O bem, o mal e a falácia do terceiro excluído
O BEM E O MAL
O que é o bem? O que é o mal? Qual sua origem? Perguntas que tem atormentado filósofos por eras e das quais fujo pela tangente: o bem é aquilo que obedece os meus valores, o mal é aquilo que os infringe. Se um dos meus valores é a tolerância sexual, o bem é aceitar as escolhas sexuais de cada um, se um dos meus valores é, ao contrário, a união religiosa de homens e mulheres cis, então o bem é a constituição de um sagrado matrimônio entre homens e mulheres. Mas em relação a algo que é completamente independente da escolha sexual, por exemplo, em relação ao uso da maconha, ou ainda, em relação a uma questão econômica, a Petrobras deve ou não ser privatizada, como me posicionar?
HEURÍSTICAS AO INVÉS DA RAZÃO
Daniel Kahneman aponta que a racionalidade humana é pontual, ao invés de usar a razão (extremamente custosa), usamos heurísticas. Por que quem é contra a união de pessoas do mesmo sexo também é contra o uso da maconha? Afinal, são temas completamente independentes! Se fosse por conta das características destrutivas do vício as pessoas seriam também contra o álcool e o cigarro, ambas drogas mais prejudiciais que a maconha. Ao invés de usar a razão usamos heurísticas, neste caso a afetividade (o quanto gostamos das pessoas que nos passam determinada informação) e a familiaridade (o quanto estamos acostumados com algo) são fatores determinantes para nossas ponderações. Tememos aquilo que desconhecemos, prezamos aquilo que é comum à nossa comunidade. Prezamos pessoas queridas e seus gostos, desprezamos aquilo do qual elas rejeitam (a despeito de qualquer ponderação racional em relação aos nossos valores fundamentais).
O TERCEIRO EXCLUÍDO
Pautar o que é bom através daquilo que nosso grupo é em alguma medida traz grandes benefícios. Toda heurística nos poupa um trabalho dantesco e demorado de analisar cuidadosamente cada situação pela qual passamos e cada pessoa que conhecemos. Entretanto, a partir das heurísticas condenamos aquilo que não se encaixa naquilo que estamos acostumados, o que é diferente é percebido como ruim. O terceiro excluído, no campo da moral, é sintetizado por aquele ditado “quem não está comigo está contra mim.” É uma postura dicotômica e que produz a intolerância. Eu, que frequentemente não me enquadro em estereótipos, sou alvo frequente desta intolerância dicotômica - tanto por parte de quem se identifica com um campo como por parte de quem se identifica com o outro campo.
DICOTOMIA
A grande maioria dos meus amigos são comunistas ou se definem como de esquerda. Definição esta a qual recuso, justamente porque a distinção ‘esquerda x direita’ leva à dicotomia que me levou a escrever este ensaio. Minha ex namorada me dizia, “Chico,você é muito corajoso de defender suas ideias, sempre que o faz causa um mal estar geral.” Defendo temas associados à direita e temas associados à esquerda. Por exemplo, defendo superávit fiscal (defendo que o Estado deve gastar de acordo com sua arrecadação) e defendo renda cidadã (a proposta do Suplicy de imposto negativo). Como conciliar as duas ideias é tema para um ensaio de economia (já escrevi alguns). O ponto é, caso uma pessoa me defina a partir do que ela é eu sempre serei o outro. Se a pessoa é de esquerda ela vai me definir como de direita (por conta do meu discurso liberal), se a pessoa é de direita vai me definir como de esquerda (por conta do meu discurso pró legalização de todas as drogas e pró renda universal). A não ser, claro, que a pessoa se torne minha amiga, daí, se ela for de esquerda ela vai tentar me enquadrar como de esquerda, se ela for de direita, vai tentar me enquadrar como de direita (a afetividade tem uma grande importância em como construímos o bem e o mal).
DEFINIR O BEM A PARTIR DO QUE VOCÊ É
Vejo pessoas que se definem como de esquerda condenando a intolerância (postura com a qual concordo). Inclusive o vi o slogan da maior candidatura à presidência dizendo “O amor vai vencer o ódio”. Nossa, como concordo com este slogan! Mas mesmo pessoas que defendem este slogan também são intolerantes, a diferença é para onde a intolerância é apontada. Elas não costumam ser intolerantes com gays ou com negros (esta é a intolerância para a qual elas tem olhos). Mas com quem tem uma maneira de pensar diferente da delas.
DICOTOMIA CEGA
Uma fala frequente e que encontrei em uma comunidade Musculação Vegana é a seguinte, “Por que todo mundo que não se diz nem de esquerda nem de direita é de direita?”. Minha resposta é, porque a pessoa que proferiu esta fala define direita como “quem é diferente de mim”. É uma postura intolerante, é uma postura de ódio. Tal intolerância se dá, por exemplo, contra pessoas conservadoras, que se vestem de maneira muito tradicional e que defendem valores religiosos. Uma fala frequente que encontro entre em um canal de economia é a de generalizar quem pensa de maneira diferente como ‘comunista’. Por exemplo, ao dizer que controle de preços é comunista e, portanto, a Dilma, que defendia o controle do preço da gasolina, seria comunista. Segundo tal raciocínio o Sarney, que congelou os preços, seria comunista. Isto é um absurdo por que nem o Sarney se considera comunista nem os comunistas o consideram comunista.
A FALÁCIA DO TERCEIRO EXCLUÍDO
A falácia do terceiro excluído consiste em ver o mundo de uma maneira dicotômica, só existe o “nós” e o “não nós”. Entretanto o mundo é plural, se você se esforçar para ler o mundo a partir da perspetiva da outra pessoa, às vezes encontrará quem pensa como você. Às vezes encontrará alguém que vê a partir da sua percepção estereotipada de quem é a outra pessoa. Mas às vezes encontrará uma perspectiva original que desobedece às leis sob o qual seu mundo é regido. Se meditar com calma, verá que em muitos casos suas próprias crenças obedecem uma construção histórica particular e que podem, inclusive, divergir de seus valores!
HEURÍSTICAS SÃO INEVITÁVEIS
Daniel Kahneman aponta que as heurísticas são inevitáveis. O esforço de tomar decisões racionais é extenuante e toma muito tempo. Portanto descartar as heurísticas (os atalhos de nossos pensamentos) é impossível. O que é possível fazer, entretanto, é descartar do nosso uso heurísticas que trazem à intolerância como ‘esquerda x direita’ ou ‘pessoas de bem x pessoas não de bem’.
CONCLUSÃO
Dicotomias levam à intolerância, à cegueira (a tudo aquilo com o qual não me identifico) e, em última instância, ao ódio. É ingenuidade pensar que vamos fugir de heurísticas, mas ao menos proponho evitar dicotomias no contexto da moral humana pois levam à intolerância contra aquilo com o qual não nos identificamos. Isto é, leva à falácia do terceiro excluído: rejeitar qualquer maneira de pensar que não seja a sua como moralmente condenável, inclusive sem se dar conta de que existem diversas maneiras de ver o mundo e que, a cada dia, surgem novas. O pensamento humano é extremamente plural. Podemos não abraçar a pluralidade, mas ao menos não vamos condená-la de antemão.