O Valor das Coisas - Bitcoin x Moeda Fiduciária Estatal

1. BITCOIN É ÉTICO?

Um amigo, Pedro, sabe que defendo bitcoin há muitos anos e, agora que o preço teve uma super alta, veio falar comigo a respeito da criptomoeda. Ele tem dúvidas a respeito da ética de comprar a moeda, uma vez que as transações são anônimas. É impossível rastrear a origem do dinheiro através do bitcoin, logo a tecnologia pode ser usada por criminosos. Embora a preocupação do Pedrão tenha fundamentos, defendo neste ensaio que o bitcoin é extremamente mais ético do que moedas fiduciárias estatais (como o real ou o dólar). Como a pergunta é a respeito de ética começarei este ensaio à maneira dos filósofos, levantando alguns casos que trazem luz à questão.

2. Hipóteses, economia à maneira da filosofia

CASO 1 - Empréstimo

Tenho uma bola e a empresto a uma irmã que vai passar as férias na praia. Enquanto ela está na praia fico sem a bola. Só voltarei a desfrutar da bola quando ela me devolver.

IMPORTANTE: Em um empréstimo quem pegou emprestado adquire temporariamente algo, em contrapartida quem emprestou perde até que seja devolvido.

CASO 2 - Empréstimo não consentido

Jorge tem uma amiga, Marieta, costuma viajar no fim do ano paga um valor simbólico para ele cuidar da casa, o que consiste basicamente em ir molhar as plantas. Um amigo em comum (Ambrósio) está escrevendo um importante trabalho, derruba café no seu computador e o estraga. O problema é que Ambrósio não tem dinheiro para comprar um novo computador.

Jorge: “Amigo, não se desespere, eu tenho a solução, ao invés de comprar um computador eu te alugo este (computador da Marieta) aqui por 1/20 do preço do computador!”

Ambrósio: “Mas este computador não é seu! A Marieta não vai ficar chateada?”

Jorge: “Relaxa, cara! Eu já cuidei da casa dela diversas vezes e sei por experiência que ela sempre fica fora pelo menos até 10 de janeiro. É só você concluir o trabalho antes disso que tudo dará certo!"

IMPORTANTE: Este empréstimo é não consentido (a pessoa proprietária do computador não autorizou o empréstimo, inclusive ela nem sequer sabe que ele está acontecendo). Se tudo acontecer como o esperado, Marieta não será prejudicada, mas há o risco de Marieta decidir voltar antes do dia dez ou de Jorge demorar mais do que isto para concluir o trabalho. Um empréstimo ético é consentido.

CASO 3 - EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO

Uma empresa, o World Safe, oferece o serviço de cofre para pessoas guardarem ouro. Quem guarda o ouro lá recebe um comprovante, uma nota referente ao depósito. Por ser mais prático, qualquer pagamento, ao invés de ser efetuado com o ouro, é feito com a nota do depósito da World Safe. Além do serviço de guarda a World Safe também tem um serviço de empréstimo de ouro. O cliente fica com o ouro na hora (para gastar como quiser), em troca ele paga em parcelas suaves um valor referente ao ouro que ele pegou emprestado acrescido de juros. Quem tem ouro na World Safe (tanto a pessoa que depositou o ouro físico como a cliente para quem a World Safe emprestou o ouro) mantém o ouro na World Safe, as pessoas usam apenas as notas que comprovam que têm ouro lá.

A World Safe, da mesma maneira que o Jorge, conhece os hábitos dos seus clientes. Sabe, por exemplo, que Sara nunca retira mais do que 1/10 do ouro que tem guardado. Como ela tem 1000 kg de ouro a World Safe pode emprestar 900 kg de ouro de Sara tranquilamente, ela nunca vai perceber.

(Caso semelhante ao Jorge, que empresta o computador de Marieta sem que ela o saiba.)

Então a World Safe empresta 900 kg de ouro para Bruno. Bruno, mas Bruno também não acha prático sair com o ouro. Inclusive a World Safe também conhece os hábitos do Bruno e sabe que ele nunca retira mais do que 1/10 do ouro que tem guardado. Assim a World Safe se dá a liberdade de emprestar 810 kg do ouro do Bruno para Vítor.

IMPORTANTE: No empréstimo fraudulento o total emprestado pela empresa é muito superior à quantidade de ouro físico na empresa, nisto consiste o multiplicador bancário.

