Todo Incognoscível 4.7 - Crítica ao correspondismo: como amarrar aquilo que é ao seu conceito?

O QUE É ‘ALGUMA COISA’ (CORRESPONDISMO X EMPIRISMO CÉTICO)

Para um correspondistas esta é uma pergunta relativamente fácil. O conceito ‘gravidade’ corresponde àquilo encontrado na realidade. Cada teoria correspondista estabelece seu vínculo a um ente diferente: ou a essência, ou a forma, ou a um universal (ou combinação de universais), tal correspondência pode se dar no mundo das ideias ou no mundo físico. Mas em todas estas teorias é possível apelar para existência objetiva de cada ente. Devido a esta fé (na existência de entidades individuais) os chamo podemos entender os objetivistas como crentes. Em oposição a esta maneira de ver proponho o empirismo cético: existe algo objetivo, mas é inacessível ao entendimento e à comunicação. Portanto, a busca pela correspondência com um ente de existência objetiva é vã. Entretanto, temos acesso a aspectos deste algo objetivo (o Todo Incognoscível) e, independentemente de quanto nosso conhecimento seja incrível, sempre é possível aperfeiçoá-lo. Oras, se nunca o conhecimento corresponde exatamente a algo de existência objetiva, ele nunca chega a um estágio em que está pronto, acabado. Não importa o quanto o nosso conhecimento seja incrível, elegante ou capaz de criar uma tecnologia fantástica, ele sempre pode ser aperfeiçoado!

DIFICULDADES PARA OS CORRESPONDISTAS

O correspondista se encontra em apuros ao ter que explicar por que um conceito varia temporalmente e regionalmente, conceitos tidos como “reais” são frequentemente abandonados em favor de conceitos novos e mais refinados ou por novas perspectivas radicalmente diferentes. Também se encontra em dificuldade em justificar a origem inicial de um conceito ou sua justificação última (Todo Incogniscível 3 - Regressão ao Infinito). A teoria correspondista também é inconsistente com a fluidez dos conceitos. Se houvesse entidades com existência objetiva separada seria possível definir fronteiras discretas entre os conceitos, o que o raciocínio da inserção ao infinito mostrou é que a condição discreta de cada conceito se deve a decisões de quem o elabora. Sempre possível inserir conceitos intermediários entre dois conceitos de causa/consequência (Todo Incogniscível 5 - Inserção ao Infinito e Fronteiras dos Conceitos), as fronteiras dos conceitos são, em grande medida, arbitrárias.

AINDA QUE ACEITÁSSEMOS ENTIDADES DE EXISTÊNCIA OBJETIVA O CORRESPONDISMO AINDA SE ENCONTRARIA EM DIFICULDADE

Além destes problemas (que tornam qualquer perspectiva correspondista insustentável), ainda que aceitássemos existências objetivas das entidades o correspondismo ainda teria uma grande dificuldade: como operacionalizar os vínculos entre os conceitos e tais entidades? Como explicar como Peter Pan voa? A explicação “Peter Pan voa porque recebeu o pó de pirlimpimpim.” é uma explicação perfeita (para o mundo literário tratado no livro). Entretanto esta explicação fica bem difícil se pensarmos que a verdade de um conceito se deve a uma correspondência com algo de existência objetiva. De que maneira Peter Pan tem existência objetiva? Ou o conceito “gás”, de que maneira tal conceito tem existência objetiva? De que maneira o conceito se amarra àquilo ao qual se refere? Gás se refere a diversas substâncias químicas diferentes, cada uma delas sendo gás apenas a uma temperatura e pressão específicas. Como amarrar o conceito “gás” à tudo aquilo que se refere?

PROPOSTA MENOS AMBICIOSA

Ao abandonarmos a ambição de alcançar Verdades aqueles problemas adquirem uma feição muito menos intimidadora. Para o correspondista, as buscas ao infinito (as diversas regressões ao infinito e a inserção ao infinito) impossibilitam completamente a certeza na correspondência. Já o empirismo cético aceita o caráter contingente do conhecimento: aceita que, embora em alguma medida o conhecimento seja extremamente preciso e refinado ao longo de gerações de testes, ideias, sugestões e críticas, por outro lado o conhecimento é contingente, fruto do acaso. Desta maneira, para o empirista cético, as buscas ao infinito mostram uma característica do conhecimento (a de ser parcialmente contingente e arbitrário) ao invés de ser um golpe contra o conhecimento em si.

CONHECIMENTO NA PERSPECTIVA DO CETICISMO EMPÍRICO

CONHECIMENTO COMO ASPECTO DO TODO INCOGNOSCÍVEL

Um conhecimento, na perspectiva do ceticismo empírico, é uma construção, uma invenção. Desta forma cada conceito é necessariamente subjetivo (na medida em que faz sentido para uma individualidade). Mas cada conceito também é intersubjetivo (na medida em que é parcialmente compartilhado por diversas individualidades). Cada conceito corresponde a um aspecto do Todo Incognoscível, mas também é parte da construção do mundo subjetivo de cada individualidade. De acordo com o Ceticismo Empírico é impossível o conhecimento ter uma correspondência perfeita com o Todo Incognoscível, assim o conhecimento sempre pode ser aperfeiçoado para ser mais pertinente, mais próximo àquele aspecto que ele tenta reproduzir no mundo de cada individualidade.

CONHECIMENTO COMO FUNDADOR DO MUNDO DE CADA INDIVIDUALIDADE

Como o Todo Incogniscível é impossível de ser abarcado por uma pessoa, o mundo de cada pessoa é constituído pelas suas próprias sensações, seus próprios conceitos, suas próprias experiências. Entretanto, na medida em que temos uma constituição semelhante, nossos mundos subjetivos guardam semelhanças que permitem que conceitos possam ser comunicados e até aperfeiçoados coletivamente.

CONCLUSÃO

As críticas apresentadas pelas regressões ao infinito são suficientes para mostrar que o correspondismo é inviável: é impossível ter certeza de que um conceito corresponde a qualquer ente de existência objetiva. Desta forma o empirismo cético, muito menos ambicioso, se apresenta como a alternativa adequada para entender o conhecimento: ao abdicar de encontrar a correspondência com entes de existência objetiva as fragilidades da teoria correspondista deixam de ser um golpe ao conhecimento, passam a ser vistas como uma característica constituinte do conhecimento. A impossibilidade de amarrar um conceito a um ente de existência objetiva é um golpe para o correspondista. Para o empirista cético nem sequer existe tal ente de existência objetiva. O que para o correspondista é um problema urgente, para o empirista cético é parte constituinte de todo o conhecimento: é impossível um conhecimento dar conta da realidade objetiva em toda a sua profundidade.