprio presidente, desde o começo da pandemia, mostrou-se como um verdadeiro negacionista, fazendo com que milhões de pessoas – seus correligionários – demonstrassem característica semelhante.
Segundo Dunker (2020, p. 06), o negacionismo “diz respeito às práticas que visam confirmar por exagero uma dúvida que temos, mas não queremos admitir. Neste caso, a negação é realizada em grupos e mais frequentemente através do comportamento de massa”.
O escritor afirma que nesses casos frequentemente há um engendramento de alienação de crenças religiosas e visões de mundo. Nesse caso, tudo acontece de modo a fazer com que a negação coletiva nos torne cada vez mais imunes à dúvida. “Percebe-se assim a justeza dos termos “reação” e “reacionário” para designar tal atitude” (DUNKER, 2020, p, 07).
Após exposição da concepção de atitude que demonstra o quão alienado é o presidente deste país, demonstrarei como ele efetivamente contribuiu e contribui para o exercício na necropolítica no período da pandemia.
De acordo ao documento que orienta o uso de máscaras no contexto do COVID-19, que é uma atualização da orientação publicada em 5 de junho de 2020, destinado a reduzir a propagação do SARS-CoV-2, o vírus causador do COVID-19, Jair Bolsonaro, no uso de suas atribuições legais enquanto presidente da República, descumpriu pelo menos as seguintes recomendações:
• A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras como parte de um conjunto abrangente de medidas de prevenção e controle destinadas a limitar a propagação do SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19.
• Distância física de pelo menos 1 metro, cuidado para não tocar o rosto, bons hábitos de tosse e espirro, ventilação adequada de ambientes internos, testes, rastreamento de contato.
Quando Bolsonaro sai às ruas, vai a locais públicos e manifestações sem máscaras ele está atuando de forma a colocar a população em risco de morte, uma vez que, por ser a autoridade máxima do país deveria se comportar e se posicionar conforme as recomendações da OMS.
Ao se mostrar de maneira oposta e negaciosta, passa uma imagem que vai de encontro ao que está proposto nos protocolos da Instituição que é responsável por regular, orientar e recomendar quais são as medidas de segurança a serem tomadas em casos pandêmicos.
Não foram apenas as aparições públicas que tornaram Bolsonaro o líder mundial mais incapaz de contornar os malefícios desta Pandemia. Outras atitudes se tornaram bem mais comprometedoras e colocaram a população brasileira em risco iminente de morte e, com certeza, milhares de brasileiros, se não morreram, infelizmente ainda morrerão por culpa da incapacidade do Governo.
Para esta afirmação, dou o seguinte exemplo:
Em outubro de 2020 o Governo Federal tinha firmado um contrato de compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, que estava sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica chinesa Sinovac. No entanto, Bolsonaro cancelou o contrato, dizendo simplesmente que:
"O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós". (grifo meu). Concluo com esta afirmação do presidente, que a culpa pelo que está acontecendo atualmente no cenário distópico deste país é única e exclusivamente dele.
Segundo o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o lote referido serviria para o inicio da vacinação e que estaria pronto em janeiro deste ano. Todavia, o quadro que se apresenta no momento é o seguinte: O número de pessoas vacinadas contra a covid-19 no Brasil até o momento é de apenas 3,28% da população total do País, o que representa 6.950.802, de acordo com dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa. E, no momento, em muitos lugares do país o estoque de vacinas se esgotou.
Concluindo, Achille Mbembe argumenta que o que está acontecendo nesta pandemia é que as pessoas estão sendo descartadas como se fosse um lixo do qual precisamos nos livrar o mais rápido possível. Nesse sentido, como se criar comunidades em um momento de calamidade?
Quando políticos como Jair Bolsonaro, Donald Trump, o presidente do Turquemenistão, Gurbanguly Berdimuhammedow, e da Bielorrússia, Aleksander Lukashenko – declaradamente negacionistas –, utilizam a pauta de que se deve priorizar a Economia em detrimento da Vida, o exercício do descarte de corpos humanos ao seu estado de indigência e desumanidade atinge o status máximo da Necropolítica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ensaio, apresento a base do biopoder e da biopolítica de Foucault, do estado de exceção de Giorgio Agamben para conceituar o que Mbembe define como Necropolítica.