CASO 4 - CRIAÇÃO FRAUDULENTA

Alguns clientes da World Safe percebem que ela tem menos ouro do que recibos e resolvem retirar o dinheiro de lá. Então a World Safe diz para as outras empresas fraudulentas: “O medo contagiou os meus clientes. Se eles tentarem sacar o dinheiro juntos nós quebramos. Agora, se isto acontecer vocês não acham que os seus clientes também vão ser contagiados pelo medo?” Então as empresas se reúnem em uma máfia que é administrada por uma entidade superior, o Cofre Central do País (CCP). O CCP diminui o medo dos clientes, pois eles sabem que se a World Safe estiver prestes a quebrar o CCP vai socorrê-lo.

O Cofre Central do País, ele mesmo um cofre, funciona como o cofre dos cofres, e também empresta ouro através de notas. Como é uma entidade muito forte, contando com os depósitos de diversas empresas de cofres, a nota que ele emite possui muita credibilidade, as pessoas entendem que ela é muito, muito segura. O CCP, então, se valendo desta credibilidade emite muito mais notas do que o valor de ouro que tem depositado (da mesma maneira que a World Safe fez). Novamente algumas pessoas percebem a fraude e passam a resgatar seu ouro. Quando as reservas de ouro diminuem, mais pessoas passam a exigir seu ouro, desencadeando uma nova corrida aos bancos.

Mas, ao contrário da World Safe, a CCP é associada ao Estado, portanto tem o monopólio da violência. O Estado, portanto, apenas muda as regras do jogo, tais notas passam a não ser resgatáveis em ouro. Mas por que alguém aceitaria tais notas (mero papel impresso) como pagamento? Porque o Estado tem inscrito em suas leis que a moeda nacional é de curso forçado, ou seja, todas as pessoas devem aceitar a moeda nacional como meio de pagamento.

IMPORTANTE: A criação fraudulenta é semelhante ao empréstimo fraudulento. Mas no empréstimo fraudulento aquilo que é emprestado existe (ainda que em valor muito inferior ao que é emprestado). Na criação fraudulenta a nota em si é o valor.

REFLEXÃO SOBRE OS CASOS

Estes quatro casos trazem muita luz sobre a ética na economia. Apenas o primeiro caso é o de um empréstimo legítimo (tal como os entendemos na nossa vida cotidiana). Os outros casos, como fica muito claro em se colocando em comparação com nossa vida cotidiana, são completamente antiéticos. O bitcoin nasceu declaradamente contra este tipo de política. Neste ensaio vou me aprofundar neste sistema e vou mostrar que a criação fraudulenta (aumento do balanço dos bancos centrais) não é apenas uma decisão de políticos, mas é também uma parte do sistema financeiro, uma consequência dos empréstimos fraudulentos dos bancos.

3 - A NATUREZA DO BITCOIN

HIPÓTESE NULA: SERVIÇOS BANCÁRIOS

Na série de ensaios “O Todo Incognoscível” defendo que enxergamos o mundo a partir daquilo que entendemos que é natural (hipótese nula). Esta referência do que é natural não é inerte, pelo contrário, nós criamos nossos modelos conceituais em comparação com a hipótese nula. Implícito à desconfiança do Pedrão está uma comparação com o que ele acha natural: os serviços bancários tais quais são hoje, janeiro de 2021. Sua comparação é com transferência interbancária, TED, western union e talvez mesmo com poupança, conta corrente, ações… Em outras palavras, a hipótese nula do Pedrão é que o bitcoin é um ativo semelhante aos serviços bancários.

BITCOIN x TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS

Em relação à velocidade da transferência e da segurança da carteira, o bitcoin é extremamente eficiente, as transações são praticamente instantâneas. Inclusive é a tecnologia mais segura que existe, ninguém nunca conseguiu fraudar a blockchain (as fraudes que ocorreram foram nas corretoras). Tanto que bancos centrais do mundo todo, por orientação do BIS (banco central dos bancos centrais), estão cogitando criar suas próprias moedas digitais. A criação do PIX talvez seja um passo para a digitalização da moeda fiduciária no Brasil e, quem sabe, um passo para uma moeda digital mundial (controlada pelo BIS).

