Efeito Lobo de Wall Street
O LOBO DE WALL STREET
Em 2013 saiu o filme ‘O lobo de Wall Street’, do lendário diretor Martin Scorsese, estrelado por Leonardo DiCaprio. O filme conta a história de um jovem que começa a trabalhar na bolsa de valores, mas logo que é contratado chega a crise de 1987. Quando assisti ao filme fiquei um pouco irritado, o achei moralista. Na hora não percebi que assisti um filme de três horas sem sentir o tempo passar. Mesmo “não tendo gostado” o Lobo de Wall Street é um dos filmes que ficou na minha cabeça e hoje, pensando muito a respeito de economia, percebi que o filme revela um mecanismo recorrente da bolsa de valores o qual batizo de ‘Efeito Lobo de Wall Street’.
UM LOBO EM UMA CIDADE PEQUENA
O filme conta a história real de Jordan Belfort, um jovem estagiário que aprende técnicas de venda completamente antiéticas em uma corretora de valores, mas logo que é contratado ela vai à falência na crise de 1987. Desiludido Jordan, busca empregos, mas o único em sua área de atuação é em uma corretora em uma cidade pequena. Tal corretora só negociava “empresas de fundo de garagem”. Negócios extremamente pequenos, a maioria nem sequer davam lucros. Lá ele tem uma grata surpresa, a taxa de corretagem é extremamente maior do que a taxa praticada nas grandes bolsas! Os colegas com os quais ele trabalhava não usavam as técnicas sujas de Wall Street, nem tampouco as pessoas para quem ele vendia as ações estavam vacinadas contra este papo furado. Ou seja, ele se destacou muito nas vendas! Jordan faturou muito dinheiro muito rapidamente.
FALE MAL, MAS FALE DE MIM
Jordan acaba abrindo seu próprio negócio e tem muito sucesso usando seus recursos agora em escala nacional. Ele chama tanta atenção que a revista Times, escreveu uma matéria o chamando (pejorativamente) de ‘Lobo de Wall Street’. Jordan teme a repercussão da revista, entretanto o título de Lobo é uma grande publicidade e muitos clientes e corretores passam a buscá-lo, justamente por ele ser um lobo. Muito bem, mas qual é o efeito ‘Lobo de Wall Street’? Por que Jordan foi antiético? Quem foi beneficiado e, ainda mais importante, quem foi prejudicado?
GANHA/GANHA
Logo que começou na pequena corretora do município Jordan falava a respeito de qualquer negócio como se fosse excelente, como se fosse a próxima revolução tecnológica que mudaria a vida de toda a sociedade. E, em relação a estes negócios de fundo de garagem, é verdade que um deles poderia criar uma revolução tecnológica mundial. Foi o caso, por exemplo, da Amazon, que começou vendendo livros a partir da garagem e hoje é uma das maiores empresas do mundo. Quem sai ganhando no lançamento primário no mercado de ações (assim que uma empresa vende a ação pela primeira vez)? As vendas de Jordan ocasionam arrecadação para um negócio legítimo que está precisando do dinheiro para se desenvolver, o próprio comprador da ação vê o preço de suas ações subirem! Jordan é tão bom vendedor que faz com que as ações disparem, assim quem compra as ações vê seu valor subindo! E o próprio Jordan ganha dinheiro com a corretagem. À primeira vista é uma relação em que todos ganham. Mas será que é isto mesmo? Será que alguém sai perdendo?
PANGARÉ VENDIDO COMO PURO SANGUE
O ponto é que as novas empresas quase sempre vão à falência em poucos anos. Isto não se dá por má índole dos empreendedores, mas porque é difícil começar um negócio, especialmente um negócio novo e revolucionário. Então as ações que Jordan vende estão precificadas como “sucesso extremo garantido”, entretanto pouquíssimas experimentarão tal sucesso. Desta maneira, mesmo se a empresa não for à falência, mas apresentar um sucesso moderado, o dono da ação terá prejuízo (pois ele pagou o preço de um sucesso extremo e garantido). É como se eu pagasse mil reais por uma ação que me dá de dividendos um centavo por ano. Mas esta não é a história toda, o efeito manada é essencial para entendermos como funciona o mercado de ações.
SE NÃO VEM DOS FUNDAMENTOS, DE ONDE VEM O LUCRO?