Em seguida, argumento que a normatização do direito de matar foi uma das responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, e corroboro a culpa de Bolsonaro por tal crime, uma vez que o envolvimento de milicianos com suposta ligação ao presidente reforçam a sua noção de políticas da Morte.
Utilizo o conceito de necroliberalismo de Mbembe para argumentar que dentro de um estado capitalista o poder não é exclusivo do Estado e aqueles que possuem maior relevância dentro desse tipo de Sistema, geralmente tem preferência sobre outros corpos. Em cima disso saliento o posicionamento racista do presidente, confirmando um acirramento de seu compromisso com políticas de exclusão.
Em outro momento, parto do princípio de que a lógica minimalista, “bandido bom é bandido morto”, está relacionada com o que Mbembe (2018) diz sobre a racionalidade da vida passa pela morte do outro.
Finalmente, estabeleço as práticas negacionistas instaladas durante a pandemia pelo Governo Bolsonaro, bem como, expondo o conceito do termo “negacionismo”, segundo Dunker (2020), e como elas contribuíram para a aceleração das mortes dentro do nosso país.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: Notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica. 2015.
BUGALHO, Henry. Minha especialidade é matar: Como o bolsonarismo tomou conta do Brasil. 1ª Ed. Curitiba/PR: Kotter Editorial, 2020.
DIAS, Carlos Henrique; JÚNIOR, Eduardo Ribeiro. 'Já mandei cancelar', diz Bolsonaro sobre protocolo de intenções de vacina do Instituto Butantan em parceria com farmacêutica chinesa. G1. [2020]. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2020/10/21/ja-mandei-cancelar-diz-bolsonaro-sobre-protocolo-de-intencoes-de-vacina-do-instituto-butantan-em-parceria-com-farmaceutica-chinesa.ghtml> Acesso em: 20 fev. 2021.
DUNKER, Christian Ingo Lenz. A arte da quarentena para principiantes. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
FANESE. MANUAL DE TRABALHOS ACADÊMICOS: Monografia, Artigo, Ensaio, Relatório Técnico e/u Científico e Resenha. Faculdade de Administração e Negócios, Aracaju, Sergipe, 2011. Disponível em: < https://download.fanese.edu.br/nupef/documentos/NUPEF_MANUAL_TRABALHO_ACADEMICO.pdf > Acesso em: 02 fev. 2021.
GAZETA DO POVO. “Sou capitão do Exército, a minha especialidade é matar”. [S.I.]. [2017]. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/sou-capitao-do-exercito-a-minha-especialidade-e-matar-diz-bolsonaro-5jt6tsot2v8jygy6l50uswd0h > Acesso em: 21 fev. 2021.
LUCAS, A. A triste sorte dos presidentes negacionistas da covid-19. El Pais. [2020]. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-07-07/a-triste-sorte-dos-negacionistas-da-covid-19.html> Acesso em: 20 fev. 2021.
MBEMBE, Achille. NECROPLÍTICA. São Paulo: N1 – edições, 2018.
O.M.S. Orientação provisória, de 01 de dezembro de 2020, destinada a reduzir a propagação do SARS-CoV-2. Uso de máscaras no contexto do COVID-19. Genebra, 2020. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/337833/WHO-2019-nCov-IPC_Masks-2020.5-spa.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em: 20 fev. de 2021.
Este ensaio tem como objetivo principal estabelecer a relação existente entre o conceito definido por Mbembe (2018) conhecido como “Necropolítica” e a sua atuação nas políticas defendidas dentro do Governo de Jair Bolsonaro.
O conceito de Necropolítica, desenvolvido a partir da Obra do filósofo e cientista político camaronense Achille Mbembe, parte dos princípios estabelecidos pelos conceitos de “biopoder” e “biopolítica” de Foucault e de “estado de exceção” do filósofo italiano Giorgio Agamben.
Segundo Mbembe, o que Foucault estabelece como o poder do soberano em fazer morrer e deixar viver, ou seja, a noção de biopoder; e o seu conceito de biopolítica, o poder de fazer viver e deixar morrer, é “insuficiente para explicar as formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte” (MBEMBE, 2018, p, 71).