BITCOIN x INVESTIMENTOS

A outra comparação que pode estar na mente do Pedro é com ativos financeiros como ações e títulos de renda fixa. Entretanto, o bitcoin foi desenhado para ser uma moeda e, como tal, ser uma reserva de valor e um meio de troca. Uma ação distribui dividendos (o valor do lucro não reinvestido é dividido entre acionistas), um título do tesouro (ou seja, um empréstimo para o Estado) te paga os juros. O bitcoin não paga juros ou dividendos, entretanto, assim como qualquer moeda, tem sua cotação de acordo com sua demanda. A percepção de que o bitcoin é um investimento se deve ao seu preço ter subido fortemente desde que foi criado (o que enriquece que detém os ativos). Mas a subida do bitcoin não é uma promessa (como um título do governo faz). A subida do bitcoin é semelhante à variação da cotação de uma moeda fiduciária ou do ouro. Desta maneira a pergunta “bitcoin é ético” deve ser feita em comparação a moedas, não em relação a produtos bancários.

BITCOIN x MOEDA

Uma moeda fiduciária (os reais que eu tenho no bolso ou os dólares no caixa de uma lanchonete nos EUA), assim como o bitcoin, não tem o registro do caminho que percorreu. Se alguém me dá de troco dois reais no mercado eu não sei se estes dois reais passaram pela mão de trabalhadores, de criminosos ou seja lá de quem for. Neste quesito o bitcoin é exatamente igual ao dinheiro de papel. E, da mesma maneira que o dinheiro de papel, é possível desenvolver instrumentos financeiros a partir do seu depósito. Inclusive a empresa PayPal ganhou as manchetes ao passar a aceitar bitcoin como meio de pagamento. Para isto, presumo eu, o cliente deverá ter bitcoins depositados em sua carteira. Da mesma maneira que o dinheiro depositado em conta corrente, os pagamentos efetuados através da PayPal poderão ter seus sigilos bancários quebrados através da autorização judicial. A empresa PayPal tem registro de quem é dono de determinada carteira de bitcoins, da mesma maneira que o Banco do Brasil tem o registro de quem é dono do dinheiro que está em determinada conta corrente. Então qual a diferença entre o bitcoin e uma moeda convencional com o real?

MOEDA CONVENCIONAL É CRIAÇÃO ESTATAL

A moeda fiduciária tem as características próprias de uma moeda: é aceita como meio de troca, é divisível, funciona como reserva de valor. Mas tem uma característica que deve ser colocada ao lado destas outras, é criação do Estado. Ela é criada pela decisão de tecnocratas e políticos, sempre que querem mais moeda é impressa. Para ser aceita ela é “moeda de curso forçado”, ou seja, todo estabelecimento do país deve aceitar a moeda nacional. Também vale destacar que os impostos são pagos na moeda nacional (o que cria uma demanda por tal moeda).

ESTADO SE FINANCIA COM IMPOSTO E COM IMPRESSÃO DE MOEDA

Muitos países passam pela situação em que as contas não fecham, uma maneira de se financiar é o imposto. A outra maneira que o Estado usa para se financiar é imprimir moeda. No caso do imposto de renda, por exemplo, uma pessoa no fim do ano paga o tributo correspondente à sua renda. Quanto mais transparente é o imposto, melhor para a população, pois ela percebe o quanto de sua riqueza está indo para o Estado. Um bom imposto é o imposto de renda, pois cada um de nós sabe o quanto paga. Um imposto ruim é o imposto sobre o consumo, pois quando compramos um pão ou um remédio não sabemos quanto foi tributado.

CULPAMOS O COMERCIANTE PELO AUMENTO DE PREÇOS

Quando o Estado imprime ele leva à inflação. Mas o aumento do preço a gente atribui ao comerciante. “O arroz está mais caro! Como o dono do mercado é cruel!”. Aqui no Brasil é recorrente políticos responsabilizarem a iniciativa privada pelas mazelas sociais. Talvez o maior símbolo disso tenha ocorrido na década de 80 com os ‘fiscais do Sarney’. O Estado decretou o congelamento de preços e o presidente chamou pessoas comuns para fiscalizar possíveis reajustes realizados por comerciantes. Mas não precisamos ir tão longe, no final de 2020 o Ministério da Justiça pediu para que os donos de supermercados explicassem a alta do preço do arroz. Um pedido que, vindo do ministério da Justiça, sugere que determinar o preço dos produtos que vendem é irregular!!!!!!