Imagine Jordan contratado por uma empresa para fazer o lançamento de sua ação (ou seja, para vender a ação para o público). Como a corretora é muito grande tal ação seu preço vai disparar! Assim, pessoas comuns e outros players (corretoras, hedge funds) passarão a comprar a ação com a crença de que ela continuará subindo! Entretanto, a partir do momento que Jordan quiser a ação perderá seu valor - pois ela nem tinha valor para começo de conversa! Desta maneira Jordan e seus clientes vendem as ações controladas pelos seus fundos e quem comprou com ele teve lucro (pois vendeu ao preço superior, antes de começar a cair). Mas tal lucro não se deveu aos dividendos que a empresa produziu, mas à transferência de renda de todo o mercado para os seus fundos: aqueles que entraram unicamente porque viram o gráfico da ação subindo verão os preços da ação baixando (quando Jordan decidir vender as ações) e terão o preço de seus ativos reduzido. Em outras palavras, o sucesso do seu fundo se deve mais ao jogo da corretagem (como o poker) do que aos fundamentos das empresas que ele escolhe. Neste caso as pessoas que saem prejudicadas são a imensa maioria da população que está “jogando poker” contra um jogador profissional. Mas o filme mostra o caso real que aconteceu em 1987, como esta situação se daria na atualidade? Vou dar um exemplo hipotético a partir de anúncios que eu recebo no youtube de uma grande corretora.
LOBO DE WALL STREET ATUAL
Às vezes uma moça bonita, às vezes um cara careca, dizem “Vou te dizer qual é a melhor ação, para mim, da bolsa!”. Depois de umas semanas o anúncio muda, passa a ser: “Entre aqui para ver, de graça, a minha carteira de ações.” Imagine a seguinte situação hipotética. A corretora faz uma análise profunda do cenário e das ações e escolhe uma ação que ela acredita que seja a melhor. Em seguida ela compra para seus próprios fundos tal ação. O próximo passo é disponibilizar a ação para seus assinantes (só pelos assinantes comprarem a ação já valoriza). O terceiro passo é disponibilizar tal ação de graça para os não assinantes (mais uma rodada de valorização). A própria corretora se beneficiará com a valorização duas vezes, primeiro quando os assinantes entrarem, segundo quando os não assinantes entrarem. Já os assinantes se beneficiarão da valorização apenas uma vez que, quando a corretora disponibilizar tal ação para o público em geral. Talvez a análise tenha acertado e os dividendos de tal ação no longo prazo sejam excelentes mesmo para quem entrou por último. Mas os primeiros a entrar já têm a valorização ocasionada pelos últimos a entrar. O que nos leva à questão, este caso hipotético é antiético?
CADA PASSO É ÉTICO, A OPERAÇÃO TODA É ÉTICA?
Repare, fazer uma análise dos fundamentos de uma empresa e comprar suas ações é completamente ético. Da mesma maneira, recomendar recomendar uma ação avaliada como uma boa ação também é ético. Logo, caso a escolha se dê pautada pelos fundamentos da empresa e pela leitura do cenário econômico é ética. Entretanto, caso a recomendação seja orientada por conta de interesses da corretora, não. Ou seja, recomendar um ativo que a corretora sabe que é ruim porque ela será beneficiada por isto é antiético. É o caso que ocorreu, por exemplo, em 2008 quando grandes bancos empurraram para a população títulos de subprime que eram considerados AAA, mas que estavam prestes a colapsar (e os bancos sabiam). Então o efeito Lobo de Wall Street só ocorre quando corretoras negociam ações ruins?
ANÁLISE FUNDAMENTALISTA E O JOGO DE MERCADO NA MESMA OPERAÇÃO
Como ficou claro no exemplo hipotético da corretora que faz propaganda no youtube e, no final acaba disponibilizando dicas de graça, as dicas são de empresas que a corretora acredita que tem fundamentos, portanto são dicas éticas. É importante notar, entretanto, que ela negocia as ações de maneira que sua carteira e seus clientes se beneficiem mais. O que, no exemplo hipotético, é ético - não fiz uma análise fundamentalista da empresa para saber se as dicas que eles oferecem de fato são boas - este ensaio não é recomendação de investimento. O ‘Efeito Lobo de Wall Street’ portanto ocorre, na medida em que as ações se beneficiam de crescimento devido à maneira que a corretora as apresenta (semelhante a um jogo). Embora, como eu disse, pode ser que a empresa também apresente retorno por conta de seus fundamentos. Mas qual o peso do ‘Efeito Lobo de Wall Street’, qual o peso do fundamento da ação no seu preço?
FUNDAMENTOS x JOGO - QUAL O PESO DE CADA?