A partir disso, Mbembe (2018) propôs sua noção tanto de necropolítica quanto de necropoder no intuito de explicar diferentes formas, no mundo contemporâneo, de como agem os Governos orientados por essas políticas.
Assim, ele dá exemplos contundentes da instrumentalização e do aparato utilizado pelas nações na implantação da necropolítica: Armas de fogo para destruição em massa de pessoas e da criação de “mundos de Morte”, além da criação de novas formas de existência social, onde um número gigantesco de pessoas são submetidas a condições de vida insalubres, dando-lhes características análogas a “mortos-vivos”.
É nesse sentido, que Mbembe vai se apropriar do conceito de “estado de exceção” de Agamben:
O conceito de Necropolítica, desenvolvido a partir da Obra do filósofo e cientista político camaronense Achille Mbembe, parte dos princípios estabelecidos pelos conceitos de “biopoder” e “biopolítica” de Foucault e de “estado de exceção” do filósofo italiano Giorgio Agamben.
Segundo Mbembe, o que Foucault estabelece como o poder do soberano em fazer morrer e deixar viver, ou seja, a noção de biopoder; e o seu conceito de biopolítica, o poder de fazer viver e deixar morrer, é “insuficiente para explicar as formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte” (MBEMBE, 2018, p, 71).
A partir disso, Mbembe (2018) propôs sua noção tanto de necropolítica quanto de necropoder no intuito de explicar diferentes formas, no mundo contemporâneo, de como agem os Governos orientados por essas políticas.
Assim, ele dá exemplos contundentes da instrumentalização e do aparato utilizado pelas nações na implantação da necropolítica: Armas de fogo para destruição em massa de pessoas e da criação de “mundos de Morte”, além da criação de novas formas de existência social, onde um número gigantesco de pessoas são submetidas a condições de vida insalubres, dando-lhes características análogas a “mortos-vivos”.
É nesse sentido, que Mbembe vai se apropriar do conceito de “estado de exceção” de Agamben:
O estado de exceção (suspensão temporária do ordenamento, que revela, ao contrário, constituir a sua estrutura fundamental em todos os sentidos) [...]. O que nele é excluído, segundo o significado etimológico do termo exceção (ex-capere), é capturado fora, incluído através de sua própria exclusão. Mas aquilo que, desse modo, é antes de tudo capturado no ordenamento é o próprio estado de exceção. Ou seja, o campo é a estrutura na qual o estado de exceção, sobre cuja decisão possível se funda o poder soberano, é realizado de modo estável. (AGAMBEN, 2015, pp. 09-41).
Em nossa realidade podemos compreender como estados de exceção, as inúmeras populações que são abandonadas à própria sorte. No Brasil, poderíamos citar como exemplos as pessoas que vivem nas ruas em situação de emergência, em especial, aquelas que se concentram em zonas periféricas como a Cracolândia, em São Paulo, ou, até mesmo, os indígenas venezuelanos das tribos – pemones, panares e waraos – que migraram para Roraima, fruto do agravamento da crise econômica do governo de Nicolás Maduro.
Mbembe (2018) faz um paralelo entre a noção de biopoder de Foucault e os conceitos de estado de exceção e o estado de sítio de Agamben. A partir disso, ele vai argumentar que as relações entre o estado de exceção e de inimizade tornaram-se “a base normativa do direito de matar”.
É neste momento que apresento o primeiro exemplo de política da Morte dentro do Governo de Bolsonaro: “O Assassinato da vereadora carioca Marielle Franco”. Mesmo tendo sido assassinada dez meses antes de Jair Bolsonaro se tornar presidente, a sua execução iria se tornar um dos casos mais misteriosos e emblemáticos da Justiça brasileira. E que culminaria na prisão de milicianos com possíveis vínculos com o presidente.
Bugalho (2020, p. 12) ressalta que o “assassinato de Marielle não era tão somente um ataque a uma cidadã brasileira, mas a uma vereadora eleita que representava um conjunto de valores que já eram marginalizados histórica e socialmente [...], “mulher, negra, gay, da favela”. Ainda, segundo ele, tudo o que a “classe média branca e conservadora brasileira abominava e temia”.