INFLAÇÃO

A visão dominante é a de que inflação seja o aumento generalizado de preços. Se apenas um produto aumentou não se constata a inflação, mas se diversos produtos aumentam simultaneamente há inflação. Mas de onde vem esta inflação? Por que todos os preços aumentam juntos? Que coincidência é esta? Existem algumas causas para o aumento generalizado dos preços. Um é a escassez ocasionada por um evento externo. Por exemplo, se os países exportadores de petróleo decidirem aumentar o preço simultaneamente haverá o aumento primeiro dos combustíveis, depois de todos os produtos que são transportados usando combustíveis. Se uma seca assola um continente que é grande produtor de alimentos então eles se tornarão mais caros no mercado internacional, nossos produtores optarão por vender no exterior e, assim, a alta contaminará o mercado nacional. Mas a maior parte da inflação é causada por decisões internas.

IMPRESSÃO DE MOEDA CAUSA INFLAÇÃO

Embora não muito intuitiva para quem não costuma pensar em economia, a matemática é bem simples. Em um país, por exemplo, o Brasil, há uma quantidade de dinheiro e o preço de todos os produtos se dão na moeda nacional (o real). Se dobrarmos a quantidade de dinheiro que todas as pessoas têm, então simplesmente o preço de todos os produtos serão dobrados, assim o aumento da quantidade de moeda (caso ela seja dada proporcionalmente ao que todo mundo tem) é inerte. Entretanto, na economia o que se dá é diferente, o dinheiro criado é entregue primeiro para algumas pessoas, depois se espalha pela economia.

QUEM RECEBE PRIMEIRO O DINHEIRO É FAVORECIDO PELA SUA CRIAÇÃO

Digamos que o Estado gaste com uma obra gigantesca, por exemplo, a construção da maior represa do mundo. Então quem receber o dinheiro primeiro (a empreiteira, o produtor de cimento, os funcionários que estão tocando a obra) vai recebê-lo ainda sem a desvalorização advinda da impressão.

A INFLAÇÃO SE DISSEMINA CONFORME A CIRCULAÇÃO DO DINHEIRO

Os funcionários, no primeiro mês, vão gastar seu dinheiro na cidade para comprar os produtos que consomem, sobretudo bens de primeira necessidade. Após os seus gastos a cidade vai sofrer uma escassez destes produtos e o seu preço aumenta (para se adequar à nova demanda, a dos trabalhadores da obra). O mesmo se dá com os gastos do produtor de cimento. Ao receber um super pagamento (referente ao começo da obra) ele vai comprar produtos, por exemplo, tratores. A compra de tantos tratores fará com que os tratores se tornem mais escassos, assim seu valor irá aumentar. Aquilo que os fabricantes de trator comprarem (por exemplo ferro) também terão aumento de demanda e aumento de preços.

EFEITO CANTILLON

Desta maneira, se a quantidade de dinheiro da economia dobrar, os preços aumentarão muito, e tal aumento se distribuirá conforme os gastos do dinheiro recém criado. Com a circulação do dinheiro a inflação se disseminará e toda a população sofrerá redução em seu poder de compra. Quem recebe o dinheiro primeiro tem seu poder de compra ainda a preços anteriores à inflação, a medida em que o dinheiro circula a inflação se espalha, de maneira que toda a população vai sentir a depreciação do seu valor de compra (a população em geral empobrece). Este é o mecanismo através do qual a impressão de dinheiro é um mecanismo de transferência de renda de toda a sociedade para o Estado (e para aqueles que recebem o dinheiro dele).

PESSOAS RICAS SE PROTEGEM DA INFLAÇÃO

Uma vez que a inflação incide sobre sobre o dinheiro seria de se supor que quem tem mais dinheiro sofre mais com a inflação, não é o caso. Pessoas ricas protegem seu dinheiro através de investimentos. Até a poupança historicamente rende mais do que a inflação, mas pessoas ricas se valem de produtos ainda mais sofisticados que lhe protegem da desvalorização monetária. Desta forma os maiores afetados pela inflação são aquelas pessoas que guardam o dinheiro no bolso. Em outras palavras, a inflação funciona como um imposto que transfere renda de toda a sociedade (especialmente dos mais pobres) para quem cria o dinheiro.

QUEM CRIA O DINHEIRO

Até agora vimos que o Estado é que cria a moeda, desta maneira ele gera riqueza para si, aparentemente do nada. Mas esta riqueza vem da desvalorização do dinheiro da sociedade, ou seja, é uma desvalorização imposta à sociedade para financiar o Estado. Nisto (em ser uma forma de transferência de renda da sociedade para o Estado) a impressão se assemelha muito a um imposto, um imposto que ataca sobretudo aqueles que não se protegem da inflação: os pobres. Além do Estado, outra instituição também cria dinheiro, o sistema bancário!