Primeiro ponto é que o ‘Efeito Lobo de Wall Street’ mede a ação de algum player do mercado (como um hedge Fund ou um grande investidor) portanto deve ser entendido dentro de um intervalo de tempo: o intervalo entre a compra e a venda do ativo pelo player em questão. Dentro deste intervalo de tempo, quanto do lucro se deveu aos fundamentos do ativo? No caso hipotético, digamos que neste intervalo de tempo uma grande empresa de petróleo descobriu uma reserva que vale 1/10 de seu patrimônio e que o preço do petróleo no mercado internacional subiu 1/10 . Portanto, é razoável pensar que o preço da empresa, na venda, será cerca de 20% maior do que quando foi comprada. Digamos que uma corretora tenha comprado as ações antes da descoberta e da variação do preço do petróleo e, após as boas notícias a venda a ação com lucro de 30%, portanto o efeito “Lobo de Wall Street” é de 10%. Ou seja, o efeito lobo de Wall Street é o desvio em relação aos fundamentos do ativo dentro de um determinado intervalo de tempo. Desta forma podemos ver que a negociação pode ser entendida sob duas perspectivas, a primeira é sob os fundamentos da empresa, a outra perspectiva é a partir das características do mercado.
JOGO DE SOMA ZERO
Quem negocia apenas a partir da psicologia das pessoas, da variação dos gráficos e do entendimento de como funciona o mercado está jogando um jogo de soma zero (se um ganha outro perde). Mas são regras diferentes de quem joga poker fim de semana com os amigos. Entre seus amigos todo mundo tem a mesma quantidade de fichas e há regras para a compra de mais fichas. No mercado, os grandes hedge funds tem tantas fichas que, em relação a um investidor de classe média, podemos considerar que têm infinitas fichas. Além disso, os hedge funds contam com diversas equipes estudando cada variável e com inteligência artificial que compra quando entender que seus parâmetros foram atingidos. Para piorar, diferentemente de quando você joga na sua casa, no mercado de ações “a casa” sempre leva um pouco (são os impostos e a taxa de corretagem). Está certo que você também jogará contra um monte de gente que nunca leu nada a respeito de nenhuma ação e nem sabe o que está fazendo, então eles contrabalanceiam um pouco o jogo, eles podem ser mais patos que você. Se você ganhou dinheiro jogando no mercado de ações, provavelmente o dinheiro saiu do bolso destes patos. Em tempo de euforia (como é o caso agora, no começo de 2021) eles são comuns. Mas quem entra na bolsa pode optar por jogar um jogo diferente. O jogo de soma zero usualmente lida com prazos menores, assim os ganhos (e perdas) são muito potencializados. Quanto menor o intervalo entre as transações mais a “taxa da casa” (impostos + tarifas) importa e menos os dividendos importam.
JOGO DE SOMA POSITIVA
Se investirmos na bola a partir de seus fundamentos (por exemplo, se compramos uma ação porque aquela empresa tem fundo de caixa, gera dividendos, é bem gerida, está em um setor que tende a crescer…) se compramos ações de empresas desta forma e a empresa crescer, então jogamos um jogo de soma positiva. Pois é possível todos ganharem na negociação, a empresa que consegue dinheiro para se financiar, o acionista que viu a empresa crescendo e o corretor que ganha com a comissão. O jogo fundamentalista tende a negociar a intervalos maiores, assim a “taxa da casa” tem menos importância e os dividendos tem maior importância. É claro que em nenhum caminho (nem negociando pelos fundamentos, nem negociando pelas características do mercado) o sucesso ou o fracasso é garantido. Jogando o jogo de soma zero você pode dar muita sorte e ganhar muito dinheiro (semelhante a tirar vários Azes no poker), e no jogo de soma positiva (fundamentalista) você pode, mesmo estudando, escolher uma empresa que acabe indo à falência. Entretanto, no longo prazo, quem investe nas empresas em que acredita tende a ganhar dinheiro, quem está apenas no jogo tende a perder.
RECAPITULANDO
Dentro da bolsa há dois jogos sendo jogados, um semelhante ao poker no qual você joga contra grandes players. Eles são tão grandes que a sua movimentação altera o valor dos ativos (efeito Lobo de Wall Street). Além disso, eles contam com equipes e equipamentos profissionais contra os quais dificilmente uma pessoa comum dificilmente pode vencer. Além disso a cada transação pagamos comissão e impostos (semelhante a dar dinheiro para a casa no cassino). Portanto, jogar na bolsa como se joga no poker é um jogo de soma zero (quando alguém ganha, alguém perde). Entretanto também é possível jogar outro jogo, no qual investimos nos ativos nos quais acreditamos. Neste caso jogamos um jogo de soma positiva onde todos os participantes podem ganhar.
EFEITO LOBO DE WALL STREET
O próprio movimento (compra, venda, recomendação) de um grande player influencia o preço do ativo.
PRÓXIMO ENSAIO
O próximo ensaio será sobre a relação do Estado com os grandes players do mercado financeiro. Será uma análise a partir da série Billions, que em sua primeira temporada foi inspirada em um caso real.