É importante salientar, quanto ao conceito definido por Mbembe, que o poder exercido dentro da necropolítica, não está necessariamente restrito ao poder estatal. Ou seja, não é apenas o Estado que tem o poder de decidir quem vai viver e quem vai morrer, atualmente. Aqueles cujo valor dentro do mercado capitalista tem maior significação, estão seguramente à frente dentro da cadeia seletiva do poder.
Para Mbembe (2020, p. 04), “o sistema capitalista é baseado na distribuição desigual da oportunidade de viver e de morrer. Essa lógica do sacrifício sempre esteve no coração do neoliberalismo, que deveríamos chamar de necroliberalismo. Esse sistema sempre operou com a ideia de que alguém vale mais do que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado.”
Para ilustrar esta passagem vou fazer uso de um trecho de uma carta retirada do livro de Bugalho, enviada por uma professora, por ocasião de uma fala do presidente Bolsonaro, que na época fazia apologia ao trabalho infantil.
O Presidente da República, nascido aqui na vizinha cidade de Glicério-SP, disse que “desde os oito anos” fazia pequenos serviços rurais como colher e quebrar milho, apanhar bananas e as colocar em caixa, etc. Em tom irônico, afirmou que o dono da fazenda quase não estava por lá - seu “capataz" (aquele que dá ordens no lugar do patrão) era Percy Geraldo Bolsonaro, ou seja, seu pai. Aviso desde já que quem escreve esse texto é uma preta, neta de um casal de escravos que só foram alforriados após a Lei Áurea pelo lado paterno. O meu avô João começou a vida sendo chamado de “preto João", sem nome ou sobrenome - simplesmente apelidado como um animal qualquer. Começou a trabalhar com 4 ou 5 anos de idade, assim como a totalidade de minha família. Jamais soube quem eram os seus pais, pois negros existiam em senzalas apenas para que se reproduzissem. (BUGALHO, 2020, p. 32 – grifos meus.).
Utilizei esta passagem não só para demonstrar a insensibilidade do presidente, incentivando crianças a trabalharem, e esquecendo totalmente quais as prerrogativas do seu cargo, que deveriam ser: Investir na Educação infantil e no ensino fundamental de qualidade, fazendo com que as crianças não pensassem em outra coisa, que não fosse a escola.
Entretanto, o motivo maior da citação é para reforçar o racismo escancarado em Bolsonaro. Durante palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em 03 de abril de 2017, ele proferiu a seguinte frase: “Quilombola não serve nem para procriar”. Além de mencionar o peso das pessoas daquele quilombo, referindo-se aos mesmos como animais de abate. Percebo com este exemplo, que naquela época, o presidente nutria desprezo e ódio por minorias, além de não imaginar nenhuma política em favor de populações quilombolas, indígenas, e pessoas de orientação LGBTQIAPN+.
Este fato comprova que Bolsonaro vem acentuar o que Mbembe (2018, p. 17) enfatiza quando diz: “a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros. Isso é o que Foucault rotula com o termo “racismo” [...]. Aquele velho direito soberano de morte”.
Considerando a lógica minimalista de que “bandido bom é bandido morto”, atingimos o que Mbembe (2018, p. 20) determinada em ensaio como “a racionalidade da vida passa pela morte do outro; e a soberania consista na vontade e capacidade de matar para possibilitar viver”. Este discurso é uma retórica constante na fala, não só do Presidente, como também dos seus correligionários.
Numa entrevista concedida em 05 de outubro de 2015 a um repórter, perguntado sobre a letalidade da polícia militar brasileira, Bolsonaro respondeu categoricamente: “Eu acho que essa Polícia Militar do Brasil tinha que matar é mais”.
Bolsonaro há algum tempo demonstra suspeita de uma Necropolítica. Na mesma entrevista ele deu a seguinte declaração: “Eu tenho um projeto aqui na Câmara, se alguém está roubando uma bicicleta, se eu atirar naquele vagabundo, eu não respondo por crime nenhum. Eu não sou mais passível de ser punido. Tem que ser assim, caso contrário, cada vez mais, esse pessoal vai mudando o nível, começa a roubar lá em baixo”. Infelizmente, tais barbaridades, à época, não foram reprimidas com mais veemência, passando a representar o retrato da história.