MULTIPLICADOR BANCÁRIO

Os bancos recebem depósitos em dinheiro de muita, muita gente. E eles confiam que a maior parte das pessoas deixa o dinheiro no banco (quem anda com dinheiro em mãos hoje em dia?). Se eu deposito dez mil reais o banco pega uma porcentagem, digamos, 20% (dois mil reais) e empresta para outra pessoa X. Para receber o empréstimo a pessoa X tem que criar uma conta no banco e o empréstimo de dois mil será concedido na conta corrente dela. Mas vinte por cento deste valor (quatrocentos reais) será emprestado para outra pessoa. O nome deste mecanismo de multiplicação do dinheiro é ‘multiplicador bancário’. No exemplo em que dei para cada real depositado haveria a criação de mais 25 centavos. A fórmula para descobrir quanto dinheiro foi criado é T = D/(1 - E), em que D é a quantidade de depósitos e E é a porcentagem de dinheiro emprestada e T é o valor total de dinheiro resultante. Mas por que emprestar 20% do que foi depositado? Por que não emprestar 30% ou 40% do que foi depositado?

A PORCENTAGEM DE DINHEIRO QUE OS BANCOS PODEM CRIAR

Quem controla o quanto dinheiro vai ser criado pelos bancos? Acertou, o Estado. Se ele decidir que 60% do dinheiro pode ser emprestado, então ele determina aos bancos o depósito compulsório de 40% do valor que foi depositado nos bancos estão proibidos de serem emprestados. Neste caso o dinheiro total será T = 1/0,4 ou seja, T = 2,5 Ou seja, para cada real depositado será criado um real e cinquenta centavos!!!!! Qual vocês acham que é o depósito compulsório hoje? É de apenas 17%, ou seja, a cada real depositado os bancos podem criar 4 reais e 88 centavos!!!!!

O SURGIMENTO DOS BANCOS

Houve um tempo em que o dinheiro era cunhado em ouro. Dinheiro era ouro! A grande qualidade do ouro é que ele é uma reserva de valor (ou seja, é possível poupar guardando ouro em casa) e é universalmente aceito. Mas ele possui algumas desvantagens, é bem denso, se a gente encher uma garrafa com capacidade de um litro ela vai pesar 19,3 kg. Imagina a trabalheira que seria para uma empresa que quer comprar um avião ter que pagar com ouro! Sem contar que o ouro podia ser roubado. Assim as pessoas, por segurança e comodidade, passaram a guardar seu ouro em cofres protegidos. Estas instituições emitiam notas em dinheiro que correspondiam à quantidade do ouro guardado (diz-se que o lastro da nota é o ouro que pode ser trocado por ela). Os donos desses cofres sentavam-se em bancos nas cidades (daí o nome “banco”) e ofereciam os seus serviços. Além do cofre eles ofereciam outros serviços extremamente valiosos, como seguros (imagina fazer um seguro de um navio que vai para a América).

PRATICIDADE DAS NOTAS LASTREADAS EM OURO

Tais notas assinadas pelos donos do banco passaram a ter tanta credibilidade que as pessoas passaram a negociar usando as notas! É muito mais prático pagar com uma do que com várias moedas de ouro. Desta maneira o ouro deixou de ser retirado dos bancos, para que a trabalheira de usar o ouro se podemos usar as notas?!

A FRAUDE BANCÁRIA

Os bancos, percebendo que o ouro deixou de ser retirado de seus cofres, passou a emprestar aquele ouro. Qual o problema de eu emprestar o ouro que o João deixou guardado aqui? Ele já deixou há trinta anos, qual a chance de retirar agora?! Desta maneira os bancos passaram a emprestar o dinheiro que não era deles, mas dos seus clientes!

QUANTO FRAUDAR?

É claro que de vez em quando alguma pessoa vai pegar um pouquinho de ouro. Talvez um artesão que quer confeccionar um colar para vender… Desta maneira os bancos sabiam que tinha algum limite para suas fraudes. Mas qual o limite? Depois de décadas nos negócios eles conheciam os hábitos dos consumidores, desta maneira eles conseguiam fraudar com alguma margem de segurança, a ponto de suportar as retiradas que a população fazia.

