Exata.
A vida me assusta tantas vezes.
Se abstrair dela qualquer religião, se esquecer Deus ou seja lá o que isto signifique, viver é um ato de fé.
Só a fé em si e na vida, com a consciência da impermanência das coisas, é possível encarar o abissal sentido da vida.
Ardem as entranhas, nublam-se os olhos, expande-se a mente para além do corpo mutável.
Extravasei todas as fronteiras do indivisível e estou frente a frente comigo.
E a sensação de não ter vivido, de não ter sido convidada para o banquete no qual os convivas celebram as divindades pagãs alegremente...
E a sensação de não ter escolhido nada do que traçaram para mim.
Que caminho é este?
Olho para trás e só vejo uma estrada poeirenta, seca, sem flores no caminho.
Olho para trás e não vejo as flores que plantei.
As sementes secaram por falta de chuva, de rega, de cuidados.
Eu não sequei porque não parei de caminhar.
E saltei todos os abismos e deixei para trás todas as pedras, as dores, os pesares.
Em qual curva desta estrada eu me perdi?
Volto o olhar e o sol brilha e torna tudo mais esmaecido do que já é.
Por que a minha parte foi roubada?
Por que o meu naco do pão estava embolorado?
Por qual capricho de quaisquer deuses me coube o tão pouco de tudo o que distribuíram um dia para os caminhantes?
Contudo, há que caminhar. O motivo já não sei.
Pensamentos vão e vem, justiça, justiça não gosto, jogo fora na hora. Prefiro exato, exata.
Exata me define.
Justiça depende de tantos fatores e julgamentos, divinos ou humanos, a exatidão não tem dúvidas.
Sou exata na minha humanidade falida.
Sou ventre que acolhe, olhar que acaricia, voz que consola, mãos que limpam e ordenam o caos.
Há que ter um pouco de ordem, assim pedem os deuses.
Não queremos ordem, dizem os humanos e ecoam nos antros os humilhados, e no celestial coro dos exaltados...
Contudo, há que caminhar, não posso parar, se parar terei o destino das sementes que plantei. E que não vingaram.
Secaram todas as sementes.
O coração expande para além do corpo inexato, o coração grita para além da garganta ressequida.
O coração não pode parar.
Para onde vou já não sei, mas tenho que cuidar com as curvas, os abismos do caminho.
Há que olhar sempre o horizonte, lá onde deixei o meu tesouro que arde e chama por mim.
Sou chama, sou água, sou terra, sou ar, sou exata, e cansei de inexatidões.