Outra mostra bastante relevante que aponta o quanto o Governo de Bolsonaro contribui com práticas de políticas de Morte significativas e, decididamente, já se mostram como Política da Morte. Bem como, apresentarão reverberações para os seus responsáveis num futuro, é todo o contexto compreendido desde o início do período pandêmico.
Com as mais estapafúrdias demonstrações de inépcia, incompetência, insensibilidade, falta de humanidade, suas políticas públicas de saúde implementadas contra o vírus causador do COVID-19 foram totalmente desastrosas. Além do que, o próprio presidente, desde o começo da pandemia, mostrou-se como um verdadeiro negacionista, fazendo com que milhões de pessoas – seus correligionários – demonstrassem característica semelhante.
Segundo Dunker (2020, p. 06), o negacionismo “diz respeito às práticas que visam confirmar por exagero uma dúvida que temos, mas não queremos admitir. Neste caso, a negação é realizada em grupos e mais frequentemente através do comportamento de massa”.
O escritor afirma que nesses casos frequentemente há um engendramento de alienação de crenças religiosas e visões de mundo. Nesse caso, tudo acontece de modo a fazer com que a negação coletiva nos torne cada vez mais imunes à dúvida. “Percebe-se assim a justeza dos termos “reação” e “reacionário” para designar tal atitude” (DUNKER, 2020, p, 07).
Após exposição da concepção de atitude que demonstra o quão alienado é o presidente deste país, demonstrarei como ele efetivamente contribuiu e contribui para o exercício na necropolítica no período da pandemia.
De acordo ao documento que orienta o uso de máscaras no contexto do COVID-19, que é uma atualização da orientação publicada em 5 de junho de 2020, destinado a reduzir a propagação do SARS-CoV-2, o vírus causador do COVID-19, Jair Bolsonaro, no uso de suas atribuições legais enquanto presidente da República, descumpriu pelo menos as seguintes recomendações:
• A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras como parte de um conjunto abrangente de medidas de prevenção e controle destinadas a limitar a propagação do SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19.
• Distância física de pelo menos 1 metro, cuidado para não tocar o rosto, bons hábitos de tosse e espirro, ventilação adequada de ambientes internos, testes, rastreamento de contato.
Quando Bolsonaro sai às ruas, vai a locais públicos e manifestações sem máscaras ele está atuando de forma a colocar a população em risco de morte, uma vez que, por ser a autoridade máxima do país deveria se comportar e se posicionar conforme as recomendações da OMS.
Ao se mostrar de maneira oposta e negaciosta, passa uma imagem que vai de encontro ao que está proposto nos protocolos da Instituição que é responsável por regular, orientar e recomendar quais são as medidas de segurança a serem tomadas em casos pandêmicos.
Não foram apenas as aparições públicas que tornaram Bolsonaro o líder mundial mais incapaz de contornar os malefícios desta Pandemia. Outras atitudes se tornaram bem mais comprometedoras e colocaram a população brasileira em risco iminente de morte e, com certeza, milhares de brasileiros, se não morreram, infelizmente ainda morrerão por culpa da incapacidade do Governo.
Para esta afirmação, dou o seguinte exemplo:
Em outubro de 2020 o Governo Federal tinha firmado um contrato de compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, que estava sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica chinesa Sinovac. No entanto, Bolsonaro cancelou o contrato, dizendo simplesmente que:
"O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós". (grifo meu). Concluo com esta afirmação do presidente, que a culpa pelo que está acontecendo atualmente no cenário distópico deste país é única e exclusivamente dele.
Segundo o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o lote referido serviria para o inicio da vacinação e que estaria pronto em janeiro deste ano. Todavia, o quadro que se apresenta no momento é o seguinte: O número de pessoas vacinadas contra a covid-19 no Brasil até o momento é de apenas 3,28% da população total do País, o que representa 6.950.802, de acordo com dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa. E, no momento, em muitos lugares do país o estoque de vacinas se esgotou.
Concluindo, Achille Mbembe argumenta que o que está acontecendo nesta pandemia é que as pessoas estão sendo descartadas como se fosse um lixo do qual precisamos nos livrar o mais rápido possível. Nesse sentido, como se criar comunidades em um momento de calamidade?