PERCEBENDO A FRAUDE

O grande risco deste esquema fraudulento é as pessas descobrirem. Se uma delas descobre que um determinado banco comete a fraude, ela passa a temer que o seu ouro não seja pago, então ela leva o ouro para outro banco (ou mesmo para casa). Se este medo se dissemina muita gente retira o valor do banco e ele acaba por não conseguir honrar seus compromissos (afinal de contas existem muitas notas fraudulentas e pouco ouro para efetuar o pagamento).

SOLUÇÃO DE MERCADO PARA A FRAUDE - FALÊNCIA & COMPLIENCE

Se uma pessoa descobre que o serviço pelo qual está pagando (guardar o ouro no cofre) não está sendo prestado (pois o cofre acaba emprestando o ouro que é seu) a solução simples é retirar o ouro do banco e a notícia da fraude se espalhar, de maneira a gerar uma corrida para quem vai tirar o dinheiro primeiro. É claro que - com a fraude - nem todas as pessoas terão seu ouro e a empresa que presta este serviço irá à falência. Isto é bem ruim para as pessoas da cidade, pois algumas acabam demitidas e algumas ficarão sem seu ouro. Apesar do inconveniente que é a falência, isto é bom para a sociedade, pois retira do mercado uma empresa que comete fraude. Os outros bancos que oferecem o serviço de guarda de ouro passariam a ter mais medo de fazer a fraude, as pessoas teriam mais cuidado ao escolher o banco no qual guardar seu ouro. Talvez os bancos se tornassem mais transparentes em suas operações. Enfim, a falência é ruim para quem faliu e para quem ficou sem o seu produto, mas é boa para o mercado como um todo.

A INSTITUIÇÃO QUE COMETE A FRAUDE É MAIS BARATA E MAIS FRÁGIL

Uma instituição que usa o ouro de terceiros para emprestar para outros clientes tem um forte incentivo para não cobrar taxas. A maior fonte de renda do banco passa a ser não a custódia do ouro (a tarifa de guardar o ouro no cofre), mas sim a fraude (emprestar o ouro de cada uma das pessoas que lá depositam). Desta maneira o banco passa a cobrar pouca ou nenhuma taxa - para incentivar o máximo de depósitos possível. Entretanto, quanto maior a fraude mais frágil o banco se torna. Pois qualquer situação inesperada poderá causar uma corrida aos bancos.

SOLUÇÃO MAFIOSA PARA A FRAUDE - INSTITUCIONALIZAR A FRAUDE

A solução mafiosa para a fraude é a união para a cartelização da fraude. É uma solução muito difícil, pois a criação de um cartel tem bases muito frágeis. Se apenas um banco disser, “Eu não cometo a fraude, ofereço transparência, garanto que você terá o seu ouro que você depositou!” haverá um forte incentivo para o público em geral escolher o banco que furar o cartel. Os mafioso, sozinhos, teriam dificuldade em permitir a criação de negócios concorrentes aos seus - para isto eles recorrem a um ente mais forte do que cada um deles. Um ente que escolhe a dedo quem pode criar um banco e em que condições, um ente que decide o limite que a fraude pode ser feita, um ente com muito poder e aceito pela sociedade: o Estado.

O ESTADO COMO GARANTIDOR DO CARTEL

Aqui no Brasil para criar um banco é necessária a permissão do Estado (institucionalização do cartel), o instrumento que o Estado usa para determinar o quanto o cartel pode emprestar com o dinheiro dos outros são as reservas compulsórias. Atualmente as reservas compulsórias são 17%, ou seja, cada banco pode emprestar 83% do seu dinheiro que foi depositado lá. Como foi explicado acima, a este percentual de empréstimo a maior parte do dinheiro é criado pela fraude bancária, cujo nome técnico é “multiplicador bancário”. Caso a fraude leve a uma corrida bancária, o Estado (através do Banco Central) serve de emprestador de última instância e vai socorrer o banco. As maneiras que o Estado se utilizam para manter o sistema fraudulento são diversas e para estudá-las basta estudar o recursos dos bancos centrais de cada país.

ESTRAGO RESTRITO

Caso apenas um banco de uma pequena cidade esteja cometendo os empréstimos fraudulentos e algumas pessoas percebam, então elas vão retirar os valores de suas contas bancárias. As primeiras a sacarem vão sair com seu dinheiro, mas as demais serão as vítimas do esquema fraudulento. É uma tragédia para quem foi vítima do golpe, mas nada que comprometa a saúde financeira da sociedade. Inclusive as pessoas podem se antecipar a esta possibilidade e dividir seu dinheiro em mais de um banco ou mesmo podem verificar as contas do banco (auditar) para ver se ele tem condições de honrar seu compromisso. A falência de um banco seria ruim para os empregados e para os clientes, mas nenhuma tragédia para a cidade.

SISTEMA ABSORVENDO A FRAGILIDADE DE CADA UM DOS BANCOS

MÁFIA

Agora pense se os bancos, tal qual máfias, se juntam para criar um cartel que institucionalize a fraude. Passa a ser impossível fugir de uma instituição para a outra, pois ambas cometem fraude em porcentagens decididas pela entidade central. Além disso, a máfia proíbe a livre criação de empresas que entrem no mercado (a maior força da máfia é proibir o livre mercado). A partir deste momento um cliente não tem mais a opção de fugir da fraude depositando o seu dinheiro no concorrente, pois o concorrente também comete a fraude! Isto dá muito mais segurança a cada banco, pois diminui a chance de uma corrida bancária. Além disso, o cartel ajuda a cada um de seus integrantes. Se houver corrida a um banco da cidade, a máfia, a socorre (neste caso através do Banco Central).

CORRIDA BANCÁRIA A TODOS OS BANCOS

O risco que enfrentamos agora é que uma pessoa, percebendo que o seu banco está emprestando ao banco que está em dificuldade, passe também a, por via das dúvidas, a sacar deste segundo banco. Ou seja, há o risco de que haja uma corrida bancária a todos o bancos da cidade! Ou seja, o risco que era localizado agora é sistêmico, pode prejudicar toda a cidade! E é importante notar que com a máfia mesmo negócios de pessoas que não são bancarizadas será prejudicado, pois se 80 por cento do dinheiro desaparece todos os clientes passam a ficar sem dinheiro para consumo!

SOLUÇÃO DA MÁFIA: ASSOCIAÇÃO COM O ESTADO

A solução apresentada pela máfia dos bancos é chantagear a sociedade. Se nós quebrarmos 80% do dinheiro desaparecerá (esta porcentagem depende do quanto é depositado nos bancos e do quanto eles o “multiplicam”). As pessoas perderão toda sua economia, os negócios irão à falência. Portanto, pelo “interesse da sociedade”, o Estado deve fazer todo o possível para preservar os integrantes da máfia.

RECAPITULANDO

Como vimos, diferentemente de um empréstimo comum, em que quem empresta fica sem o bem emprestado até sua devolução, quando um banco comete um empréstimo fraudulento ele tanto a pessoa que depositou o dinheiro como a que pegou emprestado ficam com o dinheiro, logo dinheiro é criado. No sistema como um todo, quando o dinheiro for usado para pagar a dívida (ou quando a dívida sofrer um calote) o dinheiro fraudulento desaparece. Até onde vimos o sistema se torna mais frágil quanto mais a fraude é cometida, pois quanto maior a fraude mais frágil o sistema se torna à corrida aos bancos. A solução apresentada pelos bancos não é parar de cometer a fraude, mas criar uma máfia controlada a partir do Estado. Tal máfia primeiro impede a entrada de concorrentes, segundo define os parâmetros da fraude, terceiro usa os recursos da sociedade para defender os bancos (são grandes demais para quebrar). A partir de agora vou mostrar uma outra fragilidade criada pelo sistema fraudulento.

PARTE II - SISTEMA PODRE

DINHEIRO CRIADO É MENOR DO QUE A DÍVIDA CRIADA

Quando o banco comete um empréstimo fraudulento ele cria duas coisas: dinheiro (que foi emprestado e que a pessoa pode gastar no momento) e uma dívida (o mesmo valor que a pessoa pegou mais o valor dos juros). Suponhamos que o valor emprestado seja R$1.000,00. Se os juros são 10% e ela deve pagar em um ano ela vai pagar 1.100,00. Ou seja, foram criados mil reais em dinheiro, mil e cem em dívida. A pessoa tem um ano para conseguir aquele valor, se ela tem um emprego fixo provavelmente não será um problema para ela. Neste cenário tudo dá certo, conforme a máfia gosta. Agora vamos montar o mesmo cenário, mas incluindo outra variável: a quantidade de dinheiro na economia.