Quando políticos como Jair Bolsonaro, Donald Trump, o presidente do Turquemenistão, Gurbanguly Berdimuhammedow, e da Bielorrússia, Aleksander Lukashenko – declaradamente negacionistas –, utilizam a pauta de que se deve priorizar a Economia em detrimento da Vida, o exercício do descarte de corpos humanos ao seu estado de indigência e desumanidade atinge o status máximo da Necropolítica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ensaio, apresento a base do biopoder e da biopolítica de Foucault, do estado de exceção de Giorgio Agamben para conceituar o que Mbembe define como Necropolítica.
Em seguida, argumento que a normatização do direito de matar foi uma das responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, e corroboro a culpa de Bolsonaro por tal crime, uma vez que o envolvimento de milicianos com suposta ligação ao presidente reforçam a sua noção de políticas da Morte.
Utilizo o conceito de necroliberalismo de Mbembe para argumentar que dentro de um estado capitalista o poder não é exclusivo do Estado e aqueles que possuem maior relevância dentro desse tipo de Sistema, geralmente tem preferência sobre outros corpos. Em cima disso saliento o posicionamento racista do presidente, confirmando um acirramento de seu compromisso com políticas de exclusão.
Em outro momento, parto do princípio de que a lógica minimalista, “bandido bom é bandido morto”, está relacionada com o que Mbembe (2018) diz sobre a racionalidade da vida passa pela morte do outro.
Finalmente, estabeleço as práticas negacionistas instaladas durante a pandemia pelo Governo Bolsonaro, bem como, expondo o conceito do termo “negacionismo”, segundo Dunker (2020), e como elas contribuíram para a aceleração das mortes dentro do nosso país.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: Notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica. 2015.
ARTE. Veja como está a vacinação pelo mundo. Folha de São Paulo. [2021] Disponível em: <https://arte.folha.uol.com.br/ciencia/2021/veja-como-esta-a-vacinacao/> Acesso em: 20 fev. de 2021.
BUGALHO, Henry. Minha especialidade é matar: Como o bolsonarismo tomou conta do Brasil. 1ª Ed. Curitiba/PR: Kotter Editorial, 2020.
BERCITO, D. Pandemia democratizou poder de matar, diz autor da teoria da 'necropolítica'. Folha de São Paulo. [2020] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/pandemia-democratizou-poder-de-matar-diz-autor-da-teoria-da-necropolitica.shtml > Acesso em: 20 fev. 2021.
DIAS, Carlos Henrique; JÚNIOR, Eduardo Ribeiro. 'Já mandei cancelar', diz Bolsonaro sobre protocolo de intenções de vacina do Instituto Butantan em parceria com farmacêutica chinesa. G1. [2020]. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2020/10/21/ja-mandei-cancelar-diz-bolsonaro-sobre-protocolo-de-intencoes-de-vacina-do-instituto-butantan-em-parceria-com-farmaceutica-chinesa.ghtml> Acesso em: 20 fev. 2021.
DUNKER, Christian Ingo Lenz. A arte da quarentena para principiantes. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
FANESE. MANUAL DE TRABALHOS ACADÊMICOS: Monografia, Artigo, Ensaio, Relatório Técnico e/u Científico e Resenha. Faculdade de Administração e Negócios, Aracaju, Sergipe, 2011. Disponível em: < https://download.fanese.edu.br/nupef/documentos/NUPEF_MANUAL_TRABALHO_ACADEMICO.pdf > Acesso em: 02 fev. 2021.
GAZETA DO POVO. “Sou capitão do Exército, a minha especialidade é matar”. [S.I.]. [2017]. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/sou-capitao-do-exercito-a-minha-especialidade-e-matar-diz-bolsonaro-5jt6tsot2v8jygy6l50uswd0h > Acesso em: 21 fev. 2021.
LUCAS, A. A triste sorte dos presidentes negacionistas da covid-19. El Pais. [2020]. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-07-07/a-triste-sorte-dos-negacionistas-da-covid-19.html> Acesso em: 20 fev. 2021.
MBEMBE, Achille. NECROPLÍTICA. São Paulo: N1 – edições, 2018.
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