DÍVIDA CRIADA EM RELAÇÃO AO DINHEIRO TOTAL DA ECONOMIA

Agora suponhamos que a quantidade de dinheiro impresso pelo Estado na economia seja 10 mil reais. Um banco empresta mil reais e vai cobrar cem reais de juros. Agora temos na economia 11 mil reais, o valor da dívida é 1.100,00, o valor dos juros é de apenas 100. O valor da dívida é 10% da quantidade total circulando na economia, é factível mobilizar este valor para pagar o banco.

DÍVIDA CRIADA MAIOR DO QUE A QUANTIDADE DE DINHEIRO CIRCULANDO NA ECONOMIA

Agora suponhamos que a quantidade de dinheiro impresso na economia seja 10 mil reais e que quantidade de dinheiro fraudulento seja de 30 mil reais, portanto a quantidade total de dinheiro é 40 mil reais. A quantidade de dívida criada foi de 33 mil reais. Nesta situação a dívida é de 33 mil, a quantidade de dinheiro total é 40 mil. A dívida ainda é pagável (pois a dívida é menor do que a quantidade criada), é claro que o pagamento da dívida mobilizaria 82,5% de todo o dinheiro na economia! Agora se a quantidade criada fosse de 100 mil, a quantidade te dinheiro total seria 110 mil e o valor da dívida seria 110 mil. Ou seja, seria necessário usar todo o dinheiro da economia do país para pagar a dívida.

O TAMANHO DA ECONOMIA É IRRELEVANTE

É extremamente importante notar que o aumento da produtividade é irrelevante nesta equação. Se em um ano toda a economia dobrar (todo mundo produz exatamente duas vezes o que produzia no começo do ano) a dificuldade em pagar a dívida é exatamente a mesma. As variáveis que importam são: a quantidade de dinheiro impresso, a quantidade de dinheiro fraudulento e os juros.

SOLUÇÃO É CRIAÇÃO DE MOEDA OU DESTRUIÇÃO DA DÍVIDA

Desta maneira a solução para a escalada da produção de dívidas e de dinheiro fraudulento é tornar a quantidade de dinheiro no sistema suficiente para o pagamento dos juros. Uma maneira é permitir o desaparecimento da dívida e dos juros. Isto se dá através dos calotes dos clientes dos bancos e, em último caso, na falência do próprio banco. Esta é a maneira que atinge principalmente os envolvidos na fraude e a desincentiva. A segunda maneira é através do da criação de mais moeda e, em última instância, do socorro aos envolvidos. Esta solução implica na transferência de renda de toda a sociedade para o Estado (caso utilizem a impressão de moeda) ou para o sistema bancário (caso utilizem a fraude para a criação do dinheiro).

BITCOIN

A bitcoin é livre de qualquer Estado, a sua criação é governada por regras simples e transparentes. É claro que ela, como qualquer moeda, pode ser usada para fins sórdidos. Por ser uma tecnologia eficiente inadvertidamente será usada por criminosos (da mesma maneira que qualquer outra tecnologia). Entretanto o bitcoin a grande vantagem do bitcoin é ser uma moeda descentralizada e privada de maneira que a influência dos estados sobre ela se dá indiretamente.

CONCLUSÃO: RELATIVAMENTE ÀS MOEDAS NACIONAIS BITCOIN É MAIS ÉTICO

Vimos que o bitcoin deve ser comparado a moedas, não a ativos como ações ou empréstimos, pois bitcoins não dão lucros ou juros. Da mesma maneira o bitcoin não deve ser comparado à conta corrente em um banco, pois o valor daquele depósito está sujeito à multiplicação bancária (ao empréstimo fraudulento). Em se comparando com moedas a devemos ter em conta que as moedas estatais estão sujeitas à multiplicação bancária - empréstimos antiéticos. Além disso a moeda estatal também está sujeita à impressão pelo Estado , o que se configura em uma transferência de renda de toda a sociedade para o Estado. Assim, por estar livre destas manipulações antiéticas, o bitcoin é (relativamente às moedas estatais) muito mais ético.

Notas de Rodapé

Depósitos compulsórios janeiro 2021: https://amazonasatual.com.br/bc-estende-ate-abril-de-2021-reducao-da-aliquota-do-deposito-compulsorio/

Em ‘QUEM CRIA O DINHEIRO’ - escrevi um ensaio em que sugiro a alteração do conceito de imposto para incluir qualquer imposição do Estado. Desta maneira a inflação imposta pelo Estado seria considerada um imposto. Entretanto, é necessário frisar que a impressão monetária não é considerada imposto pela legislação brasileira ou pelas “ciências” econômicas.